segunda-feira, 13 de outubro de 2014

‘O petróleo não é passaporte para o futuro’, diz o engenheiro florestal Tasso Azevedo


Fôlego de montanhista: Tasso Azevedo diz que quando sobe uma montanha já desce pensando numa mais alta, e aplica isso às metas ambientais - Gabriel de Paiva / Agência O Globo


Ele criou o Sistema Florestal Brasileiro e hoje é um dos coordenadores do Observatório do Clima, rede de 30 ONGs que monitoram mudanças climáticas

por Renato Grandelle

Para Tasso Azevedo é impossível evitar o desmatamento combatendo apenas o corte de árvores. O aumento da temperatura global já provoca queimadas, diminui a absorção de carbono, seca a atmosfera e impede a chegada de chuvas no resto do país. O governo, no entanto, insiste em medidas ultrapassadas, segundo ele: não dá conta da invasão de terras sem dono na Amazônia, recusa-se a assinar um acordo global que pretende evitar a devastação da floresta. Além disso, retoma o investimento em combustíveis fósseis, condenando as energias renováveis a investimentos irrisórios. O país, acostumado com elogios nos fóruns internacionais, não renova suas metas contra emissões de gases-estufa e assiste com indiferença outros países aumentarem seus esforços no combate à poluição da atmosfera.

Em entrevista ao GLOBO, o engenheiro comenta o “barco furado” em que o Brasil se meteu, a opção do país em investir em fontes de energia do século passado e propõe alternativas para que se reduzam em até 60% as emissões de CO2 nas próximas décadas.

Depois de quatro anos em queda, o desmatamento na Amazônia cresceu 29% em 2013. O que aconteceu?

Isso ocorreu porque não inovamos na área de combate ao desmatamento. Toda política pública funciona em um determinado contexto, quando mudam as situações, precisamos criar novos instrumentos. Mas não mudamos nada há dois ou três anos. O problema é que, agora, estamos nos orgulhando porque o desmatamento caiu para 500 mil hectares por ano. Isso equivale a dois campos de futebol por minuto. Ninguém pode se acomodar com isso.

O que precisa mudar?

Uma medida importante é reconhecer terras indígenas e definir a área das unidades de conservação. É uma forma fundamental de proteger a floresta, e que foi totalmente ignorada nos últimos anos. A Amazônia tem entre 60 milhões e 80 milhões de hectares não destinados, ou seja, áreas públicas cujo uso não foi definido. Este é basicamente o ponto de maior exposição ao desmatamento: a briga por estas regiões, que poderiam, por exemplo, ser usadas para alguma atividade econômica sustentável. Precisamos facilitar ao máximo a vida de quem quer desenvolver um empreendimento com produtos florestais, ou trabalhar com turismo. Se estimularmos estas medidas, sustentaremos a floresta.

Na Cúpula do Clima, realizada no mês passado, o Brasil se recusou a assinar um documento que previa reduzir pela metade o corte de florestas até 2020 e zerá-lo até a década seguinte. O governo alegou que não foi consultado durante sua elaboração. Foi uma decisão acertada?

Foi muito infeliz. Primeiro, porque nem tudo na vida só é válido porque você construiu. O governo deveria olhar o documento e avaliar se aquelas medidas seriam boas para todos. E, de acordo com o texto, o poder público não trabalharia sozinho. Teria a contribuição de empresas, das ONGs e do terceiro setor.

Mas o governo também argumentou que alguns compromissos estabelecidos no documento eram incompatíveis com o nosso Código Florestal.

Esta resposta foi ainda mais absurda. Os países teriam metas voluntárias. Não existe confronto com a lei.

O senhor foi o primeiro presidente do Serviço Florestal Brasileiro, criado em 2006. Em três anos no cargo, o que aprendeu?

Sou um engenheiro florestal. Para uma pessoa da minha área, comandar um órgão como este é o maior sinal de prestígio. Mas eu me senti impotente. Parecia que estava enxugando gelo. Aprendi que não adianta combater apenas o desmatamento. Se não estudarmos as mudanças climáticas, vamos perder a floresta do mesmo jeito.

As mudanças climáticas já são visíveis na Amazônia?

Fico aflito porque elas podem chegar à floresta muito antes do que imaginávamos. O aumento da temperatura média e o desmatamento diminuem a umidade presente na atmosfera. Com isso, a mata fica mais vulnerável a queimadas. Isso já ocorre em diversas regiões do mundo, como a Austrália, Indonésia, até mesmo na Região Centro-Oeste. Então, mesmo que deixássemos de devastar o bioma, o fogo poderia destruí-lo. E isso afetaria todo o país, porque vem da Amazônia a umidade que provoca chuvas no Centro-Sul e enche nossos reservatórios.

Em 2009, o Brasil impressionou o mundo ao assumir um compromisso de redução de emissões de CO2 em quase 40% até 2020. Mas o senhor não está satisfeito com nossa postura. Por quê?

