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segunda-feira, 8 de setembro de 2025

EMERGÊNCIA CLIMÁTICA: Brasil tem 20% de todas as terras no mundo disponíveis para a restauração florestal

O Observatório do Clima divulgou a matéria abaixo sobre um estudo da universidade de Sun Yat-sen, de Taiwan, que mostra que o mundo teria 398 milhões de hectares aptos para receber plantios de florestas, que ajudariam no enfrentamento da crise climática. Desta área, 20% estariam no Brasil. Caso fosse totalmente reflorestado, a área resultaria na retirada de 40 bilhões de toneladas de carbono da atmosfera até 2050.

A estimativa é bem menor do que um estudo anterior realizado pelo Instituto Federal de Tecnologia de Zurique, que estimava que a área disponível seria de 900 milhões de hectares, o que resultaria na retirada de 25% do carbono na atmosfera. O estudo suíço deu origem ao número emblemático que é repetido com frequência de uma meta de plantio de 1 trilhão de árvores. 

O estudo agora lançado alerta que dos 398 milhões de hectares disponíveis globalmente, apenas cerca de 30% (120 milhões de hectares) são passíveis de reflorestamento de acordo com os compromissos atuais dos governos mundo afora. Mesmo muito abaixo do possível, caso esse número seja atingido, ou seja, que os países de fato cumpram o que prometeram, atingiríamos apenas 12 bilhões de toneladas em 25 anos, mas que já seria um ganho.

Em 2019, a Assembleia Geral da ONU proclamou a Década da Restauração de Ecossistemas (2021-2030), embalado pelo Desafio de Bonn, lançado pelo governo alemão em 2011, desafiando os países a chegar a uma meta de restauração de 350 milhões de hectares de ecossistemas degradados até 2030. Pelo ritmo atual não chegaremos perto da meta traçada.

O Brasil tem avançado para fazer a sua parte e lançou um ambicioso programa de restauração de áreas degradadas, o Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa - PLANAVEG. O plano prevê a restauração de 12 milhões de hectares até 2030, e a sua implementação já foi iniciada e faz parte da nova NDC brasileira. A iniciativa demanda um grande esforço de planejamento, de logística e de suprimentos, mas com o PRONAVEG, o Brasil já liderará o mundo na restauração florestal, ficando atrás apenas da China.

Axel Grael
Engenheiro florestal
Prefeito de Niterói (2021-2024)

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Amazônia (Foto: Rodrigo Vargas/OC)

Falta espaço no mundo para expandir florestas, diz estudo

Área apta para plantio de árvores visando a combater crise do clima é quase um terço menor do que se imaginava

DO OC – Conter as mudanças climáticas por meio do plantio de centenas de bilhões de árvores pelo mundo não esbarra apenas em limitações econômicas e geopolíticas. Estudo publicado na quinta-feira (28) na revista Science indica que a disponibilidade de áreas para florestamento e reflorestamento é muito menor do que o previsto.

Liderado por pesquisadores da universidade Sun Yat-sen (Taiwan), o trabalho afirma que cerca de 398 milhões de hectares estariam aptos globalmente a abrigar tais iniciativas, dos quais 20% deles concentrados em áreas desmatadas do Brasil.

O número equivale a pouco mais de um terço da estimativa feita em 2019 pelo Instituto Federal de Tecnologia de Zurique, na Suíça, segundo a qual o planeta poderia abrigar 900 milhões de hectares de novas florestas e, por meio delas, capturar 25% do carbono então presente na atmosfera. À ocasião, ficou famoso o cálculo de que o espaço seria suficiente para 1 trilhão de novas árvores.

O plantio maciço de florestas é uma das técnicas para atingir as chamadas “emissões negativas”, ou seja, para o mundo eventualmente sequestrar mais CO2 da atmosfera do que emite. Todos os modelos computacionais que simulam a possibilidade de limitar o aquecimento global a 1,5oC, como preconiza o Acordo de Paris, levam em conta muitas emissões negativas. A indústria fóssil defende o plantio maciço de florestas como uma alternativa ao abandono imediato do petróleo.

O novo estudo começou com a produção de mapas com as taxas globais de sequestro de carbono dos ecossistemas (solo e biomassa) no caso de um potencial reflorestamento. O resultado bruto foi então analisado a partir do cruzamento com uma série de fatores limitantes.

Áreas com reduzida disponibilidade hídrica para sustentar uma floresta, por exemplo, foram excluídas. Savanas e outros campos naturais, onde iniciativas do gênero colocariam em risco a biodiversidade local, também foram excluídas da conta.

O resultado dessa primeira triagem, segundo o estudo, seria capaz de retirar cerca de 40 bilhões de toneladas de carbono até 2050 se integralmente colocado em prática. Mas havia outro grande fator limitante a ser considerado: a política.

Dos 398 milhões de hectares disponíveis globalmente, apenas cerca de 30% (120 milhões de hectares) são passíveis de reflorestamento de acordo com os compromissos atuais dos governos mundo afora.

Se mantido este cenário, segundo os pesquisadores, o potencial de sequestro de carbono com o plantio de árvores despencaria para cerca de 12 bilhões de toneladas em 25 anos.

Os 15 principais países, que representam 70% do potencial global de área, comprometeram apenas 31% do seu potencial estimado”, aponta o estudo, em um trecho.

A maior parcela de áreas sob compromissos de reflorestamento no planeta está no continente africano (50%). Ocorre que, de acordo com os pesquisadores, a maior parte dessas áreas é de savanas.

“A África, com apenas 4% do potencial global de área (16 Mha), assumiu 50% dos compromissos de florestamento (115,5 Mha). Esse potencial limitado de área deve-se principalmente a preocupações com a biodiversidade.”

O Brasil é citado com destaque no estudo pelo grande potencial para o reflorestamento. São ao todo 78 milhões de hectares disponíveis (um quinto da área global), principalmente em regiões recentemente desmatadas da Amazônia.

A ampliação da fronteira agrícola, porém, poderia anular os esforços nessa direção. “Países como Indonésia e Brasil têm potencial para reflorestamento, mas ainda estão perdendo grandes áreas de terras florestais para a agricultura e a produção de commodities”, apontou o estudo.

Entre as conclusões, o estudo destaca que a proteção e o manejo das atuais florestas é tão ou mais importante do que criar novas. E que, muito embora possam efetivamente contribuir para os esforços globais de mitigação, essas iniciativas não substituem a necessidade de uma transição para longe dos combustíveis fósseis.

Implementação difícil

Vice-presidente do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU) de 2015 a 2023, a pesquisadora Thelma Krug, do Inpe, analisou a pedido do OC os dados trazidos pela pesquisa e se disse “totalmente alinhada” às suas conclusões.

Segundo ela, o fim do desmatamento e a proteção e gestão das florestas existentes são muito mais importantes que a criação de novas florestas.

“Novas florestas demoram a crescer e sua contribuição para a mitigação é mais lenta. E a implementação de florestamentos e reflorestamentos bem-sucedidos é desafiadora, apresentando alto custo e difícil execução”, afirmou.

Entre as barreiras à implantação de novas florestas, a pesquisadora citou a alta vulnerabilidade a eventos climáticos extremos, como incêndios florestais, secas ou fortes chuvas.

“Essa vulnerabilidade é agravada pela ausência de ações concretas de redução de emissões fósseis, o que leva a um aumento esperado na intensidade e frequência de secas que, por sua vez, intensificam os incêndios florestais. Ou seja, em termos de contribuições para a mitigação, a descarbonização rápida na indústria e em outros setores é a verdadeira prioridade.”




sábado, 30 de agosto de 2025

NITERÓI SE DESPEDE DE MÁRCIA SILVEIRA

Niterói se despediu hoje da socióloga Márcia Saad Silveira, uma grande personagem da cidade. Era uma pessoa doce, afável, de presença marcante, apesar da atitude mais discreta. Certamente fará muita falta.

Em 1980, fundei o Movimento de Resistência Ecológica - MORE, uma organização ambientalista pioneira no RJ, de uma época que os termos "sustentabilidade" e "ambientalista" ainda não eram sequer utilizados. Naquela época, ainda éramos chamados de ecologistas e o termo sustentabilidade só surgiu anos depois, na preparação para a Rio-92. 

