Peter Moon | Agência FAPESP – Um aspecto da floresta amazônica que foi por muitas décadas dado como certo é que, com a chegada do período de chuvas, as árvores produzem novas folhas e a mata fica mais verde. Nas florestas temperadas, a maioria dos modelos usados em estudos mostra um decréscimo da fotossíntese na estação seca e cientistas estimavam que o mesmo ocorreria em regiões tropicais.
Mas em 2006 entrou em cena a hipótese de que na Amazônia a produção de novas folhas não seguiria o padrão das florestas temperadas. Argumentou-se que o fator que levaria ao “verdejamento” (
greening em inglês) da mata na maior parte da Amazônia não seria a chegada do período das chuvas, mas o aumento da radiação solar.
A hipótese acaba de ser comprovada, como resultado de um estudo feito por pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) em colaboração com colegas da França, Camarões, Reino Unido, Finlândia e Estados Unidos.
A pesquisa, detalhada em artigo publicado na
PLOS ONE, parte da análise de imagens feitas por satélite e de dados de campo para comprovar que na maior parte da Amazônia é o aumento da radiação solar – e não a falta ou fartura de água – o fator determinante para o verdejamento da floresta, como explicam os principais autores, o francês
Fabien Hubert Wagner e o carioca
Luiz Eduardo Aragão, ambos do Inpe.
O objetivo foi comprovar a possibilidade do uso de dados de satélites para verificar o verdejamento da Amazônia. O estudo foi realizado com
apoio da FAPESP e do Conselho Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Wagner atualmente recebe apoio da FAPESP por meio de auxílio e bolsa no âmbito do programa Jovens Pesquisadores em Centros Emergentes.
“Enquanto os ciclos tropicais são geralmente definidos em termos das estações seca e úmida, conseguimos demonstrar que a variação sazonal na produção visível de folhas é, em grande medida, desencadeada pelo aumento da insolação. Identificamos isso em 70,4% da área estudada”, disse Wagner.
O estudo envolveu os estados do Amazonas, Roraima e Amapá, a parte oeste do Pará, a porção norte da Amazônia peruana, as Amazônias equatoriana, colombiana e venezuelana, Guiana, Guiana Francesa e Suriname.
“Nossa hipótese atual para explicar tal fenômeno é que na maior parte da Amazônia as plantas nunca sofrem de estresse hídrico, pois sempre existe água suficiente, mesmo na estação seca. Logo, na ausência da limitação de água, é o aumento da insolação o fator determinante para o crescimento das folhas”, disse Wagner.
Em compensação, o estudo também apontou que em 29,6% da área analisada é o regime de chuvas que determina a produção de uma nova geração de folhas pelas árvores da floresta. Ou seja, na estação seca as plantas sofrem com o estresse hídrico e param de produzir novas folhas, o que só voltam a fazer com a chegada da estação úmida.
Aí se incluem a porção sul da Amazônia peruana, o norte da Bolívia, os estados do Acre, Rondônia e Mato Grosso, além da porção centro-leste do Pará. “Até hoje ninguém conseguiu fazer esta modelização”, disse Wagner.
Áreas com limitação solar e hídrica
Os resultados foram obtidos estabelecendo-se uma correlação entre os dados mensais de insolação e de precipitação da Amazônia e a expansão ou a retração da mancha verde de floresta que se observa desde o espaço a partir de dois satélites de sensoriamento remoto da Nasa, o Terra e o Aqua, que orbitam o planeta a 705 quilômetros de altitude.
Foram usadas as imagens do índice de vegetação ampliado obtidas pelo sensor Moderate Resolution Imaging Spectroradiometer (MODIS), a bordo do Terra e do Aqua.
Os instrumentos mapeiam todo o planeta a cada dois dias, fornecendo dados em escala da dinâmica global, o que inclui, por exemplo, mapas da vegetação global e mudanças na cobertura de nuvens sobre os oceanos e os continentes ou na baixa atmosfera.
As imagens utilizadas cobrem a área compreendida entre as latitudes 10 ºN e 20 ºS, e as longitudes 80 ºO e 40 ºO. Foram analisados dados produzidos entre 2000 e 2012, com uma resolução espacial de 1 km.
As medidas de precipitação, por sua vez, foram fornecidas mensalmente pela missão Tropical Rainfall Measuring (TRMM), um satélite da Nasa e da agência espacial japonesa Jaxa. A TRMM produz estimativas mensais de precipitação para as regiões tropicais e subtropicais do planeta, com resolução de 0,25 grau. Foram analisados dados entre 2000 e 2013.
As temperaturas máximas da Amazônia foram levantadas em uma base de dados do clima global, disponível para o período entre 1901 e 2012. Foram usados ainda os dados mensais de radiação solar na superfície, cobrindo o período entre 2000 e 2012 e com uma resolução espacial de 0,5 graus, estimados pelo sistema Ceres, um instrumento dos satélites Terra e Aqua. Os dados dos satélites Terra e Aqua, bem como da missão TRMM, estão disponíveis numa base de dados on-line de livre acesso.
“Uma importante contribuição do estudo foi conseguir separar as áreas com limitação solar e hídrica”, disse Aragão. Na Amazônia, a estação seca vai de julho a outubro, dependendo da região que se observa.
“Do meio para o fim da estação seca, as plantas já começam a produzir folhas, de modo que atinjam a maior cobertura folicular quando chegam as chuvas, maximizando a fotossíntese. Mas para produzir folhas na estação seca, as plantas precisam ter acesso à água. É o que ocorre em 70% da Amazônia, onde os solos possuem maior capacidade de retenção de água”, disse.
Segundo Aragão, que também é professor associado na University of Exeter, no Reino Unido, o valor da pesquisa é muito maior do que apenas o de estabelecer uma relação estática entre os efeitos da insolação e da chuva no verdejamento da Amazônia.
“A pesquisa permite identificar de que forma o bioma amazônico está reagindo às variações climáticas globais. Os próximos passos incluem tentar replicar esta modelagem para outras áreas de vegetação tropical”, disse.
O artigo
Climate drivers of the Amazon forest greening, de Fabien Hubert Wagner, Bruno Hérault, Vivien Rossi, Thomas Hilker, Eduardo Eiji Maeda, Alber Sanchez, Alexei I. Lyapustin, Lênio Soares Galvão, Yujie Wang e Luiz E. O. C. Aragão, pode ser lido em
https://doi.org/10.1371/journal.pone.0180932.
Fonte:
Agência FAPESP