sábado, 25 de outubro de 2014

Itaboraí tenta privatizar água e esgoto, mas Cedae barra licitação de R$ 461 milhões na Justiça



Cidade, que ganhou projeção graças ao Comperj, tem apenas 1% de seus imóveis com acesso a saneamento básico

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RIO — Cidade que ganhou projeção nos últimos anos graças ao projeto do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), que deve começar a operar em meados de 2016, Itaboraí está sendo palco de uma batalha envolvendo serviços básicos e cifras milionárias. No mês passado, a prefeitura local lançou uma licitação para conceder à iniciativa privada o fornecimento de água, a coleta e o tratamento de esgoto do município. O edital prevê investimentos estimados em R$ 461,5 milhões nos próximos 35 anos. Mas, antes que os concorrentes fizessem suas propostas, a Cedae entrou no meio do caminho e conseguiu, no início deste mês, na 3ª Vara de Fazenda Pública, uma liminar impedindo a realização do certame. O caso agora está nas mãos da presidente do Tribunal de Justiça, desembargadora Leila Mariano, que analisa os argumentos dos envolvidos, para decidir se a licitação continuará ou não.

Independentemente dos rumos que a licitação vá tomar, os números que constam no Plano Municipal de Água e Esgoto, documento elaborado pela prefeitura de Itaboraí em parceria com o Polo de Biotecnologia do Rio de Janeiro, que funciona na Ilha do Fundão, impressionam. Apesar de ter a perspectiva de enriquecimento graças ao advento do Comperj, a cidade, segundo o estudo, tem apenas 1% de seus imóveis com acesso a saneamento básico. A água da Cedae só abastece 29% da população de 227.168 habitantes. O restante ficaria restrito a poços artesianos improvisados ou carros-pipa.

— Aqui, a água é toda de poço, e a impressão que dá, às vezes, é que já está contaminada pelo esgoto. O cheiro é muito forte, não temos como beber essa água — comenta Cleonice Gomes, coordenadora social da Associação de Moradores do Bairro de Aldeia da Prata, que tem cerca de 9 mil habitantes e é cortado por dois canais que recebem dejetos sem tratamento.

CONVÊNIO NO CENTRO DA POLÊMICA

O prefeito anterior de Itaboraí, Sérgio Soares, renovou em 2012 o convênio existente de parceria com a Cedae para os serviços de água e esgoto por mais 30 anos. E é esse um dos principais argumentos da empresa pública para que a parceria não seja quebrada. Em 2013, porém, com a chegada de Helil Cardozo ao cargo, foi definido que o caminho seria a licitação para a iniciativa privada.

Juridicamente, ele se baseia num parecer da Procuradoria da Câmara dos Vereadores, que indicou a necessidade da aprovação de uma lei autorizativa pelo Legislativo para a renovação do convênio com a Cedae, o que não ocorreu na gestão anterior. Na terça-feira retrasada, Cardozo, que é do mesmo partido do governador Luiz Fernando Pezão, o PMDB, reuniu-se com o presidente da Cedae, Wagner Victer. A conversa teria sido em clima ameno, mas o impasse continua.

Além das questões legais, há uma disputa financeira envolvendo uma possível licitação. Empresa de capital aberto, a Cedae teme a possibilidade de perdas não só por parar de receber as tarifas, mas também porque o edital prevê que equipamentos que a empresa utiliza na captação e distribuição de água sejam usados pela futura concessionária. Recentemente, segundo o assessor jurídico da Cedae, Sérgio Pimentel, foram investidos, por exemplo, cerca de R$ 70 milhões na ampliação de uma Estação de Tratamento de Água (ETA), na localidade de Porto das Caixas. Do outro lado, Felipe Nogueira, assessor jurídico da prefeitura de Itaboraí, diz que cálculos feitos pelo município mostram que, com a cobrança de tarifas, a empresa já teria recuperado todos os investimentos feitos.

Caso a licitação vá adiante, a futura concessionária certamente terá de conviver com a Cedae. A captação de água para a população do município deve ser feita no sistema Imunana-Laranjal, usado atualmente pela empresa estatal para abastecer Itaboraí, São Gonçalo e Paquetá, além do repasse para a concessionária Águas de Niterói. Itaboraí não tem mananciais em seu território.