Eu presidi o MORE por muitos anos e contei com a Márcia como diretora em boa parte desse tempo. 

Filha de Roberto Silveira, ex-governador do antigo estado do RJ e irmã do ex-prefeito Jorge Roberto Silveira (eleito anos depois), dentre nós Márcia era a mais experiente em política, portanto nos ajudava como estrategista e grande conselheira. Muitas das nossas reuniões aconteciam na casa da Beth, prima da Márcia, ou mesmo tendo como anfitriã a saudosa dona Ismélia Silveira, mãe da Márcia.

Lutamos contra a poluição da Baía de Guanabara, pelo saneamento de Niterói, contra a poluição das "fábricas de sardinha" de Jurujuba, da Ilha da Conceição e do Barreto. Também defendemos a recuperação das lagoas de Piratininga e Itaipu e pela criação do Parque Estadual da Serra da Tiririca - PESET.

Que a presença da Márcia continue a nos inspirar e a motivar para as boas causas.

Nossos sentimentos ao seu querido esposo Alberto Vianna, à família Saad Silveira e a todos os seus amigos.

Márcia presente!

Axel e Christa Grael 


quarta-feira, 27 de agosto de 2025

Na homenagem a Alfredo Sirkis, o reencontro com ambientalistas e a lembrança de uma trajetória de lutas

Da esquerda para a direita, Axel Grael, Aspásia Camargo, Fernando Gabeira, Gilberto Gil, Guilherme Sirkis, Carlos Minc, Ana Borelli, Anna Sirkis e Lucélia Santos. 

No dia 14 de agosto, a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro - ALERJ entregou a Medalha Tiradentes in memoriam ao grande ambientalista Alfredo Sirkis, falecido em 2020, uma justa homenagem de iniciativa do deputado Carlos Minc.

Além da entrega da medalha aos seus familiares, a ocasião foi uma grande oportunidade de rever amigos e militantes da longa caminhada ambientalista. Estiveram lá o cantor, compositor e ambientalista Gilberto Gil, o jornalista e ex-deputado federal Fernando Gabeira, o também ex-deputado federal e ambientalista advogado Fábio Feldman e nomes como Paulo Bidegain, Alba Simon, Rogério Zouein, Lucélia Santos, Guido Gelli, Aspásia Camargo, Samyra Crespo, Wilson Madeira, Roberto Ainbinder, Chico e Emanuel Alencar  André Trigueiro e tantos outros nomes. Muitos vieram de outras cidades para participar da homenagem.

Nas falas, muitas recordações de lutas, momentos relevantes da história ambientalista e até mesmo episódios engraçados com o Sirkis. 

Sirkis foi uma personalidade marcante da luta pela democracia, da ideologia Verde, da busca da construção de cidades sustentáveis e deixou também o seu legado na literatura, com livros como "Os Carbonários", "Megalópolis", "Descarbonários" e tantos outros. Trabalhei muito junto com Sirkis. Numa articulação dele junto a Leonel Brizola, tive a minha primeira experiência na administração pública, assumindo a presidência do Instituto Estadual de Florestas - IEF-RJ. Depois, trabalhei com ele na Secretaria de Meio Ambiente da Cidade do Rio de Janeiro - SMAC e fui nomeado por ele diretor executivo da Fundação Parques e Jardins. 

Em Niterói, o homenageamos com a criação do Parque Orla de Piratininga Alfredo Sirkis, iniciativa da Prefeitura de Niterói que inclui o maior investimento no país em Soluções Baseadas na Natureza - SBN, com a implantação de técnicas de drenagem sustentável como jardins filtrantes, jardins de chuva etc.

O nosso último encontro foi numa reunião on-line quando ele celebrou com amigos a edição do seu último livro "Descarbonário", dedicado à causa climática, à qual dedicou-se com grande destaque internacional, quando aproximou-se de lideranças globais no tema como Al Gore. Na ocasião, disse a todos: "agora que lancei o livro, vou atravessar a Baía até Niterói e fazer a campanha para a eleição do prefeito Axel Grael". Infelizmente, não deu tempo... Mas, ele teve papel fundamental inspirando os nossos compromissos e projetos para a cidade e na condução da nossa gestão que se notabilizou pelas políticas para a sustentabilidade de Niterói.

Mais uma vez, Sirkis nos uniu e fez luz no caminho de todos nós, reafirmando a necessidade de perseverar e trabalhar cada vez mais na busca da sustentabilidade e do enfrentamento da emergência climática.

Axel Grael


sexta-feira, 8 de agosto de 2025

ClimaInfo: Lobistas da indústria fóssil ameaçam negociações sobre tratado contra poluição plástica


Mais de 230 lobistas bloqueiam esforços para decretar a redução da produção no primeiro tratado global sobre o assunto.

Cerca de 234 lobistas da indústria fóssil estão presentes nas negociações desta semana em Genebra (Suíça) para definição de um tratado global contra a poluição por plástico. Se fossem uma delegação, eles formariam a maior na reunião organizada pela ONU, superando em número a junção de todas as delegações dos 27 estados-membros da União Europeia.

A análise do Centro de Direito Ambiental Internacional (CIEL) também revelou outros 19 lobistas integrantes das delegações do Egito, Cazaquistão, China, Irã, Chile e República Dominicana. Diferente de ONGs e sociedade civil, eles têm espaço formal nas mesas de discussão, destaca o Nexo.

A ExxonMobil, por exemplo, tem cinco representantes no evento. A empresa foi responsável pela produção de 6 milhões de toneladas de plástico em 2021. A Dow, com seis representantes em Genebra, produziu cerca de 5,3 milhões de toneladas no mesmo período.

"Essas pessoas estão aqui para assegurar que o plástico continue sustentando essa indústria. Isso nos dá uma sentença de morte global”, acusa Daniela Duran Gonzalez, membro do CIEL.

Vários petroestados têm rejeitado qualquer restrição sobre a produção de plástico no tratado, informam Guardian, AFP e Exame. Em protesto à influência da indústria fóssil nas negociações, ativistas do Greenpeace criaram uma trilha simbólica de óleo e exibiram faixas enormes na entrada do Palácio das Nações. Eles exigem que a ONU expulse os lobistas das negociações.

A cada ano, 22 milhões de toneladas de resíduos plásticos são despejados no meio ambiente, em especial no oceano, contaminando solos, prejudicando a biodiversidade e penetrando nos tecidos humanos, lembrou a Folha.

Fonte: ClimaInfo




segunda-feira, 28 de julho de 2025

DECISÃO HISTÓRICA: Corte Internacional de Justiça (CIJ) decide que Ação Climática é obrigação dos estados nacionais

Apresentação do Parecer Consultivo da CIJ, em 23 de julho de 2025.Foto CIJ.


Palácio da Paz, Corte Internacional de Justiça, Haia, Holanda. Por Velvet - Obra do próprio, CC BY-SA 4.0

No dia 23 de julho, a Corte Internacional de Justiça - CIJ, mais alto e importante tribunal da ONU, com sede em Haia, na Holanda, apresentou um Parecer Consultivo intitulado "Obligations of States in Respect of Climate Change". O acionamento da Corte foi determinada pela Assembleia Geral da ONU, em 2023. A iniciativa foi provocada por uma campanha de Vanuatu, um país insular no Oceano Pacífico, ameaçado de desaparecer pela elevação do nível do mar, assim como diversas outras ilhas em situação similar. A consulta da Assembleia Geral da ONU à CIJ continha duas perguntas principais: 
  • Quais são as obrigações dos Estados, segundo o direito internacional, para proteger o clima das emissões de gases de efeito estufa? 
  • Quais são as consequências legais para os países que, ao poluir, prejudicam o sistema climático global?
O documento histórico, reconheceu "a ameaça urgente e existencial representada pelas mudanças climáticas" e estabeleceu que os acordos internacionais sobre mudanças climáticas são "obrigações vinculativas". Portanto, a decisão obriga juridicamente os estados nacionais signatários dos tratados e convenções e suas deliberações a cumprir os seus compromissos. A CIJ cita como exemplos de acordos internacionais que estabelecem essas obrigações os seguintes: Acordo de Paris, Protocolo de Quioto, Convenção do Mar, Protocolo de Montreal e Convenção da Biodiversidade.