Foi um acordo importante, mas vale até 2020. E o Brasil está muito tímido, até conservador, sobre o que fará a partir daí. Nosso discurso é a análise das emissões históricas, isto é, as nações desenvolvidas, que poluíram mais antes, têm que poluir menos agora. Acontece que isso não é suficiente, porque a maioria das emissões atualmente vem dos países em desenvolvimento. Todos nós estamos em um barco furado e não adianta perder tempo apontando quem fez o furo. Se o Brasil apresentar uma meta ambiciosa, pode inspirar outros governos a fazerem o mesmo.

Qual seria esta meta?

Hoje, o Brasil emite 1,5 bilhão de toneladas de CO2 por ano. Devemos diminuir esta marca nas próximas décadas. Em 2050, podemos liberar, no máximo, 500 milhões de toneladas de gases-estufa.

Mas atualmente o Brasil tem 200 milhões de habitantes. Em 2050, seremos 233 milhões, mais pessoas para emitir gases-estufa. Ainda assim, seria possível cumprir a meta que o senhor propõe?

Claro. Nossa população era menor na década de 1990 e cada brasileiro emitia, em média, 15 toneladas de CO2 por ano. Hoje, emitimos metade disso.

E como fazer isso?

A frente mais óbvia é o desmatamento, que corresponde a um terço das nossas emissões. Além de definirmos como usaremos as terras do governo, precisamos recorrer aos satélites. Há dez anos nós os usamos para detectar a devastação da Amazônia. No começo, identificamos áreas derrubadas de grande porte. Agora, elas são menores, mas ainda há várias em toda a floresta. Se conseguirmos preservá-la, a mata cresce e absorve cada vez mais CO2. Com isso, também reduzimos a influência das mudanças climáticas.

A agropecuária costuma ser considerada uma atividade econômica poluente. Ao mesmo tempo, ela é fundamental para o desenvolvimento do país. Como “limpar” este setor?

Já existem produtos disponíveis a baixo custo que substituem o fertilizante nitrogenado, que é a principal fonte de emissões de CO2 na agricultura. Quanto à pecuária, é importante investir em um plano de manejo, porque ela pode ocupar uma área muito menor do que a atual.

O Brasil é sempre elogiado nos fóruns internacionais porque nossa economia é baseada em hidrelétricas, uma fonte de energia renovável. O senhor, no entanto, tem restrições.

As emissões do setor elétrico subiram 126% entre 1990 e 2012. Cinco anos atrás, nos comprometemos a retomar o etanol, investir no biodiesel e diminuir o consumo de gasolina. Fizemos o contrário. Até 2010, o país praticamente não comprava gasolina. No ano passado, nós importamos 2,5 bilhões de litros. As termelétricas à base de combustíveis fósseis também são uma fonte crescente de emissões. Tivemos que apelar para elas, porque estamos vivendo um período de crise energética.

E não há investimento em energias renováveis?

Temos o maior potencial do mundo para a geração de energia solar, eólica e de biomassa. Elas receberão US$ 20 bilhões em investimentos nos próximos dez anos. O petróleo, por sua vez, ganhará US$ 700 bilhões no mesmo período. Ele é considerado uma solução econômica para o país. O Brasil acredita que o combustível do século passado é o seu passaporte para o futuro. O petróleo não é passaporte para o futuro. É como se alguém, em 1990, dissesse que o computador era muito caro, e que o mundo continuaria usando a máquina de escrever.

Mas se este é o planejamento para os próximos dez anos, não podemos nos livrar do petróleo tão cedo.

Não acredito que os combustíveis fósseis deixarão totalmente a nossa economia. Eles ainda serão usados no futuro, mas para atividades muito específicas. Até lá, porém, o petróleo deve financiar e viabilizar nossa transição para um futuro de fontes de energia renováveis.

Por que, ainda assim, somos mencionados como um exemplo para outros países, como China e EUA, os maiores emissores de gases-estufa do mundo?

A China e os EUA estão evoluindo mais do que o Brasil. Ambos estão tomando medidas para diminuir a liberação de CO2. Os EUA criaram uma regulamentação que praticamente inviabiliza o uso de carvão nas termelétricas. Além disso, o investimento em energia solar é muito superior ao nosso. A China foi uma das maiores surpresas da Cúpula do Clima, porque o seu primeiro-ministro disse que o país divulgaria, nos próximos meses, em que momento Pequim atingiria o pico de suas emissões de CO2, e isso seria antes de 2030.

Não parece uma meta ambiciosa...

Mas é, porque ninguém tinha a noção de quando eles atingiriam o topo das emissões. Este é o modelo chinês: se eles sabem quando chegarão ao ponto máximo, também sabem como reverter. Quando a China resolveu replantar florestas, em três anos ela tornou-se o país com melhor desempenho neste quesito. Hoje, eles recuperam de três a quatro milhões de hectares por ano de área verde. O Brasil é o segundo no ranking, e reflorestamos 700 mil hectares anuais.

Considerando os índices de desmatamento, o senhor não parece achar que seja suficiente.

Sou montanhista. Quando chegamos no alto de uma montanha, ficamos satisfeitos, mas já descemos pensando em uma montanha mais alta. Este deve ser sempre o nosso espírito

Fonte: O Globo


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