quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Rãs podem ajudar cientistas a compreender o aquecimento global


Rã da espécie Adenomera marmorata: alguns anfíbios são considerados 'biomarcadores' (Foto: Divulgação/UFRRJ)

Paul Jürgens

O aquecimento global tem mobilizado pesquisadores e ativistas, preocupados com as suas consequências para o planeta, como a elevação do nível dos mares, que pode precipitar o desaparecimento de cidades e até de países, no caso das Ilhas Maldivas e do Arquipélago de Tuvalu. Uma alteração significativa no nível dos oceanos poderá influir de forma acentuada na distribuição de diversas espécies de animais, plantas e ambientes pelo planeta, que poderão ficar "ilhados" ou, em casos mais graves, ter os seus habitats extremamente modificados e até mesmo extintos. De acordo com hipótese levantada por estudo realizado na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), diversas espécies de anfíbios que habitam ilhas da Região Sudeste do País, nos litorais dos estados do Rio de Janeiro e São Paulo, podem ter ficado isolados nas ilhas como resultado de um fenômeno parecido com aquele que agora temem os cientistas. 

"Há cerca de três mil anos, um evento de aquecimento global natural resultou na elevação do nível dos oceanos, alterando a configuração dos litorais no mundo inteiro, incluindo o Sudeste do Brasil. Evidências desse evento estão sendo estudadas por geomorfólogos e geólogos, e incluem linhas de praias mais interioranas e afastadas do litoral atual e restos de conchas de moluscos marinhos. Ao inundar as áreas de baixada litorânea, o mar fez desaparecer vários ambientes, então utilizados para sustentação e reprodução por espécies de anfíbios, como sapos, rãs e pererecas", diz o professor e pesquisador Hélio Ricardo da Silva, professor do Departamento de Biologia Animal da UFRRJ, um dos autores do estudo ao lado da doutoranda Gabriela Bueno Bittencourt-Silva. "Depois que o nível médio marinho retornou ao que hoje observamos, no continente essas áreas de baixada puderam ser recolonizadas por animais vindos de áreas mais ao interior do continente", diz o biólogo. "Nas ilhas, no entanto, isso não foi possível, por conta da barreira que o mar representa para os anfíbios – que não suportam nadar na água do mar. Como resultado, algumas espécies que são muito comuns no continente não são mais encontradas nas ilhas".

O estudo foi publicado no final do mês de julho no periódico científico PLOS|One. No artigo, que apresenta os resultados dos estudos sobre os efeitos da fragmentação do habitat de anfíbios e as mudanças no nível dos oceanos sobre comunidades de rãs em oito ilhas do litoral fluminense e paulista, Silva e Gabriela afirmam que a ausência, nas ilhas, de diversas espécies encontradas em áreas próximas, no litoral, é resultado de um processo de extinção seletiva, permeada pela perda da diversidade desses habitats. "Muitas espécies dependem, por exemplo, da presença temporária de corpos d’água para se reproduzir. Com o aumento do nível do mar, tanto nas ilhas como no continente, houve perda considerável de área em lagos, pântanos, brejos, charcos. No caso das ilhas, a perda foi ainda mais significativa em algumas delas, com a perda quase total dessas áreas", dizem os pesquisadores.


Pesquisadores em trabalho de campo na Ilha do Itanhangá, na Baía da Ribeira, em Angra dos Reis (Foto: Divulgação/UFRRJ)


As ilhas que tomaram parte no estudo foram, no sentido Sul-Norte do litoral, Ilha de São Sebastião, Ilha Anchieta, Ilha de Itanhangá, Ilha da Gipoia, Ilha Grande, Ilha da Marambaia e Ilha de Itacuruçá. A ocupação, por humanos, das ilhas data do início do século XVI, e, de modo geral, foi marcada por várias intervenções, como plantações de cana-de-açúcar e café, e locais de quarentena de escravos. Atualmente, a maioria das ilhas está parcialmente protegida como unidade de conservação, estadual ou federal.

De acordo com os pesquisadores, o estudo pode contribuir com subsídios para políticas públicas sobre os rumos a serem tomados caso se confirme o alerta lançado por cientistas sobre as alterações do clima da Terra. "Mudanças climáticas ocorridas no passado que causaram perdas de habitats e da diversidade de espécies nas ilhas podem nos ajudar a antecipar o que ocorreria nas diferentes comunidades de rãs espalhadas pelo litoral caso a temperatura do planeta continue efetivamente a subir", diz Silva, que desde o início dos anos 2000 vem se dedicando ao estudo de espécies de pererecas bromelígenas do grupo Scinax perpusillus, presentes na Mata Atlântica. O estudo contou com apoio da FAPERJ, por meio do programa Auxílio à Pesquisa (APQ 1), e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), agência de fomento à pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).

Sapos, rãs e pererecas, que pertencem à ordem dos anuros, fazem parte da cadeia alimentar e se nutrem de insetos e outros invertebrados, sendo, ainda, responsáveis pelo controle de diversas pragas. Bastante sensíveis às alterações no ambiente, eles são considerados "biomarcadores", ou seja, sua presença em um determinado ambiente indica que este está em equilíbrio ecológico.

Fonte: FAPERJ





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