CONSEQUÊNCIAS PARA A AGENDA CLIMÁTICA

Estamos às vésperas da COP30, que será o trigésimo encontro dos países signatários da Convenção Quadro das Nações Unidas Sobre Mudanças Climáticas - UNFCCC. Nos acostumamos a ver os países assumirem compromissos - que depois não são cumpridos - para o controle de emissões de Gases de Efeito Estufa, para a transição energética para longe do carbono e financiamento climático para viabilizar as efetivas ações. 

Por exemplo, dos 198 países signatários da Convenção do Clima (UNFCCC), 195 assinaram e ratificaram o Acordo de Paris (vide site da UNFCCC), que estabeleceu que os países deveriam apresentar as suas Contribuições Nacionalmente Determinadas - NDCs, que são os compromissos de ação climática assumidos voluntariamente por cada país. A qualidade e a ambição das NDCs são muito desiguais, mas NENHUMA nação cumpriu integralmente o que prometeu. Um outro exemplo são as metas de financiamento climático que foram discutidas inúmeras vezes, mas alcançaram uma implementação muito abaixo do esperado.

Como diz o texto "Clima: questão de Justiça" (site Política por Inteiro, do Instituto Talanoa), "o direito internacional não tem dentes", pois o limite da justiça internacional é a soberania dos estados nacionais. Por isso, sempre pairou uma dúvida, se os acordos geravam uma obrigação de cumprimento, o que agora está esclarecido pela CIJ. Não existe na governança global uma instância com poder de coerção e sanção capaz de policiar a execução dos compromissos sobre os países, mas a decisão estabelece uma forte narrativa para que países, representações de populações afetadas e a sociedade civil através de organizações climáticas, ambientais e de direitos humanos, possam ajuizar ações nos seus próprios países ou mesmo em outros países. Os Estados que não cumprirem as suas promessas poderão ser responsabilizados. Na questão climática, o direito internacional passou a ter dentes!

Conforme afirma o texto do Instituto Talanoa, "O peso da declaração do CIJ pode repercutir no pagamento de reparações por dano climático e na própria mudança de comportamento de países e suas instituições quanto ao descumprimento de tratados pelo clima. A Opinião da Corte abre um caminho (esperamos que sem volta) para que o sistema global de justiça consiga ser capaz de moldar condutas a favor do clima, pelos atuais 198 Estados no Sistema ONU".

IMPACTO SOBRE A COP30 

Não são poucos os desafios da COP30, a ser realizada em Belém, em novembro, considerando a conjuntura política global muito desfavorável. A sabotagem do governo negacionista de Trump, as guerras que provocam o crescimento dos gastos com armamentos, a posição hesitante das nações em cumprir o principal objetivo da COP30 (atualização das NDCs). Apenas 25 países apresentaram as novas NDCs até agora! Temos acompanhado o grande esforço da presidência da COP30, que conta com o presidente designado embaixador André Corrêa do Lago e a diretora-executiva Ana Toni, em cobrar uma maior ambição dos países em Belém, pautando o tema da "Implementação" como o grande mote da Conferência.

Sem dúvida, a decisão da CIJ, às vésperas da COP30, ajuda a pressionar os chefes de estado, delegados e negociadores a sair do imobilismo que nos encontramos há três décadas e ajuda a contrapor as atuais dificuldades conjunturais. Temos uma grande chance de fortalecer o multilateralismo, tão atacado ultimamente.

Que venham, enfim, as ações práticas para enfrentar a crise climática.

Axel Grael
Prefeito de Niterói (2021-2024)
Doutorando PPGAU/UFF


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Para mais informações, consulte:

Advisory Opinion CIJ: OBLIGATIONS OF STATES IN RESPECT OF CLIMATE CHANGE
Política por Inteiro: Clima: questão de Justiça
CRISE TRUMP-EUROPA: VERBAS DO CLIMA PODERÃO SER REVERTIDAS PARA COMPRA DE ARMAS
COP30: Brasil apresenta plano para financiamento climático
Cenário global traz incerteza para resultado da COP30, dizem especialistas 
PRIORIDADE DE NITERÓI E DE OUTRAS CIDADES EM DRENAGEM PARA ADAPTAÇÃO ÀS MUDANÇAS CLIMÁTICAS 
Como as cidades podem se preparar para a emergência climática? Um guia para prefeitas e prefeitos




sexta-feira, 18 de julho de 2025

A Geração Z não se interessa por automóveis: prenúncio de um futuro sem carros?

O artigo abaixo, da The Week, aborda um interessante tema: diferentes das gerações anteriores (os "millenials" compraram mais carros do que as demais faixas etárias nos EUA), a Geração Z perdeu o fetiche do automóvel. 

Essa tendência da Geração Z começa a aparecer também nas cidades brasileiras. Mas a mudança é ainda mais surpreendente nos EUA, país que possui quase 5.000 km de estradas (3.000 milhas), que sempre foi a sociedade mais rodoviarista, teve as suas cidades planejadas para o automóvel e, em geral, são muito deficientes em transporte público. 

Desde a década de 1990, o percentual de adolescentes (a idade para dirigir é 16 anos) dirigindo cai a cada ano. Segundo a autora, o motivo é que os jovens consideram os carros perigosos, caros e não sustentáveis. Carros são responsáveis pela emissão de 1,5 bilhão de toneladas de Gases do Efeito Estufa - GEE, o que corresponde a 20% de todas as emissões dos EUA. A Geração Z é muito mais consciente ambientalmente do que as gerações anteriores e a preocupação com a poluição afasta o apelo do automóvel.

Já imaginou como será a cidade sem carros ou com pouco carros? Os jovens estão cobrando cidades mais caminháveis (90% dos Gerações Z afirmaram que pagariam mais caro para morar em cidades mais caminháveis) e a atitude da nova geração está forçando também os planejadores urbanos nos EUA a providenciar melhor transporte público. 

É o que o texto abaixo discute.

Axel Grael


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They think cars are dangerous, expensive and bad for the planet
(Image credit: Illustration by Julia Wytrazek / Getty Images)


Gen Z doesn't want cars

Olivia Rodrigo may have been excited to get her driver's license, but many young people are less enthused by car culture

By Anya Jaremko-Greenwold, The Week US
published July 16, 2024

Driving has been an essential part of American culture since cars were invented. It makes sense: Our country is 3,000 miles wide, and a car is needed to traverse it. Longing for freedom, teens squirreled away their pennies to afford their first vehicle; spirit-questing twenty-somethings road-tripped across the country; retired couples saw the sights in weathered RVs. Olivia Rodrigo launched her music career with 2021's "Driver's License," a record-breaking single about the quintessential experience of driving past your crush's house.

But young Americans may be falling out of love with cars. "Polls, studies and surveys show younger generations are less likely to drive, less likely to have a driver's license, have less access to vehicles, and when they do get behind the wheel, are driving fewer miles," said Business Insider last year. The percentage of U.S. teen drivers has consistently dropped since the 1990s. In our car-dependent country, with just a handful of cities boasting reliable public transportation, this driving rejection may come as a surprise. But should it?

Why young people don't want to drive

To begin with, driving is dangerous. Fatal crashes are increasing and have become the leading cause of death in the United States for people ages 1 to 54. "From 2018 to 2022, the number of deadly accidents in the United States increased by more than 16%," said USA Today. The risk is particularly pronounced for anyone who is not an average-sized male: "Car safety features like seat belts, airbags and dashboards were created to best fit the size of an average man in the 1970s," said The Nation, citing reporting from The New York Times.

Cars are also very expensive when you add up the necessary costs to buy, maintain and fuel them. Auto insurance rates have gone up and gas prices are often high. "For a generation already burdened with debt, the bus or ride-sharing might seem like a better option," said Kafui Attoh, a professor at the City University of New York School of Labor and Urban Studies, to The Nation.

