quinta-feira, 3 de setembro de 2020

REGATA DE PROTESTO EM DEFESA DA BAÍA DE GUANABARA (1980): Um registro histórico do início da minha militância ambientalista

 

Quinta-feira é dia de TBT!!! 


Matéria na revista Vela e Motor de 1980, registrando manifestação que eu organizei para protestar contra a poluição da Baía de Guanabara. Eu estou na foto, a bordo do meu barco da classe Laser, com uma inscrição de protesto na vela: "Não à Poluição"!


Do sonho ambientalista a uma cidade que ruma para a sustentabilidade

Há poucos dias, uma boa surpresa me deixou muito feliz e me fez relembrar o início da minha trajetória como ambientalista em Niterói. Ao fazer uma pesquisa sobre a história da vela no Brasil, o meu amigo, jornalista, escritor e velejador, Murillo Novaes, encontrou e me presenteou o importante registro acima. 

Que saudades desse tempo! Trata-se de uma matéria da revista Vela e Motor, de outubro de 1980, sobre a Regata de Protesto que eu organizei naquele ano, para reivindicar uma Baía de Guanabara limpa e bradar duas denúncias: a poluição causada pelas fábricas de sardinha de Jurujuba que poluíam as águas do Saco de São Francisco e a falta de saneamento em Niterói.

Jurujuba tinha três indústrias de processamento de pescado (fábricas de sardinha): Atlantic, Ribeiro e Santa Iria. Outras localizavam-se na Ilha da Conceição, no Barreto e São Gonçalo. Nenhuma delas contava com o devido equipamento para prevenir a poluição que era causado pelo resto do óleo utilizado na conserva, restos de peixe (escama, vísceras, cabeça etc.).

Estas fábricas de sardinha lançavam seus efluentes mal-cheirosos diretamente no mar e a nossa luta era para que cumprissem a legislação e instalassem as suas Estações de Tratamento de Despejos Industriais - ETDI. Quem viveu esta época, certamente se lembra que os bairros nos entorno da enseada, como São Francisco, Jurujuba, Charitas, a Estrada Fróes e, eventualmente Icaraí (conforme a direção do vento), fedia a peixe podre.

Eu tinha 20 anos e estudava engenharia florestal na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, velejava na Baía de Guanabara e meu barco ficava impregnado com o chamado "óleo de sardinha". Ao voltar ao Rio Yacht Club (Sailing), era obrigado a passar um bom tempo limpando a sujeira encardida no barco. Resolvi fazer alguma coisa. O primeiro passo foi tentar descobrir quem poderia resolver o problema. Verifiquei que não haveria como transferir o problema para outros. O RJ já contava com a Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente - FEEMA, órgão ambiental pioneiro no país, mas não tive atenção ao meu pleito na ocasião. Fui estagiário na Feema e aproveitava para aprender sobre o problema e tentar sensibilizar dirigentes e técnicos da instituição. Décadas depois (1999-2000 e 2007-2008), tornei-me presidente do órgão e uma das primeiras medidas foi intensificar ações sobre as indústrias de pescado. Na época, as poucas fábricas que ainda existiam já estavam em situação pré-falimentar.


Convocação do MORE para uma manifestação contra as fábricas de sardinha. 17 de julho de 1988.


Percebi, então, que se eu não fizesse alguma coisa, o problema continuaria e se agravaria. Reuni amigos velejadores como Hilário Alencar, Ricardo Chebar e Eric Fischer, além de jornalistas como Jardel Ferre e Luiz Antônio Mello, que escreviam ou eram editores de jornais semanais em Niterói. Organizamos uma "Regata de Protesto". 

Na verdade, apesar do nome, era de fato um protesto e nada de regata, no sentido de "competição". O protesto aconteceu nas proximidades da Ilha dos Amores, em frente ao Preventório, próximo a onde hoje localiza-se a estação Charitas do Catamarã e onde muitos anos depois (1998) começou o Projeto Grael. Conseguimos reunir cerca de 100 embarcações participantes, dentre velejadores, pescadores e atraímos a atenção de muitos apoiadores que assistiram da praia.

O evento foi um dos primeiros protestos ambientalistas organizados para defender a Baía de Guanabara e conseguimos o que almejávamos na época: atrair a atenção da população e da imprensa para a causa ambiental, tema este que ainda estava fora da pauta jornalística e das preocupações da maioria da população.

Convidamos o programa Fantástico, da Rede Globo, criado em 1973, para cobrir o evento. Para nossa surpresa, eles compareceram e nosso mobilização foi para a TV no domingo! Tivemos uma ótima repercussão.

A partir do sucesso do evento, para dar prosseguimento à campanha, decidimos criar uma organização ambientalista pioneira em Niterói e uma das primeiras em todo o estado. Assim surgiu o Movimento de Resistência Ecológica - MORE e nossas primeiras bandeiras foram a despoluição da Baía de Guanabara e o "salvamento" das lagoas de Piratininga e Itaipu. Pouco tempo depois, vieram as campanhas pela criação do Parque Estadual da Serra da Tiririca, por ciclovias em Niterói. Posteriormente, outras campanhas se seguiram.

