quarta-feira, 2 de agosto de 2017

Lars Grael, rei das águas e da superação: “não aproveitamos o momento olímpico”



Velejador Lars Grael.


Por Rogério Sampaio

Entre os dias 27 e 30 de agosto, o multicampeão de vela Lars Grael, como uma rajada de vento, passou por Brasília para disputar, junto com seu parceiro Samuel Gonçalves, o Campeonato Brasileiro da Classe Star onde, como era mais do que esperado, levantou a taça. Em meio a agenda apertada de atleta de ponta, extremamente requisitado pelos amigos e fãs, Grael concedeu um espaço para conversar com os leitores do Portal Extra Pauta e do Blog Oceano Candango sobre esporte, o traumático acidente que o vitimou, política e cidadania. Discorreu ainda sobre as inúmeras mazelas que afligem os brasileiros, com a propriedade de quem já esteve dos dois lados do balcão, tanto como atleta, quanto como gestor público. Foi Secretário Nacional de Esportes durante o governo FHC e também integrou o governo Alckmin, em São Paulo como secretário estadual de Juventude, Esporte e Lazer. Atualmente, de volta às competições de alto nível – foi campeão mundial da Classe Star em 2015, na Argentina e vice neste ano na Dinamarca – dedica-se a tocar o Projeto Grael de inserção social através do ensino da marinharia e da consciência náutica às crianças carentes de Niterói, junto com outra lenda viva da vela nacional, seu irmão Torben, e a repensar e apontar soluções para o Brasil.

Portal Extrapauta – Recentemente você lançou um livro, escrito em parceria com o jornalista Eduardo Ohata, intitulado “Lars Grael – Um líder para os novos tempos”, no qual sua trajetória de vida é exposta sem reservas. De que maneira essa sua enorme experiência pode ajudar ao Brasil, que sente o peso da ausência de qualquer liderança digna desse nome, a sair do atoleiro ético, político e econômico em que se encontra?

Lars Grael – Falando sobre esse aspecto da gestão pública, em decorrência ao acidente que sofri em 1998 e que me afastou temporariamente do esporte de alto rendimento, fui convidado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso para que trabalhasse no extinto INDESP – Instituto Nacional do Desenvolvimento do Esporte, para logo em seguida assumir como Secretário Nacional do Esporte. Nesse período eu fui presidente do Fórum Nacional de Secretários de Esportes, da Comissão Nacional de Atletas, do Conselho Sul-Americano do Esporte, acumulando experiência na área de gestão do esporte e vendo a carência que este País tem e tentando fortalecer o esporte não só com a agenda do alto rendimento, mas, também com uma agenda sócio-educacional. Nunca haverá uma educação de qualidade sem a prática de uma atividade física, sem esporte na escola. Foram anos de idealismo, tentando fazer o meu melhor, apesar das restrições que todos nós conhecemos, como de ordem orçamentária, burocracia e ao mesmo tempo intromissão política, sem falar na má gestão da coisa pública.

Portal Extrapauta – Hoje em dia, você ainda atua, em algum nível, na gestão da área de esportes?

Lars Grael – Hoje eu acompanho a gestão esportiva um pouco mais à distância. Atuo como superintendente técnico do Comitê Brasileiro de Clubes, ainda sou vice-presidente da Comissão Nacional de Atletas e presido o Conselho Empresarial do Esporte da Associação Comercial do Rio de Janeiro, além da administração do nosso Projeto Grael, iniciado lá em 1998, junto com meus irmão Torben e Axel , e voluntários, até hoje promovendo a inclusão social.

Portal Extrapauta – Qual a sua visão do atual momento do desporto nacional?

Lars Grael – O Brasil viveu um ciclo de produção de grandes eventos internacionais, começando com os Jogos Sul-Americanos em 2002, Jogos Panamericanos, em 2007; Jogos Mundiais Militares, em 2011; Copa do Mundo da FIFA, em 2014; Jogos Olímpicos e Paralímpicos, em 2016. Esse ciclo representou o apogeu da promoção de grandes eventos e a palavra de ordem mais usada era “deixar um legado”, aquilo que ficaria de fato para o conjunto da sociedade. Fora o Parque Olímpico que ficou no Rio de Janeiro, com uma dificuldade enorme de gestão, de manutenção, o maior legado que poderíamos esperar seria a universalização do esporte no Brasil. Colocar o esporte na agenda prioritária nas políticas públicas de inclusão social, sobretudo na educação.

Portal Extrapauta – Passamos longe em matéria de legado, você não acha?

Lars Grael – Nós, realmente, não aproveitamos esse momento. Hoje vivemos em um País mergulhado em uma crise social, política e econômica sem precedentes, um momento realmente complexo, onde tentamos buscar soluções imbuídos de muito espírito patriótico, para que voltemos a acreditar no Brasil a partir desse momento que vivenciamos.

Portal Extrapauta – Qual o seu sentimento pessoal em relação a esse período que o País atravessa?

Lars Grael – Mantenho o otimismo. Espero que a sociedade, a partir de 2018, tenha aprendido com os erros e melhore substancialmente a qualidade e a responsabilidade do voto e que possamos começar as profundas transformações pelas quais o brasileiro tanto anseia.

Portal Extrapauta – O último Secretário Nacional de Esportes, o nadador Luiz Lima, pediu demissão e saiu atirando contra as ingerências políticas e contra os partidos políticos de uma forma geral. Na sua época também ocorriam essas pressões, embora fossem momentos diferentes?

