Ônibus incendiado na Linha Amarela, após operação no Alemão: 94 sofreram perda total em 2017 - Márcia Foletto / Agência O Globo |
por Renan Rodrigues
O custo desse crime ao município do Rio foi de, pelo menos, R$ 75 milhões
RIO - Só tampas de bueiro, foram furtadas mais de dez por dia em 2017. E quem paga por esses atos de depredação do patrimônio público — crime com pena de até três anos de detenção — é a população. Ano passado, o vandalismo e o roubo desses bens custaram, pelo menos, R$ 75 milhões ao Rio, segundo levantamento feito pelo GLOBO. Com esse valor, daria para garantir o funcionamento de seis Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) por 12 meses, considerando que, segundo a Secretaria estadual de Saúde, cada uma delas consome cerca de R$ 1 milhão ao mês.
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A fatura final, no entanto, pode ser ainda mais alta, já que várias empresas e órgãos públicos não identificam em seus orçamentos os gastos específicos com equipamentos danificados. Nessa conta, o setor de transportes é um dos mais afetados. No último ano, 94 ônibus tiveram perda total após serem incendiados, contabiliza a Fetranspor. Um prejuízo de R$ 42,3 milhões, e a capital está no topo desse ranking, com 50 veículos destruídos. E mais: a quantia sequer inclui vidros e estofamento de bancos danificados.
— O vandalismo é absurdo, a ponto de eu não conseguir calcular se o vidro foi quebrado por alguém que jogou uma pedra ou porque bateu num galho de árvore. Para cada 200 ônibus, preciso ter dez para-brisas no estoque para trocar todos os dias — afirma Cláudio Callak, presidente do Rio Ônibus, que reúne as empresas do setor no município.
O sistema de ônibus articulados também pesa nesse rombo. Mensalmente, o consórcio BRT gasta R$ 1,4 milhão com reparos nas estações, ou seja, R$ 16,8 milhões em um ano. Todos os meses, o BRT tem mais de três mil ordens de serviços para o conserto de portas, vidros, catracas e outros equipamentos. O resultado são veículos circulando em más condições e uma pressão cada vez maior sobre o valor da tarifa. E, apesar de ser um serviço oferecido por empresas privadas, o setor é uma concessão pública.
— O ônibus vem lotado, e as pessoas forçam a porta até quebrar — diz a passageira Joice Vicente.
Um bueiro sem tampa na Avenida Presidente Vargas: em média, dez peças foram furtadas por dia na cidade ano passado - Barbara Lopes / Agência O Globo |
PLACAS E ATÉ PAPELEIRAS
Já nos trens, a SuperVia desembolsou R$ 10 milhões devido ao vandalismo e a furtos em 2017 (em média, 380 casos por mês, 85% diretamente contra composições). Se os ataques continuarem com essa frequência, a concessionária estima que, este ano, o custo da depredação será 30% maior que no ano passado.
Professor de Direito Penal da Fundação Getulio Vargas, Thiago Bottino destaca que, para coibir o crime, é preciso um esforço maior para identificar e punir os responsáveis:
— A dissuasão só terá efeito se o culpado tiver alta probabilidade de ser pego. Sem isso, nem a ameaça de mil anos de prisão surtirá efeito. Não se pode ter um policial em cada esquina. Mas a prefeitura tem câmeras na cidade inteira e as concessionárias também. Basta usar as imagens, identificar e punir.
Na administração municipal, somente a CET-Rio precisa substituir ou restaurar 850 placas por mês. A companhia ainda tem que trocar sinais de trânsito danificados, pelos quais desembolsa R$ 3,1 milhões num ano. Nem mesmo a limpeza urbana escapa. Na Comlurb, R$ 742 mil vão pelo ralo para substituir papeleiras e limpar pichações. Em média, cinco mil lixeiras são perdidas por ano (cada uma custa R$ 70). E, em 2017, a companhia removeu seis mil pichações.
