Washington Miranda desistiu de trabalhar no comércio e agora atua como técnico em eletricidade - Custódio Coimbra / Custódio Coimbra |
RIO - Uma combinação de grandes eventos esportivos, expansão do setor de óleo e gás e a sofisticação de serviços está mudando a cara do mercado de trabalho no Rio. Prova disso é que a região metropolitana tem sido o grande motor da renda no mercado de trabalho local. Sozinha, responde por 80% do crescimento de 2,5% da renda média em agosto nas seis principais regiões do país (São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Salvador e Recife) na comparação com igual mês do ano passado. Não fosse o desempenho do Rio, o avanço médio das regiões nessa base de comparação seria de apenas 0,6%, calcula o economista e especialista em mercado de trabalho do Ibre/FGV Fernando de Holanda Barbosa Filho.
Desde abril do ano passado, o Rio já supera a renda média de São Paulo, e a diferença vem aumentando. Os contrastes não se limitam a isso. Se em vez do Rio fosse São Paulo a sair do mapa, a renda nas seis regiões até subiria mais: 3,6%. Segundo Barbosa Filho, enquanto no último ano o mercado de trabalho na região metropolitana de São Paulo vem se ressentindo da desaceleração do emprego industrial, no Rio, nunca houve um período tão aquecido.
— A tendência é que o Rio tenha um mercado descolado do resto das regiões até as Olimpíadas. No ano que vem, a produção de petróleo deve aumentar e a construção deve permanecer ativa. Mesmo com um ajuste da economia esperado no ano que vem (o que pode significar aumento da taxa de desemprego e queda na renda real), o rendimento não deve mudar no Rio — afirma o economista.
Em compensação, a inflação acumulada em 12 meses até setembro no Rio foi de 7,63%, o maior patamar entre as regiões.
Além do fôlego nos salários, o Rio conquistou em agosto a mais baixa taxa de desemprego entre as principais regiões, de apenas 3% em agosto (último dado disponível). Caso se exclua o Rio — o segundo maior mercado entre as seis principais regiões metropolitanas do país — da conta, a taxa de desemprego média subiria de 5% para 5,6%.
Para o economista do Ibre/FGV, os bons números do mercado de trabalho do Rio estão camuflando a desaceleração do mercado metropolitano brasileiro.
— A foto (da média das regiões) parece mais bonita do que realmente é — sintetiza Barbosa Filho.
Salários na construção: alta de 20,4%
A criação de vagas na construção civil vem crescendo bem acima da média nacional nos últimos anos, com obras da Copa, metrô, Zona Portuária, Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e BRT e lidera os avanços na renda dos fluminenses, com salários 20,4% maiores que no mesmo mês do ano passado.
A melhora no mercado já é sentida por Washington Miranda, de 33 anos, morador de Nova Iguaçu, que tem ensino médio completo e curso técnico em elétrica pelo Senai. Ele acaba de ser contratado pela Hochtief, empresa de construção, para trabalhar num canteiro de obras na Praça Onze. Lembra que quando começou a trabalhar no setor, em 2012, ganhava em torno de R$ 960, e hoje o ganho já chega a R$ 1.580.
— O mercado está muito aquecido, recebi outras propostas antes de começar aqui nessa obra. Meu currículo não é dos melhores, mas tenho bons cursos. Se tivesse inglês, teria muito mais oportunidades em multinacionais — afirma.
Por ora, Washington tem um uma rotina apertada de trabalho e estudos. Para chegar na obra às 7h sai de casa às 4h30m. Depois do trabalho, vai para a faculdade de engenharia elétrica, de onde sai às 22h30m. Ele vê recompensa no sacrifício e possibilidade de ascensão.
— Sempre gostei de elétrica, mas só me interessei mesmo quando comecei a trabalhar na área. O salário foi melhorando, e o interesse foi aumentando também. Hoje, estudo e trabalho com o que eu gosto — diz.
Segundo o coordenador de Trabalho e Rendimento do IBGE, Cimar Azeredo, grandes eventos esportivos como a Copa do Mundo, os Jogos Olímpicos e as eleições podem ter aberto oportunidades, especialmente para os trabalhadores da construção no Rio.