Gen Z is more environmentally conscious than generations past, and many don't want to exacerbate the climate crisis by driving. "Highway vehicles release about 1.5 billion tons of greenhouse gases into the atmosphere each year," said the U.S. Department of Energy. "Cars and trucks contribute to nearly 20 percent of all greenhouse gas emissions in the United States," added The Nation. "For many young people, the desire for a healthy planet and future can outweigh the appeal of an automobile."

Walkable cities and public transit

Young people seem to crave more good-for-the-planet transportation methods. Electric vehicles, or EVs, may be a common alternative; in a 2023 McKinsey survey, half of European Gen Z consumers said their next vehicle purchase would be an EV. However, this solution might not be enough. "Electric vehicles do not seem to be the catch-all climate solution they are often touted as, with the lithium required for their operation creating a demand for increased mining in already vulnerable environments," said The Nation.

Many Gen Zers have also lamented America's lack of walkable cities. According to a 2023 survey by the National Association of Realtors, younger U.S. homebuyers "prioritize walkability the most, with 90% of Gen Z and millennial respondents indicating they'd pay more for a home in a walkable community," said an article in Realtor Magazine with details of the survey.

Young people tend to make use of public transit when it's available, but policy shifts are needed to expand these options. "Reducing the need for car travel is better for health, the environment and public safety," said an opinion piece in Scientific American. Cities could "invest in better public transit, including subways and buses with dependable, on-time service" as well as "change zoning laws to allow denser housing … so people can live closer to where they work, attend school or socialize."

Most Americans are still buying cars for now. They are just waiting until later than previous generations to do it. "In 2020, millennials bought more cars than any other demographic in the U.S.," said Business Insider. A potential explanation: Driven out of cities by high rent prices, millennials are moving to sprawling suburbs, where cars are imperative. Daniel Knowles, the author of "Carmageddon: How Cars Make Life Worse and What To Do About It," put it simply: "The turn away from cars is a little like the turn away from marriage and having children. People are waiting much longer to do it, but they are ultimately still doing it."

Fonte: The Week


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domingo, 6 de julho de 2025

Negacionistas minimizam impacto da crise climática em tragédia no Rio Grande do Sul

SÉRIE "TEXTOS SELECIONADOS SOBRE NEGACIONISMO CLIMÁTICO


Postagens investem em teorias conspiratórias para justificar desastre ambiental no Sul; ONU, projeto de pesquisa Haarp e até cantora Madonna são citados como ‘culpados’ pelas enchentes

Por Gabriel Belic e Giovana Frioli
09/05/2024

Perfis negacionistas nas redes sociais têm compartilhado diferentes teorias conspiratórias para rejeitar os efeitos das mudanças climáticas na tragédia ambiental no Rio Grande do Sul. Postagens falsas creditam a catástrofe à Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), ao programa Haarp e até mesmo a um suposto ritual da cantora Madonna.

As postagens investem na teoria de que as mudanças climáticas e o aquecimento global são uma “farsa”. Mas, ao contrário do que defendem os negacionistas, especialistas no assunto e estudos realizados pela empresa de meteorologia MetSul confirmam a relação de alguns dos eventos extremos recentes com o aquecimento do planeta.

Como explicou o Estadão, o Rio Grande do Sul é localizado em uma região de encontro entre sistemas polares e tropicais, ou seja, entre ar quente e frio. Isso faz com que o Estado tenha particularidades que facilitam a ocorrência de fenômenos climáticos. No entanto, especialistas indicam que o El Niño e as mudanças climáticas, provocadas pelo aquecimento global, potencializam o problema.

Dados históricos conseguem demonstrar o agravamento dos efeitos das mudanças climáticas em Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul. Cálculos do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) mostram como o número de dias com extremos de precipitação (acima de 50 milímetros) aumentaram na cidade a cada década desde 1961. Veja o gráfico feito pelo Estadão com os extremos de precipitação em Porto Alegre.

Em entrevista ao Estadão, o professor do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Rodrigo Paiva ressaltou que existe um consenso na comunidade científica internacional sobre a interferência do aquecimento do planeta no aceleramento do ciclo hidrológico. É por esse motivo que existem chuvas mais intensas em alguns lugares e secas maiores em outros.

O professor Paulo Artaxo, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) e membro do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, afirmou ao Estadão que é possível creditar a tragédia no Rio Grande do Sul ao agravamento da crise climática. O especialista entende que os fenômenos climáticos extremos ficarão cada vez mais intensos, frequentes e imprevisíveis.

Um exemplo de mensagem negacionista foi recebida pelo Estadão Verifica no WhatsApp. De acordo com a postagem, a inundação de Porto Alegre em 1941 foi maior que a enchente deste mês de maio, o que desbancaria narrativas sobre mudanças climáticas. Porém, essa afirmação não é correta. Na noite de sexta, 3, a cheia do Guaíba, na capital gaúcha, alcançou um nível histórico de 5,08 metros, ultrapassando o recorde anterior de 4,76 metros registrado na década de 1940.

Ainda na sexta-feira, 3, o Guaíba já havia ultrapassado a cota de inundação em Porto Alegre. Foto: MIGUEL NORONHA


Teorias conspiratórias disseminadas não têm relação com tragédia no RS, nem provam que o aquecimento global é uma ‘farsa’

Uma das teorias conspiratórias mais disseminadas no X para justificar o desastre ambiental no Sul do País é sobre o projeto Haarp, sigla para “High-frequency Active Auroral Research Program” (Programa de Pesquisa Ativa de Alta Frequência de Auroras, em português). O sistema foi criado nos anos 1990 pela Universidade de Alaska Fairbanks, com objetivo de estudar ondas na ionosfera, uma camada da atmosfera. Como mostrou o Projeto Comprova, os cientistas que participam do projeto negam que o sistema tenha qualquer interferência no clima.

Outras postagens investem em conspirações sobre a Agenda 2030 da ONU e a Nova Ordem Mundial. As teorias conspiratórias sobre esses assuntos geralmente são compartilhadas juntamente a menções ao Fórum Econômico Mundial e nomes como Bill Gates e George Soros. Essas peças desinformativas insistem que existe um movimento para implantar um “governo global e totalitário”, que estaria controlando o clima.

Como o Estadão Verifica já explicou, a Agenda 2030 é um conjunto de 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) lançados em 2015 pelas Organização das Nações Unidas (ONU), após décadas de debate. Os objetivos definem os temas humanitários que devem servir como prioridade nas políticas públicas internacionais até 2030. Entre eles, estão o combate à pobreza e desigualdade socioeconômica, a promoção de uma sociedade mais saudável e a gestão adequada dos recursos naturais.

Uma postagem no X com mais de 372,9 mil visualizações na rede social apontou ainda que o show da cantora Madonna, no sábado, 4, “foi parte de um ritual ocultista realizado em meio à calamidade climática planejada que assola o Rio Grande do Sul”. O fio que conspira sobre a apresentação da cantora não esclarece, no entanto, que o evento no Brasil havia sido anunciado em março. A apresentação faz parte de uma turnê que começou em outubro de 2023, em Londres, e contou com 81 shows. O espetáculo em Copacabana seguiu o mesmo roteiro que as outras perfomances de Madonna na turnê. Ou seja: nenhuma relação com o Rio Grande do Sul.

Fonte: Estadão


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TEXTOS SELECIONADOS "NEGACIONISMO CLIMÁTICO"

Negacionistas minimizam impacto da crise climática em tragédia no Rio Grande do SulMudanças climáticas e aquecimento global ainda são desconhecidas por 34% dos brasileiros - DataFolhaBrasil e ONU lançam Iniciativa Global contra Desinformação Climática - ONU



Pesquisa analisa como pensam os brasileiros sobre as mudanças climáticas

SÉRIE "TEXTOS SELECIONADOS SOBRE NEGACIONISMO CLIMÁTICO"



Os resultados revelam que embora a maioria absoluta da sociedade brasileira acredite que a mudança do clima existe e é causada por humanos, a severidade de seus efeitos não é consenso


Um estudo da Escola de Relações Internacionais (FGV RI) aponta como pensam os brasileiros sobre as mudanças climáticas. Entre os resultados, nota-se que na sociedade brasileira há forte consenso em relação às crenças segundo as quais a mudança do clima existe e é causada por humanos; no entanto, a população encontra-se polarizada a respeito da crença na severidade da crise climática: quase metade dos entrevistados expressa ceticismo em relação a isso (44%). Esses indivíduos duvidam que a mudança do clima tenha efeito negativo intenso sobre a sua vida.

