Ana Toni, diretora executiva, e o embaixador André Corrêa do Lago, presidente da COP30.Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil
A medida que se aproxima a COP30, que acontecerá em Belém, de 10 a 21 de novembro de 2025, aumentam as preocupações com os desafios do encontro que se realizará numa difícil conjuntura mundial. Dentre outros problemas, há a sabotagem de Trump e o aparente recuo da Comunidade Europeia. Os europeus sempre foram propulsores dos avanços mas, pressionados pela guerra na Ucrânia, agora estão divididos entre investir no enfrentamento da emergência climática ou em armas.Nas últimas COP's, uma grande expectativa foi se acumulando sobre a COP30, transferindo impasses das edições passadas: "Na COP30 a gente resolve", diziam...
A COP30 acontecerá dez anos após o Acordo de Paris, celebrado em 2015 (COP21), quando os países se comprometeram, através de seus planos nacionais de ação climática, as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), a reduzir as emissões dos gases do efeito estufa - GEE e adotar medidas de adaptação às mudanças climáticas. Nenhum país cumpriu o que prometeu!
Por isso, o principal resultado esperado da COP30 é a apresentação de novas NDCs e a adoção das medidas para a sua efetiva implementação.
A ciência alerta que estamos num momento crítico para o futuro climático da Terra e as medidas de mitigação e adaptação nunca foram tão urgentes. Diante da importância da COP30 para o enfrentamento da crise climática, a presidência brasileira, exercida pelo embaixador André Corrêa do Lago e por Ana Toni, diretora executiva (CEO), tem feito um grande esforço para garantir o sucesso da Conferência. Corretamente, os dirigentes têm pressionado para que a COP30 deixe a longa fase de conversas (já dura 30 anos) e inaugure a fase de ação efetiva, repetindo o bordão: "Implementation, implementation, implementation..."
CARTAS DIPLOMÁTICAS
Chamando as nações do mundo para a implementação, a Presidência da COP30 emitiu oito Cartas para a comunidade internacional, demarcando a importância dos temas que estarão em debate em Belém e exortando os países a abandonar a quase letargia que nos deparamos e chamando todos à ação.
Oitava Carta da Presidência Brasileira (23 de outubro de 2025)
A Carta mais recente, oitava, foi publicada no dia 23 de outubro e dedicada ao tema da Adaptação às Mudanças Climáticas, "como o próximo passo da evolução humana".
De forma contundente, André Corrêa do Lago afirma:
"À medida que a era dos alertas dá lugar à era das consequências, a humanidade se depara com uma verdade profunda: a adaptação climática deixou de ser uma escolha que sucede a mitigação; ela é a primeira parte de nossa sobrevivência. Em cada momento decisivo de nossa evolução, nossa espécie conquistou seu lugar neste planeta por meio da adaptação – aprendendo, inovando e transformando as próprias condições da vida. A adaptação sempre exigiu a coragem de abandonar o que já não nos serve, preservando, ao mesmo tempo, aquilo que nos define.
Hoje, essa verdade evolutiva revela-se novamente com urgência. A biologia evolutiva confirma o que a sabedoria ancestral sempre reconheceu: a sobrevivência nunca pertenceu apenas aos mais fortes, mas aos mais cooperativos – aqueles capazes de cultivar relações simbióticas que sustentam a vida em equilíbrio. A cooperação tem sido a essência de nossa humanidade no processo de seleção natural".
Sobre as ações de adaptação, a COP30 terá três prioridades de ações globais e nacionais a serem debatidas em Belém:
"Do objetivo último da Convenção ao objetivo de longo prazo do Acordo de Paris quanto a resiliência, do Objetivo Global de Adaptação (GGA) aos Planos Nacionais de Adaptação (NAPs), a COP30 deve ser a COP da adaptação. Ambição e ação em adaptação serão essenciais para que, em Belém, possamos avançar em três prioridades: (i) fortalecer o multilateralismo; (ii) aproximar o regime climático da vida cotidiana das pessoas; e (iii) acelerar a implementação climática".
Sobre os impactos da inação e procrastinação das medidas inevitáveis que o mundo precisa adotar, a Carta não faz rodeios e alerta:
"Dados inéditos do Índice Global de Pobreza Multidimensional de 2025, publicados pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento em 17 de outubro, revelam que 1,1 bilhão de pessoas, de um total de 6,3 bilhões em 109 países, vivem em pobreza multidimensional aguda – mais da metade delas crianças. Desses 1,1 bilhão, 887 milhões vivem em regiões que já enfrentam ao menos um grande risco climático, e 309 milhões enfrentam três ou mais riscos simultaneamente. A empatia nos obriga a perceber as vidas humanas por trás desses números – pequenos e microempreendedores perdendo seus negócios e sonhos, famílias deslocadas por enchentes, agricultores vendo seus campos secarem, crianças caminhando quilômetros em busca de água.
Sem adaptação, a mudança do clima se torna um multiplicador da pobreza, destruindo meios de subsistência, deslocando trabalhadores e aprofundando a fome. À medida que os impactos se intensificam, a inação não representa uma falha técnica, mas sim uma escolha política sobre quem vive e quem morre. O filósofo africano Achille Mbembe denunciou essa lógica como “necropolítica” – o uso do poder para decidir quais vidas são protegidas e quais consideradas descartáveis. Como formuladores de políticas e atores políticos, não somos menos responsáveis por atos de omissão.