O MORE marcou época e formou uma geração de ambientalistas, muitos ainda ativos em Niterói. Chegamos a ter mais de 500 associados e uma mala direta com cerca de 1.000 nomes, o que nos dava um grande poder de mobilização e, portanto, nossas atividades reuniam muitos participantes. Há que se contextualizar o momento que vivíamos na época da criação do MORE: o país ainda vivia a ditadura militar e a lógica predominante era do desenvolvimento a qualquer custo. Mesmo assim, alcançamos grandes resultados e fincamos as bases para os avanços que se consolidaram depois.

Legados

Essa história me enche de orgulho. Décadas depois daquelas iniciativas pioneiras, conseguimos avançar em cada uma das agendas, como pode ser visto a seguir:

Serra da Tiririca: Foi a primeira grande vitória dos ambientalistas de Niterói e Maricá. Após liderar, como presidente do Movimento Cidadania Ecológica - MCE, a campanha pela criação do Parque Estadual da Serra da Tiririca, assumi, em março de 1991, a presidência do Instituto Estadual de Florestas - IEF-RJ, órgão do estado responsável pela gestão de áreas protegidas (hoje foi incorporado ao INEA). No mesmo ano, a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro - ALERJ criou o PESET através da Lei nº 1.901, de 29 de novembro de 1991.

Na gestão do prefeito Rodrigo Neves, avançamos ainda mais com a criação do programa Niterói Mais Verde, que criou o Parque Natural Municipal de Niterói - PARNIT. A cidade alcançou uma cobertura de mais de 50% do território de Niterói protegido por unidades de conservação. Um outro marco importante na agenda da conservação e recuperação de ecossistemas foi a criação do projeto e o início da implantação do Parque Orla de Piratininga Alfredo Sirkis, com uma concepção inovadora que ajudará a recuperar as lagoas de Piratininga e Itaipu.

Poluição da Baía: As fétidas fábricas de sardinha não fizeram a sua parte e fecharam. Devido à transgressão à legislação ambiental, sofreram as sanções da Feema, Ministério Público e diante da campanha dos ambientalistas acabaram por se inviabilizar. Na verdade, sucumbiram principalmente à própria precariedade gerencial e à destruição ambiental que elas mesmas causaram. 

Saneamento: Em 1999, a Prefeitura de Niterói, que contava apenas com 35% da população atendida por rede e tratamento de esgoto, decidiu romper com a empresa estadual de saneamento (CEDAE) e concedeu os serviços de água e esgoto para a Concessionária Águas de Niterói. Hoje, estamos dentre as melhores cidades do país em saneamento e estamos nos aproximando da universalização da coleta e tratamento de esgoto.

Enseada Limpa: A partir de 2013, quando fui eleito para o cargo de vice-prefeito junto com o prefeito de Niterói, Rodrigo Neves, demos início ao programa Enseada Limpa e avançamos de cerca de 15% de balneabilidade nas praias de Jurujuba, Charitas, São Francisco, Icaraí, Flechas, Boa Viagem, Adão e Eva, e chegamos a alcançar o índice de 65%. Mostramos que despoluir a Baía de Guanabara é possível e que a nossa enseada será a primeira cidade a ser recuperada.

Ciclovias: quando reivindicávamos ciclovias na década de 1980, ouvíamos dos críticos e céticos que essa ideia jamais vingaria em Niterói, pois nosso clima era muito quente e o relevo montanhoso desestimularia os ciclistas. Em 2013, como vice-prefeito, com o apoio do prefeito Rodrigo Neves, criamos o programa Niterói de Bicicleta. Hoje, a cidade já conta com 40 km de ciclovias e está licitando mais 60 km na Região Oceânica. Graças ao túnel Charitas-Cafubá, que conta com ciclovias nas duas galerias, atualmente o ciclista de Niterói já pode pedalar de Itaipu à Zona Norte no plano. 

O ciclistas tomaram as ruas da cidade, quintuplicando o número de bicicletas em Niterói entre 2015 e 2019. A cidade já é considerada uma das mais amigas da bicicleta e ostentamos o título da cidade com a maior proporção de mulheres pedalando.

Lagoas de Piratininga e Itaipu: A criação do MORE ocorreu num momento de pico no processo de degradação das lagoas de Piratininga e Itaipu, cuja destruição ganhou mais velocidade a partir da década de 1970, embora a raiz do processo de degradação remonte há cerca de 80 anos. Ao longo do processo, verificaram-se algumas tentativas tímidas de recuperação por parte do poder público, baseadas principalmente em ações paliativas, com poucos resultados. 

Na atual gestão da Prefeitura de Niterói, desenvolvemos o Programa Região Oceânica Sustentável - PRO Sustentável, que inclui a implantação do Parque Orla de Piratininga Alfredo Sirkis, e outras medidas voltadas para a recuperação das lagoas de Piratininga e Itaipu. 

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Como se vê neste longo processo histórico, a causa ambiental requer perseverança e muita fé no futuro. As mudanças começaram a ocorrer de fato após a chegada de dirigentes públicos com compromisso com a sustentabilidade e capazes de priorizar, finalmente, estas ações. 

E Niterói precisa seguir em frente neste rumo que teve a inspiração num processo que teve início numa singela manifestação ocorrida há exatos 40 anos atrás, mas que rendeu frutos.

Por uma Niterói cada vez mais próspera, sustentável, progressista e socialmente justa.

Axel Grael



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