Os autores do estudo, Matias Spektor, professor titular da FGV RI; Guilherme Fasolin, doutorando da Universidade de Vanderbilt (Estados Unidos) e pesquisador associado à FGV RI; e Juliana Camargo, professora agregada da FGV RI, apresentam abaixo as principais conclusões sobre o Brasil: O fator que mais determina a adesão da população às três crenças é o consenso científico. A percepção de que os cientistas possuem um diagnóstico comum sobre a mudança do clima é o que mais influencia a população a acreditar.
  • O principal fator por trás da descrença na mudança do clima (ceticismo climático) é o grau de individualismo dos cidadãos. Quanto mais individualista, mais descrente é o brasileiro. Individualismo é um perfil psicológico marcado pela busca da autonomia pessoal e pela desconfiança em relação a soluções coletivas para os problemas sociais.
  • A pesquisa ainda mostra que o ceticismo climático ocorre tanto à direita quanto à esquerda do espectro político. Isso é diferente do que ocorre nos Estados Unidos e na Europa, onde a descrença está concentrada em cidadãos de direita.
  • O ceticismo a respeito da severidade da crise climática é mais disseminado no Brasil do que em países vizinhos, como Argentina, Chile, Colômbia, Equador, México e Peru.
 
Implicações do Estudo para o Brasil

A pesquisa tem implicações para autoridades públicas, agentes do setor privado e para ativistas da sociedade civil organizada porque as três crenças definem em grande medida o comportamento político dos cidadãos.

Embora a maioria absoluta da sociedade brasileira acredite que a mudança do clima existe e é causada por humanos, a severidade de seus efeitos não é consenso. Isso, por sua vez, abre amplo espaço na opinião pública brasileira para o negacionismo.

O negacionismo climático no Brasil possui campo fértil não apenas à direita do espectro político, mas também à esquerda. Um resultado positivo do estudo, no entanto, é que tanto cidadãos de direita quanto de esquerda podem apoiar políticas pró-clima, o que não ocorre em outros países do mundo. Os alvos mais fáceis do negacionismo climático são os cidadãos mais individualistas, ou seja, aqueles que duvidam de soluções coletivas para problemas sociais, suspeitam que o estado não resolverá seus problemas e tendem a contar apenas consigo mesmos. Isso é preocupante numa sociedade com níveis baixos de confiança interpessoal e nas instituições públicas.

Para comunicar mensagens pró-clima aos cidadãos mais céticos é preciso ressaltar o papel do mercado e da iniciativa privada na busca de soluções para a crise climática. Para que essa mensagem seja crível, também é preciso dar voz a fontes de informação pró-clima que possuam autoridade moral junto a essa fatia da população, tais como empresários, ruralistas e operadores do mercado financeiro.

Metodologia

A pesquisa foi realizada por coleta de dados através da metodologia de survey em sete países responsáveis por 80% das emissões de CO2 da América Latina (Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, México e Peru). A amostra incluiu 5.038 respondentes de amostras nacionalmente diversas.

Para ler a pesquisa na integra, clique aqui.

Fonte: Portal FGV


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NEGACIONISMO CLIMÁTICO NO BRASIL

SÉRIE "TEXTOS SELECIONADOS SOBRE NEGACIONISMO CLIMÁTICO"



Imagem: Renato Trivella

No ano de 2012, o programa Jô Soares, exibido pela Rede Globo de televisão, produziu uma entrevista com o professor Ricardo Felício da Universidade de São Paulo (USP), que teve como tema o aquecimento global, ou melhor, nas palavras do entrevistado: “a farsa do aquecimento global”. Naquela entrevista, o então anônimo professor argumentou que “o aquecimento global é apenas uma hipótese” e que o “efeito estufa é a maior falácia da história”. Em seguida, declarou que “a floresta amazônica nada influencia no clima da Terra, e que se fosse completamente desmatada, a floresta se reconstituiria em 20 anos”. Aquele era o momento em que o negacionismo climático ganhava sua primeira grande aparição na mídia no Brasil, em um contexto político muito oportuno: às vésperas do final do prazo para o veto presidencial do novo Código Florestal, que concedeu o perdão para os produtores rurais que desmataram áreas de preservação e reservas legais até o ano 2008.

Três anos antes da entrevista de Felício a Jô Soares, o professor Luiz Carlos Baldicero Molion, da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) comparecera a uma audiência pública da Câmara dos Deputados Federais, a convite de membros da bancada ruralista, para discutir a relação entre o desmatamento e as mudanças climáticas. Com o objetivo de sustentar a proposta ruralista de reformulação do Código Florestal, Molion argumentara que havia um entendimento errado da relação entre o problema do desmatamento e as emissões de CO2 (gás carbônico) como causa das mudanças climáticas. Segundo ele: “o CO2 não controla o clima global; podem colocar quanto CO2 quiserem na atmosfera, que será benéfico”. Além disso, segundo Molion, há um entendimento errado da relação entre o problema do desmatamento e as emissões de CO2 como causa das mudanças climáticas. “Devemos evitar o desmatamento por conta da manutenção da biodiversidade, pois o CO2 não é o vilão, nem o poluente que mostram pela televisão”, argumentara o professor. Tais argumentos lançavam suspeitas aos fatos científicos sustentados por 99% da comunidade científica mundial representada pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças do Clima (IPCC), plataforma da Organização das Nações Unidas (ONU), que fornece aos formuladores de políticas avaliações científicas regulares sobre as mudanças climáticas.

​Munidos dos argumentos negacionistas, deputados a favor da causa ruralista sustentaram que existia algum tipo de conspiração por trás do regime internacional de mudanças climáticas e do ativismo ambientalista relacionado. Para o deputado federal Aldo Rebelo (relator da comissão especial que discutia a alteração do Código Florestal no ano de 2009, na época, do PCdoB), o argumento negacionista deixava claro que havia em torno da questão climática levantada nas discussões sobre o Código Florestal brasileiro uma “ideologia distinta das questões ecológicas e científicas”, mais especificamente: “a ideologia imperialista norte-americana”, representada pelas ONGs e organismos internacionais, que visava “conter o avanço do setor agropecuário no Brasil”. Para Rebelo, seria “uma perda de tempo o encontro em Copenhague” (se referindo à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas realizada naquele ano em Copenhague), pois esse encontro se referia às “pressões exercidas pelos países desenvolvidos sobre as responsabilidades ambientais dos países emergentes”. Comungando dessa visão conspiratória, o deputado federal Moreira Mendes (um dos líderes ruralistas mais ativos no processo do Código Florestal na Câmara) afirmou que existia uma forma de “colonialismo ambiental” em curso, que tornava a questão ambiental uma “nova maneira de subjugar os países em desenvolvimento”. A utilidade do negacionismo climático para os ruralistas naquele debate era evidente. Apresentava-se uma outra “opinião” sobre o assunto, supostamente advinda da ciência, que introduzia suspeitas, dando a entender que havia “um outro lado da história” que estava sendo omitido e, com isso, tentava-se afastar a questão das mudanças climáticas do debate sobre o Código Florestal.