Lars Grael – Certamente. Se você atua na esfera governamental, é sabido que não existe governo sem a prática política. Sempre fui um ser politizado e tinha uma noção do tipo de cenário que iria encontrar. A gestão pública, ainda mais no caso brasileiro, é muito mais complicada do que se pode imaginar, por isso eu entendo a frustração do Luiz Lima na gestão do esporte de alto rendimento, em um momento, também, que o corte orçamentário na agenda do Ministério do Esporte foi drástico. Então fica aquela coisa de você ter o cargo, ter projetos e não ter meios para executá-los, pôr em prática as transformações necessárias.

Portal Extrapauta – E como funciona a coisa da intromissão política?

Lars Grael – A intromissão política, infelizmente ela existe e é bastante atuante, e não é de hoje. O importante é voe ter coerência, fazer aquilo que julga necessário, porque sempre vai ter a política partidária querendo aparelhar a máquina pública, querendo influenciar a forma de descentralização de recursos, etc. É necessário ter firmeza para que você possa resistir e manter a coerência ética, técnica e social.

Portal Extrapauta – Voltando a 1998, época daquele acidente estúpido, causado por um condutor de lancha alcoolizado, quando você estava no auge da forma física e técnica, de que forma o episódio transformou a sua vida?

Lars Grael – Vivenciei uma transformação muito grande na minha vida. Julgava que me encontrava no auge da carreira, após quatro Olimpíadas, duas medalhas de bronze, achava que 1998 era um ano especial aonde seria, como foi, realizado pela primeira vez o campeonato mundial da Classe Tornado, que era a classe pela qual fiz minhas campanhas Olímpicas, então estava em um momento de bastante motivação e tinha como meta a medalha de ouro em Sidney, quando tudo aconteceu.

Portal Extrapauta – Longe de mim querer fazer “spoiller” para aqueles que ainda não leram o livro mas é, seguramente, o momento mais emocionante da leitura.

Lars Grael – Pois é. Aquela lancha, conduzida por um inconsequente, dentro do espaço de uma raia de regata provocou o acidente que poderia acontecer com qualquer um, mas estava no meu caminho. Então, a primeira coisa, pós acidente, foi tentar entender um sentido para a vida. Lutar pela vida e não mais por troféus e medalhas. Aceitar que no auge da minha carreira me tornar um deficiente físico. Ao mesmo tempo, ocorreu um processo tão grande de solidariedade, de apoio de pessoas que passaram por situações semelhantes que foram ao meu encontro levando mensagens de motivação, de superação, no sentido de dar a volta por cima.

Portal Extrapauta – Essa movimentação de apoio fez a diferença e ajudou na retomada de uma nova normalidade?

Lars Grael – Tentei manter minha mente ocupada o máximo que pude. Todos os cargos que me chamavam, ações de voluntariado, fui aceitando como forma de nunca ter a mente ociosa que me levasse a uma possível depressão. A partir daí botei minha vida em um ritmo frenético, inclusive retomando a prática da vela para a partir daí me reposicionar na vela de competição. Acho que tudo isso foi muito importante para buscar um novo sentido para a vida que continuou. Ficou diferente, mas não necessariamente pior. O que grande aprendizado é entender que a felicidade reside no hoje, no aqui, no agora.

Portal Extrapauta – Ao retornar às competições, mesmo com a deficiência, você nunca cogitou ser um paratleta. Qual o motivo?

Lars Grael – Minha primeira velejada após o acidente se deu dois meses depois. Saí do hospital, voltei para Niterói, ainda bastante debilitado em função das dez cirurgias às quais fui submetido. Então, voltar a velejar era para mim um momento de reencontro e de fazer as pazes com o mar, onde eu dediquei minha vida e quase a perdi. Foi o meu irmão Torben que ao sentir esse meu distanciamento da vela, me direcionou para a Classe Star, um barco que pela sua configuração permitia uma adaptação melhor permitindo que eu me tornar tão competitivo quanto um velejador normal. Devo o reencontro com a motivação e aos bons resultados ao meu irmão Torben que, inclusive me queria como “sparring” nos seus treinamentos. Em suma, me reencontrei com a vela em um barco que exige a mais alta técnica e desempenho. Todavia, quero deixar claros minha admiração e respeito pelos paraatletas da vela que igualmente tem que se superar a cada dia.

Portal Extrapauta – Você está a par das transformações pelas quais o lago Paranoá vem passando, como a implantação do Projeto Orla Livre, da utilização de suas águas para consumo humano por conta da crise hídrica, por exemplo? Tem alguma opinião a respeito desses assuntos?

Lars Grael – O lago Paranoá representa, pelo menos, o principal espaço de lazer que tem em todo o DF e tem um valor enorme também no componente de regulação climática. O espelho d’água é lindíssimo, que esteticamente embeleza a cidade. Foi criado em uma época na qual o Brasil ainda pensava o futuro e sua ocupação foi pensada de forma ordenada. O projeto Orla Livre se por um lado tenta, corretamente, restituir áreas públicas que foram ocupadas irregularmente, por outro lado ele contém erros, um vício de origem porque conhecendo a forma predatória que os brasileiros, de um modo geral, ocupam as margens de lagos, rios e a própria orla marítima, me causa muita preocupação com o acesso livre e indiscriminado da orla em relação ao impacto ambiental e à falta de segurança.

Portal Extrapauta –Essa sequência de absurdos tem efeito determinante na crise hídrica no DF?

Lars Grael – O lago, hoje, vive um processo de assoreamento constante, fruto da ocupação desordenada de seus mananciais, condomínios irregulares, fruto de demagogia política. A crise hídrica em Brasília é séria, deveriam ter sido planejados novos reservatórios, mas o que nós temos são construções irregulares ocupando o solo de qualquer jeito. Isso me preocupa. O Paranoá ainda é um lago limpo, mas temos que lutar pela preservação dele. Democratizar a orla sim, mas com total responsabilidade e planejamento sério.

Fonte: Extra Pauta









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