De acordo com o edital, que fixa uma série de metas para a futura concessionária, levará o contrato quem apresentar a melhor tarifa e o melhor projeto técnico. Mas as obrigações estipuladas não garantiriam melhorias imediatas para a população: no caso da água, por exemplo, o objetivo traçado é chegar a 80% de atendimento apenas daqui a 20 anos, em 2034. No caso do saneamento, a meta é atingir 60% dos imóveis em 2027. Com um porém: até chegar a 55%, o que está previsto para ocorrer em 2025, a concessionária não terá de investir nada. Todo o dinheiro sairá de compensações ambientais do Comperj, para as obras que serão tocadas pelo Poder Público.

Enquanto a situação segue indefinida, mesmo em áreas mais centrais da cidade, há quem pene atrás de água. Na região conhecida como Rio Várzea, a diretora da Escola municipal Francisco Luiz Gonzaga, Cláudia Ataíde, diz que recebe contas da Cedae de R$ 1,4 mil por mês em média, mas que, em quase dois anos à frente da unidade, o colégio nunca recebeu um pingo. Duas vezes por semana, um carro-pipa faz o abastecimento.
 
— Já vieram aqui no ano passado, falando sobre a instalação de um hidrômetro, mas não voltaram mais — afirma.

Entre os vizinhos da escola, o relato também é parecido. Moradora de região de Rio Várzea há 13 anos, a dona de casa Zoraia Marinho afirma que a água da Cedae tem dia certo para chegar. E só aparece uma vez por semana.

— Aqui é assim: a gente sabe que cai na segunda ou na sexta-feira. Quando cai na segunda, não cai na sexta, e vice-versa. Aí, temos que armazenar a água para passar o resto da semana — conta a dona de casa.

Mesmo em locais onde a água passa próximo, a falta de uma rede distribuidora adequada faz com que moradores admitam que apelam para ligações irregulares, os populares “gatos”. Um dos bairros onde o problema ocorre é o Gebara. Nos documentos anexos ao edital, a prefeitura de Itaboraí estima em 35% o índice atual de perda de água.

— A gente queria pagar conta da Cedae, mas não consegue. Então, faz “gato” mesmo. As pessoas vão e furam o cano. É assim que funciona. O problema é quando alguém faz um furo errado e dá vazamento. Aí, ficamos sem água dois, três dias, até a empresa ir lá consertar — diz um motorista de transporte alternativo, morador do bairro Gebara.

Paralelamente à disputa entre prefeitura e Cedae, este ano a Secretaria estadual de Obras contratou uma empresa para a elaboração de um projeto básico de abastecimento de água em Itaboraí e em todos os municípios no entorno do Comperj, mas informou que os trabalhos ainda não foram concluídos. Os sistemas de abastecimento de água e de tratamento de esgoto do próprio complexo estão a cargo da Petrobras.

PRIVATIZAÇÃO JÁ CHEGA A 17 MUNICÍPIOS

A polêmica em torno da concessão de água e esgoto à iniciativa privada não chega a ser novidade no estado. Em novembro de 1999, a concessionária Águas de Niterói só conseguiu assumir os serviços após decisão judicial e, no primeiro dia de operação, teve de contar com o apoio da PM para acessar o prédio-sede da Cedae no município. Antes, em 1998, a primeira a privatizar foi Petrópolis, também administrada pelo grupo Águas do Brasil.
 
Atualmente, há pelo menos 17 cidades no estado que realizaram a privatização dos sistemas de água ou esgoto. Um dos casos mais recentes foi o de Macaé, que acabou realizando licitação apenas para esgoto, fazendo acordo com a Cedae em relação ao abastecimento de água. Na capital fluminense, apenas o esgoto da Zona Oeste foi concedido à iniciativa privada.

Em Niterói, a concessão levou água tratada para 100% da população nos primeiros cinco anos de atuação. O tratamento de esgoto atende a 90% dos imóveis. A cidade ficou em 14º num ranking de saneamento entre as cem maiores cidades do país divulgado este ano pelo Instituto Trata Brasil. Petrópolis ficou em 29º. Por outro lado, Duque de Caxias e Nova Iguaçu, na Baixada, cujo serviço está com a Cedae, ficaram respectivamente em 93º e 95º lugar.

Fonte: O Globo 




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