Apesar da visibilidade obtida na TV e da utilidade do negacionismo climático como suporte para a posição ruralista nos embates parlamentares, aquele ainda não seria o grande momento do negacionismo climático no Brasil. Durante os governos Lula (2003-2010) as questões ambientais se tornaram parte importante da agenda de política externa, e a ciência e a política climática tiveram seu maior desenvolvimento. Lula sancionou a lei nacional de mudanças climáticas e, na Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas em Copenhague (COP 15), adotou uma posição ousada ao estabelecer metas voluntárias de redução de carbono, comprometendo o Brasil a reduzir as emissões de gases do efeito estufa de 36,1% a 38,9% até 2020. Na área da ciência climática, foram estruturadas importantes redes de pesquisas científicas nacionais como a Rede Brasileira de Pesquisas sobre Mudanças Climáticas Globais (Rede Clima) e o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Mudanças Climáticas (INCT-MC), que se tornaram redes abrangentes de pesquisas interdisciplinares em mudanças climáticas embasadas na cooperação de 90 grupos de pesquisa de 108 instituições e universidades brasileiras e 18 estrangeiras, que produziram estudos científicos que deram suporte à política climática nacional e à posição geopolítica do governo nas arenas internacionais. Assim, a estruturação político-científica das mudanças climáticas produziu um regime no qual o negacionismo climático se tornaria residual na ciência e na política ambiental brasileira naquele período.

​Entretanto, uma década depois, os ventos mudariam de direção. No ano de 2019, logo após a posse do presidente Jair Bolsonaro, Ricardo Felício e Luiz Molion reapareceram na cena pública. Junto a 20 professores de universidades brasileiras, eles publicaram em um site chamado “notícias agrícolas”, e endereçaram ao ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, uma carta aberta em que reivindicaram uma “agenda climática baseada em evidências e nos interesses reais da sociedade”. Para os autores, as questões climáticas continuavam sendo "pautadas, predominantemente, por equivocadas e restritas motivações ideológicas, políticas, econômicas e acadêmicas” e que “não há evidências científicas da influência humana no clima global”. Deixando de lado a discussão climatológica, os autores adotaram na carta um tom predominantemente político, argumentando que a proposta de “economia de baixo carbono” é “uma pseudo-solução para um problema inexistente”.

​A carta dos negacionistas parece ter chegado ao endereço certo. Ricardo Salles, um dos Fundadores do Movimento Endireita Brasil (MEB) e ex-secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo (cargo no qual tornou-se alvo de ação movida pelo Ministério Público de São Paulo sob a acusação de alterar ilegalmente o plano de manejo da várzea do rio Tietê, com a intenção de beneficiar interesses privados), foi escolhido por Bolsonaro para ocupar a pasta do Meio Ambiente com a finalidade de “agilizar” os processos de licenciamento ambiental e tratar das questões ambientais “sem viés ideológico”. Em relação ao tema das mudanças climáticas, Salles adotou como primeiras ações administrativas fechar a Secretaria de Mudanças Climáticas e Florestas e, em decisão conjunta com o Itamaraty, desistir de sediar no Brasil a COP25 em 2019. Questionado por repórteres a respeito de sua posição, Salles declarou que as mudanças climáticas antropogênicas permanecem “um assunto acadêmico controverso” e que há “muito alarmismo sobre o assunto”.

​Após a publicação da carta negacionista, Molion e Felício foram convidados a comparecer à audiência realizada pela comissão de Relações Exteriores e de Meio Ambiente do Senado em maio de 2019. A comissão teve como objetivo discutir a importância do tema das mudanças climáticas para a agenda política nacional e internacional, indicando que, após décadas de aprovação de políticas, leis e acordos internacionais sobre mudanças climáticas, poder-se-ia voltar atrás nos compromissos firmados pelo Estado. Além dos negacionistas, a comissão convidou para uma sessão paralela os cientistas membros do IPCC: Paulo Artaxo, Carlos Nobre, Mercedes Bustamante e o astrofísico Luiz Gylvan Meira Filho. Em uma longa sessão de exposição de estudos, eles corroboraram a validade das informações científicas sobre as mudanças climáticas e alertaram a respeito dos riscos do aquecimento atmosférico para a sociedade brasileira. Na ocasião, o meteorologista Carlos Nobre, surpreso por ter que defender a validade científica das mudanças climáticas após cinco relatórios do IPCC e do amplo consenso alcançado pela comunidade científica internacional a respeito do tema, declarou que: “nós estamos vivendo um momento que nós cientistas não previmos – nem mesmo os cientistas sociais – que no século XXI estaríamos vendo um movimento mundial anti-ciência, anti-intelectualismo”.

​A preocupação apresentada por Carlos Nobre com o fenômeno atual de desvalorização da ciência diz respeito a uma condição que tem sido chamada de “pós-verdade”. Trata-se de situações nas quais os fatos objetivos têm menos influência que os apelos às emoções e às crenças pessoais. A negação da ciência e dos fatos objetivos não é fenômeno novo. Contudo, na era digital, as conclusões baseadas em evidências parecem ser cada vez mais ameaçadas por crenças baseadas em emoções e experiências pessoais compartilhadas, o que configura uma nova situação. Nesse contexto, redes anticientíficas como, por exemplo, as de antivacina e terraplanismo, estão em ascensão na internet, formando grupos numerosos, organizados para defender teorias que questionam fatos há muito tempo consolidados (para não dizer evidentes) como o fato de que as vacinas combatem doenças e de que a Terra é redonda. Da mesma forma, o negacionismo climático tem se disseminado pela internet. Entrevistas com Ricardo Felício realizadas em 2019 somam milhões de visualizações no YouTube, o que indica um estágio avançado de compartilhamento dos argumentos negacionistas. O negacionismo se propagou, principalmente, por meio de apoiadores do governo Bolsonaro, dentre eles, o próprio Ricardo Felício, que foi candidato a deputado federal pelo PSL em 2018.

​É notório que, com a ascensão de Bolsonaro à presidência e na eclosão de tudo aquilo que esse fenômeno representa em termos políticos e ideológicos, o negacionismo climático foi acolhido em uma cosmovisão que lhe conferiu plausibilidade, e acabou por torná-lo parte do discurso e da política oficial do governo sobre temas do meio ambiente. Dentre os ideólogos do governo, Olavo de Carvalho teve grande influência sobre a formação do pensamento que norteia as ações de quadros importantes da atual gestão. Destaca-se que os ministros Ernesto Araújo, Relações Exteriores, e o ex-ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, foram indicados ao presidente por Carvalho. O atual ministro da Educação Eduardo Weintraub e Felipe Martins, um dos conselheiros mais próximos do presidente, declaram-se publicamente “olavistas”; assim como os filhos de Bolsonaro, o deputado federal Eduardo Bolsonaro e o vereador do Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro. Uma das teses de Olavo de Carvalho é a de que as universidades brasileiras têm sido dominadas por décadas pelo “pensamento da esquerda”, também a grande mídia, que propaga o que ele chama de “marxismo cultural”, a saber, um projeto da “esquerda globalista” dedicado ao empreendimento de destruir a cultura ocidental capitalista e cristã. A “conspiração globalista da esquerda” visa, segundo Carvalho, submeter os povos a um único governo mundial através da ONU e demais órgãos internacionais.

​Para Olavo de Carvalho e seus discípulos, o aquecimento global é um “truque para implementar um governo global”. Para tanto, a “fraude científica se tornou o meio, uma tática da esquerda para produzir o alarmismo”. Portanto, nesse imaginário conspiratório, o negacionismo climático se associa à luta contra o “comunismo internacional” e seu projeto de “dominação ambiental contra a civilização cristã”. Tais ideias não são produto somente da imaginação de Olavo de Carvalho, pois contam com um número de livros e publicações que têm sido divulgados entre bolsonaristas como, por exemplo, o livro de Pascal Bernardin, “O Império Ecológico”, e o livro de Dom Bertrand Oliveira e Bragança, “Psicose Ambientalista”, este último, citado por Bolsonaro na reunião do G20 em 2019. Compartilhando dessa visão, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, denominou “climatismo” essa conspiração global, argumentando que:

O ‘climatismo’ (sic) juntou alguns dados que sugeriam uma correlação do aumento de temperaturas com o aumento da concentração de CO2 na atmosfera, ignorou dados que sugeriam o contrário, e criou um dogma “científico” que ninguém mais pode contestar sob pena de ser excomungado da boa sociedade. Esse dogma vem servindo para justificar o aumento do poder regulador dos Estados sobre a economia e o poder das instituições internacionais sobre os Estados nacionais e suas populações, bem como para sufocar o crescimento econômico nos países capitalistas democráticos e favorecer o crescimento da China.