— O Rio é a grande porta de entrada para esses eventos. Na construção, um trabalhador que era pedreiro e fazia pequenos consertos, bicos foi para o canteiro de obras ou tem uma pequena empresa e agora presta serviços. Essa mudança nos últimos anos reduziu a oferta de mão de obra e aumentou os salários — afirma Azeredo.
Desigual: capital x periferia
A jovem Fernanda Couto, 24 anos, acaba de se formar como engenheira civil na UFRJ, e conseguiu ser efetivada na construtora OAS, onde estagiou. Trabalha na obra da TransOlímpica, via expressa que interligará o Complexo Esportivo de Deodoro à Vila dos Atletas, no Riocentro. Como engenheira júnior, uma espécie de trainee, ganha cerca de R$ 6.300 por 44 horas de jornada semanal e se diz satisfeita.
— Na engenharia, o que falta são engenheiros qualificados em áreas específicas. Faltam profissionais qualificados também em áreas como pedreiro e eletricista — afirma.
E a maior demanda na construção pode ter “roubado” trabalhadores também do comércio e ampliado salários, na opinião de Christian Travassos, economista da Fecomércio-Rio. Washington foi um dos que desistiram do comércio para trabalhar na construção. Depois de trabalhar por dois anos em uma loja de departamentos, optou por ser técnico em obras.
— Minha esposa continua trabalhando no comércio e dividimos as despesas em casa. Conseguimos pagar as contas de casa, minha faculdade, colégio para o nosso filho — afirma ele.
Em agosto, os salários no comércio do Rio subiram 12,1% na comparação com igual mês do ano passado, o segundo maior avanço na região. Segundo Travassos, a valorização dos salários no comércio é ainda mais longa. Entre 2007 e 2013, o piso dos trabalhadores do comércio no Rio subiu 117,2%, acima da renda média da região e do salário mínimo nacional e ainda 2,4 vezes a mais que a inflação.
— Os grande eventos têm um efeito de aumentar a demanda por trabalhadores no comércio, mas a construção civil está crescendo e precisa empregar pessoas, também diminuindo a mão de obra. Além disso, temos uma legislação mais amarrada no Rio, com um piso. Existe um descolamento no setor e os salários sobem de forma alheia à produtividade — avalia.
Para o economista Mauro Osório, da UFRJ, a principal explicação para o aumento da renda no Rio tão acima do resto das regiões está no fato de que, mais do que em qualquer outro lugar, os trabalhadores, em geral, têm optado por deixar o mercado de trabalho, o que também ajuda a diminuir a oferta de mão de obra. No comércio, onde um quarto dos trabalhadores são jovens, muitos têm saído, embora não tenham aumentado as matrículas em universidades.
— Houve uma queda brutal do desemprego no Rio, mas sem a geração de emprego — afirma.
Não se pode botar na conta apenas de grandes eventos o aumento dos salários no Rio, dizem especialistas. A indústria de transformação também tem contribuído para o aumento da renda do fluminense, com alta de 8,1% em agosto na comparação com igual mês do ano anterior, também o maior avanço entre as regiões.
— Há uma mudança no perfil da indústria de transformação no Rio de Janeiro, uma sofisticação dos setores ligados a petróleo e gás, como no caso da naval, e de uma série de serviços que surgem na cadeia e também têm se sofisticado — afirma Osório.
O economista lembra que a despeito dos bons indicadores, o Rio também divide de forma desigual o emprego, com muita concentração de vagas e salário na capital e fraqueza no entorno. Segundo a Relação Anual de Informações Sociais (Rais), a geração de vagas formais nos municípios que compõem a periferia da região metropolitana no ano passado cresceu apenas 2,4%. Já na capital, a alta chegou a 5,7%, e no interior do estado, a 6,1%.
— Aqui os trabalhadores moram na periferia e trabalham na capital, o que explica esse trânsito caótico. O Rio melhorou, se dinamizou, mas, ao lado dessa janela de oportunidade, é preciso investir em infraestrutura e em qualificação profissional para consolidar o ciclo virtuoso — afirma.
Fonte: O Globo
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