domingo, 16 de junho de 2019

Venda de terras na Amazônia pode gerar prejuízo de R$ 118 bilhões



Reserva ecológica no Amazonas: floresta sofre com ação de grileiros Foto: Marcelo Carnaval / Marcelo Carnaval


Preços do governo são inferiores à média do mercado; ruralistas defendem

Renata Vieira
BRASÍLIA — Um cálculo do Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) estima que a União pode deixar de arrecadar R$ 118 bilhões com a venda de terras públicas na Amazônia. A renúncia se deve à cobrança de valores inferiores à média de preços praticados pelo mercado na regularização de áreas ocupadas por posseiros.

A análise considera cerca de 20 milhões de hectares que o governo pretende destinar à regularização fundiária na região. São terras que não foram convertidas em unidades de conservação, terras indígenas ou assentamentos da reforma agrária — nem oficialmente transferidas à exploração privada. Segundo o estudo, o preço hoje pago ao governo federal por quem precisa regularizar áreas médias e grandes equivale a uma faixa de 25% a 33% do valor da área no mercado de terras.

De acordo com os pesquisadores, a diferença entre os preços de mercado e os cobrados pelo Incra, responsável pela regularização fundiária, tomou maiores proporções em 2017, quando a legislação passou a permitir que áreas ocupadas até dezembro de 2011 e com até 2.500 hectares pudessem ser tituladas. Até então, o prazo para regularização se restringia a ocupações de no máximo 1.000 hectares, até julho de 2008. Para quem ocupou até 2008, é possível ainda pagar de 10 a 50% de um valor mínimo tabelado pelo Incra.

— Isso cria um ciclo de estímulo a ocupações ilegais. O sinal é o de que dá para invadir e ser regularizado a preços irrisórios depois, e ainda lucrar com isso — afirma Brenda Brito, pesquisadora do Imazon. Ela explica ainda que a mudança na lei tem o impacto estimado de 1,6 milhão de hectares de incremento no desmatamento até 2027.

Na visão de técnicos do Incra ouvidos pelo GLOBO, fazer a regularização fundiária a preços de mercado na Amazônia é tarefa praticamente impossível. Isso porque boa parte dos ocupantes ali instalados é de pequenos agricultores, que migraram para a região entre as décadas de 1970 e 1980. Esse entendimento é uma das bases do Terra Legal, programa federal criado em 2009 com objetivo de promover algum ordenamento fundiário na Amazônia.

De lá para cá, o governo já destinou quase 14 milhões de hectares a algum tipo de uso. Cerca de 1,5 milhão de hectares foi titulado em nome de particulares, e o restante está categorizado como área de interesse do Ministério do Meio Ambiente e da Funai. Os órgãos, porém, não informaram o que será feito com essas áreas.

— Essa imensa quantidade de terra disponível e sem qualquer definição é um estímulo à grilagem — afirma Marco Antonio Delfino, procurador do Ministério Público Federal em Mato Grosso do Sul.

Compasso de espera

Em 2015, o Tribunal de Contas da União (TCU) apontou que quase metade dos beneficiários do Terra Legal apresentava algum indício de incompatibilidade com as regras do programa. Isso inclui o registro de áreas em nome de mortos e títulos concedidos a quem já tinha terra própria. O TCU apontou ainda a assimetria de preços e a incapacidade da União de monitorar as áreas e, assim, inibir a venda ilegal dos imóveis rurais a terceiros. Uma nova auditoria foi iniciada para verificar se as falhas permanecem.

Por ora, a titulação de terras na Amazônia está em compasso de espera, já que o Incra terá seu organograma redefinido pela reforma administrativa do governo. As diretrizes virão da Secretaria Especial de Assuntos Fundiários, criada pelo governo dentro do Ministério da Agricultura e comandada pelo ruralista Nabhan Garcia, presidente da União Democrática ruralista (UDR) até entrar para o governo Bolsonaro.

— Nosso trabalho é justamente para atender essas posses ocupadas por proprietários que compraram enganadamente, que foram vítimas de títulos fraudulentos. Aí ele se depara com uma terra da União, mas ele tem a posse — afirma Nabhan.

Na última quinta-feira, o deputado Lucio Mosquini (MDB-RO) lançou a Frente Parlamentar pela Regularização Fundiária. Segundo ele, a coalizão conta com 250 deputados que vão pressionar o governo a acelerar a concessão de títulos de terra para cerca de 300 mil propriedades, sobretudo na Região Norte.

— Alguns chamam de grilagem, mas é ocupação mansa e pacífica — afirmou.

Mosquini disse ainda que a Frente pretende encaminhar ao Congresso projetos de lei que modifiquem o sistema de vistoria do Incra nos imóveis rurais.

Entre 2017 e 2018, o desmatamento da Amazônia cresceu quase 14% na comparação com o período anterior. Em maio, o corte de floresta atingiu sua maior marca para o mês da história. Foram derrubados 739 km² de floresta, o que equivale a dois campos de futebol por minuto.


Fonte: O Globo










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