Não há nenhuma originalidade por parte do ministro e demais “olavistas” na associação entre “aquecimento global e conspiração marxista”. Em sua genealogia do negacionismo climático norte-americano, os cientistas e escritores Naomi Oreskes e Erik Conway indicaram que a ação de think tanks[1] associados à ala conservadora do Partido Republicano, junto a alguns grupos da mídia, construíram já na década de 1990 uma contra narrativa às mudanças climáticas que defendia valores considerados pelos conservadores como sendo legitimamente americanos: a defesa do livre mercado, o combate ao comunismo e o direito de opinião em assuntos públicos. Em Merchants of Doubt, estes pesquisadores argumentam que a estratégia dos negacionistas junto a mídia visava confundir “equilíbrio” com “objetividade” ao exigir que “todas as partes interessadas numa determinada questão devem ter igual voz na cobertura dos fatos”. Para os autores, esse “balanço” das informações dos “dois lados” é falacioso porque não reflete o modo como a ciência trabalha, pois “uma vez que uma questão científica é fechada, só existe um lado”. Eles concluem que a conivência da mídia com o negacionismo climático tornou fácil ao governo americano decidir por “não fazer nada” em relação ao aquecimento global.

​De acordo com Myanna Lahsen, antropóloga e pesquisadora no Centro de Ciência do Sistema Terrestre do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), a difusão das teorias da conspiração no debate sobre as mudanças climáticas induzidas pelo homem tem um longo histórico. Particularmente, nos Estados Unidos, há uma certa facilidade de reivindicações não confirmadas e sugestões de conspiração serem disseminadas entre o público que não simpatiza com a ideia do aquecimento global e suas implicações políticas por conta da ação dos think tanks conservadores junto a mídia. Adam Hodges, linguista e professor da Universidade do Colorado, ressalta que as decisões do governo Trump de negar compromissos com a política climática são sustentadas por redes negacionistas cujo discurso é paranoico e de cunho conspiratório e de grande aceitação pelo público conservador. Para o autor, o impacto final que o estilo paranoico tem sobre a política americana “gera uma forma de pós-verdade cínica que pode efetivamente interromper o debate sobre questões legítimas, movendo o discurso para o reino da fantasia ideologicamente distorcida".

​Notoriamente, os negacionistas climáticos brasileiros do governo Bolsonaro importaram suas narrativas de trabalhos e conferências realizadas por think tanks conservadores norte-americanos. Em julho de 2019, o Itamaraty enviou um diplomata para participar de uma conferência com negacionistas do clima realizada pelo think tank “The Heartland Institute” em Washington. Após a reunião, circulou no Itamaraty um telegrama que reportava os principais pontos abordados na reunião. Em um trecho do telegrama, o diplomata resume o que acredita ser o real motivo dos alertas feitos no mundo sobre as mudanças climáticas: "[...] eles estão colocando em risco nosso modo de vida. O debate não é sobre mudança do clima, nem sobre dióxido de carbono. Não é sobre clima, nem ciência. É sobre socialismo contra capitalismo [...]". Em setembro de 2019, o ministro Ricardo Salles, reuniu-se nos Estados Unidos com grupo negacionista do clima do Competitive Enterprise Institute (CEI), meses antes da COP25.

​O fato de que think tanks conservadores norte-americanos fazem parte das redes de informação do governo pode ter tido influência direta na postura adotada pelo Brasil na COP25. Na reunião realizada em dezembro de 2019 na Espanha, a comissão brasileira compareceu em pequeno número, acanhada e sem proposta clara. Diferente das outras reuniões, o Brasil posicionou-se junto a países como os Estados Unidos, Austrália e Arábia Saudita na tentativa de obstruir as negociações. Com essa decisão, a comissão brasileira negou-se a dar continuidade a sua posição de liderança dos países emergentes e de exigir metas ousadas de redução de emissões CO2 dos países desenvolvidos. Esse realinhamento geopolítico demonstra que o governo brasileiro optou por adotar a trajetória dos maiores emissores de carbono, seguindo os passos de Donald Trump. Após a reunião, em uma atitude de escárnio ao que havia sido discutido na conferência, o ministro Ricardo Salles postou em suas redes sociais uma foto de um farto prato de carne bovina com a legenda: “para compensar nossas negociações na COP, um almoço veggie!”.

​Verifica-se, portanto, que o negacionismo climático se tornou uma política do governo Bolsonaro. Para que isso acontecesse, as autoridades do atual governo ignoraram a ciência e atacaram membros da comunidade científica, como é o caso dos ataques dirigidos ao ex-diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), Ricardo Galvão. Após o INPE divulgar os dados de aumento das queimadas na Amazônia, Bolsonaro chamou Galvão de “mentiroso” e alegou que o diretor deveria estar “a serviço de alguma ONG”. Esse episódio, foi seguido de um debate entre Ricardo Salles e Ricardo Galvão na rede de televisão Globo News em agosto de 2019. Na ocasião, Galvão afirmou que o governo não consultou em nenhum momento a ciência brasileira em assuntos que dizem respeito à Amazônia. Ricardo Salles retrucou dizendo: “o problema é quando a ideologia está disfarçada dentro da ciência”, endossando a acusação feita por Bolsonaro. Em entrevista posterior, Ricardo Galvão relatou que após o debate com Salles em frente às câmeras, conversou com o ministro nos bastidores, e se desapontou ainda mais ao ouvir do ministro que “ele não acreditava na ciência brasileira porque a ciência brasileira estava toda aparelhada pela esquerda contra os americanos”. As infundadas acusações do presidente e do ministro repercutiram internacionalmente, expondo o quanto o governo Bolsonaro ignora a legitimidade da ciência brasileira no mundo. Em dezembro, a prestigiada revista Nature abriu sua lista dos dez cientistas que fizeram a diferença em 2019 com a foto de Ricardo Galvão, o chamando de “herói” que desafiou o governo em defesa da Amazônia.

​Diante do que foi apresentado até aqui, podemos refletir a respeito das razões para se negar as mudanças climáticas. Em um primeiro momento, compreendemos que o negacionismo climático serve como um artifício retórico para aqueles que têm como objetivo a desregulamentação das leis ambientais e o não compromisso com acordos internacionais, como foi ilustrado pelo caso dos ruralistas na tramitação do novo Código Florestal brasileiro e no fraco comprometimento do Brasil na COP25. Nesse sentido, o negacionismo climático é frequentemente alistado por grupos que defendem iniciativas liberais, que consideram a legislação ambiental e os acordos internacionais um entrave ao livre comércio, à livre iniciativa, ao pleno uso da propriedade privada. A primeira razão para se negar as mudanças climáticas, portanto, é dar continuidade às atividades econômicas que impactam o meio ambiente sem qualquer regulação ou compromisso público.

​Posteriormente, percebemos que o negacionismo climático também faz parte de uma visão de mundo de certos grupos que realmente acreditam que o aquecimento global é uma fraude. A percepção de que as instituições públicas de ensino estão corrompidas pela ideologia da esquerda e que as mudanças climáticas fazem parte dessa conspiração revela que, para além das razões dos grupos econômicos liberais, o negacionismo climático faz parte de um regime discursivo inserido em uma determinada rede de práticas compartilhadas por grupos que se sentem de alguma maneira enganados e desiludidos. Eles buscam no negacionismo “um outro lado da história” que lhes foi omitido, que a ciência oficial os negou, mas que pode ser encontrado nas palavras de outsiders e organizações que denunciam a corrupção das instituições científicas e políticas. A partir disso, o negacionismo climático passa a transcender os aspectos políticos e científicos e a se referir a significados sociais enraizados em realidades subjetivamente vivenciadas como abrangentes e completas. É ilustrativa a declaração de Ernesto Araújo: “fui a Roma em maio e havia uma onda de frio”, experiência que, para o ministro, torna-se prova de que o aquecimento global não existe. A razão, portanto, para negar as mudanças climáticas nesse caso não diz respeito ao conteúdo científico, mas a uma visão e experiência de mundo incompatíveis com aquelas de quem acredita nas mudanças climáticas.