A adaptação é tão vital para a proteção das economias quanto para a preservação das vidas humanas. Os desastres relacionados ao clima já custam à África entre 2% e 5% do PIB a cada ano. Nos Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento (SIDS), um único furacão pode comprometer décadas de progresso, como demonstrou a devastação causada pelo Ciclone Freddy em partes do Oceano Índico e do Caribe. Nos Países Menos Desenvolvidos (LDCs), as secas e enchentes recorrentes – do Sahel ao Chifre da África e ao Sudeste Asiático – comprometem a segurança alimentar, pressionam as finanças públicas e revertem conquistas de desenvolvimento arduamente alcançadas. Nos países da América Latina. os impactos climáticos também vêm agravando as desigualdades e aumentando as vulnerabilidades.
Estas não são apenas crises ambientais; são alertas fiscais, fraturas sociais e riscos sistêmicos à estabilidade global. A inação em relação à adaptação desencadeia instabilidade com repercussões globais no médio e longo prazo. Ao mesmo tempo, recursos nacionais que poderiam ser destinados a transições de baixo carbono e resilientes ao clima são cada vez mais consumidos por respostas emergenciais. À medida que as lacunas de adaptação se ampliam, o peso crescente das perdas e danos reduz ainda mais o espaço fiscal para investimentos de longo prazo, sobretudo nos países em desenvolvimento".
Sobre o descumprimento das promessas de financiamento e a relevância das ações locais:A adaptação não é uma alternativa ao desenvolvimento – é a própria essência do desenvolvimento sustentável em um mundo em mudança climática. Ela fortalece a estabilidade fiscal, reduz o risco dos investimentos e aumenta a produtividade. Cada estrada resiliente, cada escola adaptada ao clima, cada sistema de alerta precoce se paga em perdas evitadas. O Banco Mundial estima que medidas robustas de adaptação podem gerar até quatro vezes o seu custo em benefícios econômicos. O financiamento para adaptação, portanto, não deve ser visto apenas como assistência.
Corrêa do Lago fala de uma nova economia: a economia da adaptação:" (...) o financiamento para adaptação ainda representa menos de um terço do total do financiamento climático, muito aquém das necessidades. A falta crônica de investimentos deixa os países vulneráveis, obrigando-os a desviar recursos escassos da saúde, da educação e da infraestrutura para respostas emergenciais e ações de recuperação. O desequilíbrio entre mitigação e adaptação enfraquece a resiliência coletiva e perpetua desigualdades estruturais. Muitas comunidades já realizam iniciativas locais e experimentais de adaptação, mas esses esforços são frequentemente pouco reconhecidos, subfinanciados e mal conectados ao planejamento nacional".
O documento conclui reafirmando a necessidade de ênfase na implementação e adotando "uma agenda global guiada pelo cuidado"."(...) o surgimento de uma economia da adaptação, capaz de moldar novos caminhos para um crescimento e desenvolvimento positivos para o clima, ainda está por emergir. São necessários esforços adicionais para integrar plenamente a adaptação à ampla transição econômica que todos enfrentamos, garantindo que comportamentos preventivos e a resiliência permaneçam no centro das políticas econômicas, das práticas de compras públicas e dos novos mecanismos de incentivos financeiros. Soluções baseadas na natureza e sinergias entre clima e biodiversidade podem acelerar essa mudança: investir em florestas, áreas úmidas, manguezais e outros ecossistemas protege a natureza e fortalece economias resilientes e inteligentes para o clima".
"Para além das negociações, a Agenda de Ação Climática da COP30 deve apresentar soluções concretas, para que Belém também seja lembrada como a COP da implementação da adaptação. Convidamos todas as iniciativas a trazerem suas melhores soluções e o mais alto nível de ambição para fechar lacunas em políticas e práticas – por exemplo, em saúde, segurança alimentar, gestão da água, financiamento para adaptação, cidades e regiões, infraestrutura, micro e pequenas empresas, entre outros.
A COP30 acontece no epicentro da crise climática. No entanto, das águas que avançam e dos céus que se transformam, emerge uma força mais profunda – a determinação das pessoas em proteger o que amam. Em Belém, honremos essa determinação e a transformemos em uma agenda global guiada pelo cuidado, não pela indiferença; pela interdependência, não pelo individualismo; pela coragem, não pela resignação. Em Belém, onde os rios encontram o mar, renovemos a aliança entre a humanidade e a natureza – transformando vulnerabilidade em solidariedade, cooperação em resiliência e adaptação em evolução. Mudando por escolha, juntos".
Somos pessoas em famílias, cidades e países. Somos pessoas em negócios, mercados e finanças. Somos pessoas da natureza, de ecossistemas e do planeta. Em um clima em transformação, as experiências humanas de perda e de convivência não são abstratas. Elas são geográficas, corpóreas, sagradas. Transformam-se em memórias, luto e coragem. Que as honremos na COP30".
Refere-se aos resultados da SB62: "Nesta carta, refletirei sobre as 62ª sessões do Órgão Subsidiário de Assessoramento Científico e Tecnológico (SBSTA) e do Órgão Subsidiário de Implementação (SBI) da UNFCCC (SB62), que foram realizadas em Bonn, Alemanha, de 16 a 26 de junho de 2025. Com base no que a Presidência ouviu das Partes em Bonn, apresento abaixo os próximos passos em nosso caminho rumo à COP30.
Na minha terceira carta, convidei os negociadores a se engajarem como co-construtores de uma infraestrutura global de confiança, trabalhando juntos em modo de força-tarefa para garantir progressos significativos na SB62. As sessões de junho em Bonn alcançaram encaminhamentos satisfatórios que podem abrir caminho para resultados bem-sucedidos na COP30, incluindo questões pendentes de negociação relacionadas a (i) indicadores do Objetivo Global de Adaptação (GGA) no âmbito do Programa de Trabalho Emirados Árabes Unidos-Belém, (ii) o Diálogo sobre a implementação dos resultados do Balanço Global (GST) e (iii) o Programa de Trabalho sobre Transição Justa (JTWP)".

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