quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Como a crise econômica e a instabilidade política aceleram o desmatamento



Foto: Para retomar a trajetória de redução do desmatamento, o Brasil precisa caminhar para estágios mais avançados de REDD+, com foco especial em pagamento baseado em resultados, destaca novo estudo (crédito: Ana_Cotta/Flickr - CC BY 2.0)


Ana Carolina Bastida* e Mariano Cenamo**

Para recuperar sua trajetória de redução do desmatamento afetada pela crises econômica e política, o Brasil deve aumentar e diversificar os recursos financeiros para além do Fundo Amazônia, concluem as organizações Forest Trends e Idesam. Os autores defendem que estados tenham mais autonomia para receber fundos internacionais diretamente, além de atrair investidores do setor privado. Abaixo, as principais conclusões de seu novo relatório

O Brasil é reconhecidamente um líder nos esforços globais para reduzir o desmatamento e as emissões de gases de efeito estufa associadas a florestas – principalmente pela bem sucedida implementação de políticas de conservação florestal que reduziu o desmatamento na Amazônia em 80% abaixo dos níveis históricos, e impediu que mais de 5 bilhões de toneladas de CO2 chegassem a atmosfera na última década.

O Brasil mostrou que o mecanismo de Redução de Emissões de Desmatamento e Degradação Florestal (REDD+) pode funcionar na prática. Infelizmente, desde 2015, os níveis de desmatamento no Brasil começaram a subir novamente. O que aconteceu?

Durante os últimos dois anos, a combinação de crise econômica e instabilidade política no Brasil elevaram as taxas de desmatamento em 24% em 2015 e 25% em 2016. A economia desestabilizada levou o governo a cortar drasticamente o orçamento para atividades de proteção das florestas. Para piorar as coisas, o governo federal tem promovido projetos de lei que incentivam o desmatamento, incluindo o congelamento da demarcação de Terras Indígenas (TI) na Amazônia, desmonte da Fundação Nacional do Índio (Funai) e redução da proteção de áreas que abrigam as mais baixas taxas de desmatamento – como as TI. O governo também enfraqueceu o processo de licenciamento ambiental de construções e as regras para regularização fundiária na Amazônia.

O novo relatório Mapeamento dos Fluxos Financeiros para REDD+ e Uso da Terra no Brasil, das organizações Forest Trends e Idesam, mostra como os mais de US$ 2,2 bilhões em fundos de REDD+ foram aplicados em políticas de combate e controle do desmatamento no Brasil, entre os anos de 2009 e 2016, além de destacar meios para tornar os investimentos mais eficientes na redução de emissões, inclusive por meio de pagamentos diretos a agentes que estão de fato implantando políticas de proteção às florestas, como governos subnacionais, comunidades locais e povos indígenas da Amazônia.

O estudo mostra que mais da metade das iniciativas mapeadas (de um total de 482) continua abordando temas relacionados à estruturação e construção de políticas de conservação florestal e REDD+, que, apesar de importantes, ainda podem ser classificadas como atividades “preparatórias” (Readiness,) tais como fortalecimento institucional, engajamento de atores e desenvolvimento de políticas públicas. Ao considerar os expressivos resultados alcançados com a redução do desmatamento entre 2006 e 2014, era de se esperar uma evolução de grande parte dessas atividades para programas e projetos de longo prazo, por exemplo, através de arranjos de pagamentos por resultados de REDD+ em nível subnacional.

Infelizmente não foi o que aconteceu e parte disso está refletida na retomada do aumento do desmatamento entre 2015 e 2016. A regulamentação de uma política nacional de REDD+ no Brasil evoluiu muito pouco e não envolveu uma série de instituições e atores que deveriam estar mais engajados nos processos decisórios sobre REDD+ em nível nacional.

O estudo também analisa investimentos em REDD+ e uso da terra a nível estadual, particularmente Amazonas e Acre, dois estados estratégicos para a conservação das florestas e mitigação a mudanças climáticas.

Uma das nossas principais conclusões é que o Brasil precisa caminhar para estágios mais avançados de REDD+, com foco especial em pagamento baseado em resultados. Afinal, o objetivo do mecanismo é “reduzir, frear e reverter a perda de cobertura florestal” e recompensar os países que estão fazendo isto.