​Por fim, cabe ainda destacar uma outra razão apontada pela filósofa Déborah Danowski. Segundo ela, há vários tipos de negacionistas e negacionismos:

[...] há os por assim dizer independentes e há os que, por baixo do pano, são pagos por grandes corporações, pelas companhias de carvão, petróleo e gás para produzir artigos de jornal baseados em falsas pesquisas científicas. Mas há ainda um outro tipo de gente que, por motivos diferentes, ou “não aceita” a realidade das mudanças climáticas, ou aceita, mas “não tanto assim”. São pessoas até bem esclarecidas, que dizem frases como: “ah, nisso eu não posso acreditar”, “isso também não, aí já é demais”, “isso aí já é catastrofismo” ... “Catastrofismo não”. Uma razão por que se nega o inegável é que isso que é inegável é também intolerável. Se fôssemos encarar diretamente o que temos pela frente, isso exigiria de nós, aqui e agora, muito mais do que estamos realmente dispostos a fazer. (grifo nosso).

Nesse sentido, muitos daqueles que acreditam nas mudanças climáticas, podem também negar, em alguma medida, a urgência que essa verdade implica para continuar vivendo suas vidas da mesma maneira. Então, delegam a responsabilidade de decidir e encontrar soluções às autoridades e, frequentemente, se frustram com os resultados. Essa é uma forma mais tênue de negacionismo, mas com efeitos igualmente paralisadores. Demonstra-se preocupação com a questão, mas sem se engajar seriamente na causa, sem querer transformar radicalmente o modo de vida, sem levar a sério a urgente necessidade de transformação política. Talvez seja essa a forma de negacionismo que mais tem contribuído para que a questão das mudanças climáticas se encontre tão vilipendiada no Brasil atual.

NOTAS

[1] Think Tanks são grupos de especialistas associados para debater temas específicos e influenciar a formulação de políticas públicas ou processos de tomada de decisão pública. Geralmente, são financiados por corporações e lobbys que têm interesses privados nos resultados de determinada questão pública.

PARA SABER MAIS

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​TOFFELSON, J. (2019). Nature’s 10, Ten people who mattered in science in 2019. Nature current issues. Disponível em: https://www.nature.com/immersive/d41586-019-03749-0/index.html Acesso em: 06/01/2019.

VINHAL, G. (2019). “Datafolha: ao menos 11 milhões de brasileiros acreditam que a Terra é plana”. Metrópoles. 14 de setembro de 2019. Disponível em: https://www.metropoles.com/brasil/datafolha-ao-menos-11-mi-de-brasileiros-acreditam-que-a-terra-e-plana Acesso: 06/01/2020.


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O Autor:

Jean Miguel é sociólogo, mestre e doutor em Política Científica e Tecnológica pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Atualmente, realiza pós-doutorado na Escola de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Foi pesquisador visitante da School of Environmental Sciences da University of East Anglia no Reino Unido. Tem experiência na área de Sociologia, com ênfase em Estudos Sociais da Ciência e da Tecnologia, tendo interesse, principalmente, nos seguintes temas: ciência, tecnologia e desenvolvimento sustentável; transições sociotécnicas para a sustentabilidade; governança da ciência e da tecnologia em questões socioambientais; mudanças climáticas e sociedade. Atualmente, participa do projeto internacional CLIMAX (Climate Services Through Knowledge Co-production: A Euro-South American Initiative for Strengthening Societal Adaptation Response to Extreme Events - Belmont Forum e FAPESP: n. 2015/50687-8) como co-coordenador do Grupo de Trabalho 3 - Processos sociais que explicam a apropriação da informação climática por tomadores de decisão.

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Fonte: Coletiva. O texto faz parte do interessante Dossiê Emergência Climática, publicado em 2020. Também vale acessar o Dossiê Negacionismos & Autoritarismos, publicado em 2023, principalmente o elucidativo texto: "Negacionistas: uma definição em camadas", de José Szwako.

Segundo informações do site

"A Coletiva é uma revista eletrônica de divulgação científica, publicada pela Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) desde 2010. Sediada em Recife, a revista disponibiliza dossiês temáticos quadrimestrais e outras seções periódicas, com uma perspectiva de diálogo entre os saberes acadêmicos e outras formas de conhecimento, prezando pela diversidade sociocultural e liberdade de expressão. É voltada para um público amplo, curioso e crítico.

O projeto da Coletiva é uma atividade de extensão do Mestrado Profissional de Sociologia em Rede Nacional (ProfSocio/Fundaj), ligado à Diretoria de Formação Profissional e Inovação (Difor) da Fundaj. Conta com o apoio do multiHlab - Laboratório Multiusuários em Humanidades, com bolsistas financiados pela Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco (Facepe)".

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sexta-feira, 4 de julho de 2025

Petroleiras precisam reflorestar 5 Amazônias para neutralizar emissões

Estudo mostra que compensar reservas de combustíveis fósseis com plantio é impossível na prática e reforça que redução das emissões é urgente.


Para continuar explorando petróleo, gás fóssil e carvão sem limites, empresas de combustíveis fósseis tentam propor ações para compensar as emissões com a queima de seus produtos, a principal causa das mudanças climáticas. Há propostas como a compra de créditos de carbono e tecnologias de captura e armazenamento de carbono (CCS) e soluções baseadas na natureza, como o reflorestamento.

Mas um estudo publicado na Communications Earth & Environment, da Nature, escancara a inviabilidade logística, financeira e climática, tanto do reflorestamento como das demais alternativas. Para isso, a pesquisa se baseia nas reservas de petróleo, gás fóssil e carvão das 200 maiores empresas do setor. E sentencia: o mais viável, inclusive economicamente, é não queimar esses combustíveis fósseis.

Como destacou o g1, no caso do reflorestamento, a pesquisa aponta que, para compensar essas emissões, seria necessário reflorestar uma área de 24,75 milhões de km2. Isso equivale às Américas do Norte e Central, ou três vezes o tamanho do Brasil – ou, como a Exame comparou, cinco Florestas Amazônicas.

A queima das reservas das 200 maiores empresas de combustíveis fósseis poderia gerar 673 gigatoneladas de dióxido de carbono equivalente (CO₂e). Para compensá-las, o estudo define “reflorestamento” como o estabelecimento deliberado de novas florestas em terras sem cobertura de árvores, excluindo regeneração natural e agrofloresta. Ou seja, criação intencional de florestas em terras anteriormente não florestadas.

O que os cientistas verificaram é que reflorestar exigiria mais espaço do que se pensava. E mesmo que os formuladores de políticas estejam dispostos a sacrificar uma área tão extensa, ainda haveria limitações ecológicas a serem consideradas, como o deslocamento de comunidades, terras agrícolas e habitats existentes. Além disso, o reflorestamento poderia afetar ecossistemas existentes que fornecem serviços ecossistêmicos vitais.

A pesquisa avaliou a valorização líquida ambiental das empresas, considerando seu valor após descontar as despesas necessárias para compensar suas emissões. O estudo comparou os custos com reflorestamento com outras formas de compensação, como a compra de créditos de carbono e a captação direta de carbono na atmosfera (CCS e afins).

O reflorestamento seria o método mais barato, com a OCDE estimando o custo a partir de US$ 16 por tonelada de CO₂e. Com esse valor, 36% das empresas analisadas ainda teriam uma avaliação de mercado positiva se tentassem compensar todas as emissões potenciais de suas reservas atuais. Mas a grande maioria [64%] não.

Quanto aos créditos de carbono, usando o preço médio do mercado de carbono europeu de 2022 (US$ 83 por tCO₂e), o estudo mostra que 95% das empresas teriam uma Avaliação Ambiental Líquida negativa. E se a opção for pela captura direta do carbono no ar, ao custo atual da tecnologia (US$ 1.000), todas as empresas teriam Avaliação Ambiental Líquida negativa.

Fonte: ClimaInfo