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A Secretaria municipal de Conservação gastou R$ 1,3 milhão em 2017 com a reposição de 3.856 tampas de bueiro. Custo que será ainda maior neste ano: segundo a pasta, muitas peças foram repostas com parte do estoque que sobrou de 2016, comprado para a Olimpíada. De janeiro a julho, já foram gastos R$ 900 mil com a reposição de 1.357 peças. Os números da secretaria, contudo, não incluem o custo com o vandalismo em monumentos. Esse valor não foi informado.
Em junho, estação do BRT de Olaria foi fechada após roubo de cabos de energia - Pablo Jacob / Agência O Globo |
O gasto com reparo e reposição de telefone público também não entrou na conta feita pelo GLOBO. Mas, de acordo com a Oi, cerca de 8.700 orelhões são danificados por mês, o equivalente a 13% dos 69 mil instalados no estado. Já a Light registrou 288 ocorrências de vandalismo: 200 apenas para trocar transformadores, um prejuízo de R$ 1,6 milhão.
DESALENTO DA POPULAÇÃO DIANTE DO PROBLEMA
Apesar de provocar um prejuízo milionário, a depredação do patrimônio público parece que não tem mobilizado a população, a ponto de as pessoas se manifestarem. O número de casos relatados ao Disque-Denúncia (pelo telefone 2253-1177 ou pelo aplicativo), por exemplo, diminuíram. Em 2017, já tinha registrado 7% menos reclamações sobre o tema, em relação ao ano anterior: 217 casos, contra 233 em 2016. E a tendência deve se acentuar em 2018. No primeiro semestre, foram 93 registros, frente aos 122 no mesmo período do ano passado — uma queda de 23,7%.
Para o coordenador da plataforma, Zeca Borges, a população tem se sentido abandonada pelos governos, o que explica esse desinteresse por denunciar:
— As pessoas não têm mais para quem levar o problema. Ninguém faz nada. As pessoas ficam abandonadas, com uma percepção de desalento.
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Ainda segundo Borges, além do prejuízo financeiro, esses atos incentivam novos episódios de depredação:
— Se alguma coisa está abandonada, você reforça esse descuido. Se um prédio está pichado, ele ficará ainda pior, porque aquilo simplesmente parece ser uma oportunidade para outros atos de vandalismo. Nos poderes públicos, há dificuldades para agir. O estado brasileiro não tem condições de reprimir certas atividades em função da falta de instrumentos legais. O problema de segurança relativiza as coisas, você começa a fazer escolhas entre tratar uma unha encravada ou fazer uma operação de coração.
‘O estado brasileiro não tem condições de reprimir certas atividades em função da falta de instrumentos legais’. Zeca Borges, Coordenador do Disque-Denúncia
PENSAR NOS OUTROS
Estudioso do povo brasileiro, o antropólogo Roberto DaMatta concorda com Zeca Borges. Segundo ele, no entanto, há diferentes tipos de vandalismo. Ele destaca a crença de muitos brasileiros de que o patrimônio público não pertence a ninguém:
— Todo mundo já urinou na rua, e quem ainda não fez isso vai fazer também. O vandalismo não existe em si. É consequência de uma sociedade desigual, brutalmente aristocrática, cuja preocupação com os outros é muito pequena.
A saída, indica o antropólogo, é a transformação social por meio da educação. Na opinião dele, a ética e a moralidade são conceitos que só são praticados com membros da família e amigos. Ele destaca, contudo, que isso precisa mudar, pois a cidade é caracterizada pelo anonimato:
— Você não aprende na escola primária essa gramática fundamental dos deveres. Quais são as minhas obrigações? Mas não apenas aquelas para com a minha família. O que eu divido com meus vizinhos? Como treinar para pensar nos outros? A gente fala muito em direitos. Quando você está falando em vandalismo, precisamos falar nos deveres dos cidadãos.
Fonte: O Globo
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