Em uma análise preliminar, o estudo mostra que US$ 80 milhões foram destinados à Agricultura de Baixo Carbono na Amazônia.

Embora isto indique um cenário positivo de que as políticas para agricultura de baixo carbono estão sendo incentivadas, estes US$ 80 milhões (ou mesmo os 2,2 bilhões em REDD+) são pequenos quando comparados ao investimento anual na agricultura convencional, estimado em US$ 55 bilhões ao ano.


Além disso, embora os esforços voluntários do setor privado, particularmente das empresas comprometidas com o desmatamento zero em suas cadeias de suprimentos, e as políticas climáticas estaduais e federais sejam louváveis, é necessário integrar atividades de expansão e conservação das florestas com a agricultura, e promover maior alinhamento entre setores público e privado – principalmente o agronegócio.

Para manter as florestas em pé é preciso investir em políticas capazes de impedir o desmatamento, assim como recompensar atores que não estão mais desmatando. Como a maioria dos países com florestas tropicais não têm fundos suficientes para apoiar estes esforços, muitos dependem de financiamento internacional vindo de países doadores sob a égide de REDD+ para complementar os seus próprios investimentos. No caso do Brasil, a maior parte do financiamento recente para florestais veio dos próprios fundos públicos estaduais e federais do País. Entretanto, os recursos de REDD+ – principais pilares para financiamento da proteção florestal na região amazônica – têm sido insuficientes para promover a conservação florestal no longo prazo.

O recente aumento do desmatamento no País levou a Noruega, principal doador do Fundo Amazônia, a anunciar que não realizará os pagamentos programados para o Fundo brasileiro, uma vez que a principal regra do fundo é de que o País só seria pago mediante resultado alcançado de redução do desmatamento – que de fato não ocorreu nos últimos dois anos. No entanto, até o anúncio da Noruega, o financiamento recebido pelo Brasil através do Fundo Amazônia já estava abaixo do potencial de reduções brasileiras.

O volume de redução de emissões gerado com a redução do desmatamento na Amazônia nos últimos 10 anos foi de 5,5 bilhões tCO2. Caso toda essa redução de emissões fosse “monetizada” – de acordo com a lógica de REDD+, considerando, por exemplo, o valor de referência do pagamento por resultados adotado pelo Fundo Amazônia (U$ 5 por tonelada de C02 reduzido) –, o Brasil estaria apto a receber em torno de US$ 26 bilhões. Recebemos apenas U$1,037 bilhão, equivalente a pouco mais de 200 milhões de tC02, via Fundo Amazônia. Essa quantia, embora seja relevante em valores absolutos, representa menos de 10% do potencial de captação de recursos via REDD+.

Outra importante conclusão do estudo é de que os estados brasileiros precisam ser mais bem recompensados por serem os principais agentes implementadores de políticas florestais.

Os estados amazônicos – que mais contribuíram com a redução de emissões do Brasil na última década – receberam apenas 9% dos US$ 2,2 bilhões e, portanto, dependeram de seus orçamentos públicos limitados, que diminuíram progressivamente nos últimos três anos.

Isso, combinado com a redução de emissões que ainda não foram pagas (cerca de US$ 26 bilhões caso toda redução de emissões pudesse ser paga), abre uma janela de oportunidade para mobilizar financiamentos de REDD+ a nível subnacional. Para alcançar este objetivo, os estados deverão ter maior autonomia para receber fundos internacionais diretamente, bem como atrair novos investidores do setor privado.

Nossa mensagem é clara: para recuperar sua trajetória de redução do desmatamento, o Brasil deve aumentar e diversificar os recursos financeiros para além do Fundo Amazônia.

Informações sobre a iniciativa REDDX – Mapeamento de Financiamentos para Florestas podem ser encontradas neste link. O estudo completo, com análises e recomendações pode ser acessado em http://idesam.org.br/biblioteca.

*Ana Carolina Bastida é economista do Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam). **Mariano Cenamo é pesquisador sênior e fundador do Idesam.


Fonte: Página 22



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