terça-feira, 11 de junho de 2019

COREIA DO SUL: Reflexões sobre uma história bem-sucedida de desenvolvimento econômico



Apresentando a proposta de parceria entre a KRIHS e Niterói. Foto KRIHS

Recebendo o certificado. Foto KRIHS

Axel Grael e Valéria Braga. Foto KRIHS

Axel Grael faz apresentação sobre políticas públicas em Niterói. Foto KHRIS.


Entre os dias 18 e 29 de maio, acompanhado da engenheira florestal Valéria Braga, subsecretária de Projetos Especiais da SEPLAG, visitei Seul, na Coreia do Sul, representando a Prefeitura de Niterói, a convite do Banco Interamericano de Desenvolvimento - BID. Após a visita a Seul, passamos por Dubai, onde aproveitamos para fazer outra visita, desta vez a convite da empresa IMAGEM, parceira da Prefeitura de Niterói e que desenvolveu o projeto do SIGEO NITERÓI.

Na Coreia, participamos de uma agenda organizada conjuntamente pela Korea Research Institute for Human Settlements (KRIHS), um "Think Tank" de planejamento territorial e desenvolvimento, vinculado ao governo coreano, e pelo BID. O evento foi denominado Academia de Desenvolvimento Urbano de KRIHS - BID (KRIHS - IDB Urban Development Academy - KIUDA) e reuniu onze representantes de diversas cidades e países latino-americanos.


Vista do Grand Hyatt Seoul. Em segundo plano, bairro mais tradicional, contrastando com regiões urbanas mais recentes e verticalizadas. Foto Axel Grael  


O Brasil foi representado pelas prefeituras de Niterói e de São Paulo. A capital paulista foi representada pelo arquiteto e urbanista José Armenio Brito Cruz, presidente da empresa pública SPUrbanismo, vinculada à Prefeitura de São Paulo, através da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano. Também estiveram na agenda em Seul, o ministro de Desenvolvimento Urbano e Habitação do Equador, Sr. Germán Xavier Torres Correa, além de Patricio Morera Víquez, vice-ministro de Habitação e Assentamentos Urbanos da Costa Rica, além de participantes do Chile, Colômbia, Costa Rica, República Dominicana e Equador. Também fizeram parte do grupo dois representantes do BID, tendo o Sr. Andres Blanco como especialista líder do banco.

Por parte dos coreanos, contamos com a participação de especialistas de:
  • KRIHS
  • Universidade de Sogang
  • Ministry of Land, Infrastructure and Transport - MoLIT
  • Korea Housing and Urban Guarantee Corporation - HUG
  • Korea Overseas Infraestructure & Urban Development Corporation - KIND
  • Korea Land and Housing Institute - LHX
  • Korea Land and Geospatial Informatix Corporation - LX

Anotações sobre a história da Coreia: educação e políticas públicas para o desenvolvimento

A Coreia do Sul é um país com uma história sofrida, mas também um exemplo de superação da pobreza e de políticas públicas de sucesso para o desenvolvimento.

Ao final da guerra civil (Guerra da Coreia: 1950-1953), o país estava dentre os mais pobres do mundo, com um PIB menor do que do Haiti. Cerca de 80% dos prédios estavam destruídos pelos bombardeios. Havia fome e desorganização social. O país se reconstruiu e tornou-se uma das mais fortes economias mundiais graças a um investimento massivo em educação, a adoção e o seguimento disciplinado de uma política de planejamento do desenvolvimento eficiente e continuada. 

Apresentamos, a seguir, um resumo com algumas anotações cronológicas sobre a história da Coreia. Daremos aqui mais atenção ao processo de reconstrução do país após a dominação japonesa e a Guerra da Coreia, cujos conflitos e bombardeios deixaram um legado de destruição de quase toda a precária infraestrutura que o país contava à época.

Vale observar a evolução da política de educação, a sua contextualização histórica e o seu impacto do processo de desenvolvimento econômico do país.



Palácio Imperial de Gyeongbokgung. Fotos Axel Grael


SOBRE A COREIA

Cronologia: educação e políticas públicas de desenvolvimento

2.333 aC: registros históricos que remontam às culturas pioneiras na península coreana.

(...)

1873: Japão inicia um processo gradual de dominação sobre a Coreia.

1910-1945: período de dominação colonial japonesa, que implanta um sistema segregado de educação: escolas atendiam prioritariamente aos invasores japoneses e seus aliados. Aos coreanos restavam as poucas escolas disponíveis.

1923: japoneses implantam uma universidade em Seul inspirada na Universidade Imperial de Tóquio. O número de coreanos autorizados a participar dos cursos nunca excedeu a 40% das vagas. As vagas restantes (mais de 60%) eram de expatriados japoneses.

1945: Americanos ocupam a parte sul da península coreana e influenciam a adoção do modelo escolar americano.

1945: nível de matrícula escolar inferior a 50% da demanda de alunos. O índice de alfabetização de adultos era de apenas 22%; em 1970 chegou a 87.6%, e no final da década de 1980 estimou-se em 93%.

1948: ONU promove eleições na Coreia.

1948, 15 de agosto: Fundação da República da Coreia (Coreia do Sul), com Syngman Rhee como presidente.

1948, 9 de setembro: Fundação da República Popular Democrática da Coreia (Coreia do Norte), com Kim Il-sung como Premier.

1948-1960: EDUCAÇÃO: Período da Reconstrução. Sistema compulsório, reconstrução da infraestrutura da educação.

1949: Lei da Educação Básica é implementada, banindo a segregação nas escolas e instituindo o sistema de 6 anos de educação compulsória, 3 anos de educação não-compulsória e 3 anos de nível "high school", também não compulsório.

1949-1953: O número de matrículas escolares tem um salto.

1950: Reforma agrária limitou a propriedade rural a no máximo 3 hectares. Em 1944, 3% dos proprietários possuíam 64% das terras. Em 1956, 6% dos proprietários eram donos de 18% das terras.

1950-1953: GUERRA DA COREIA. A guerra deixou 138 mil sul-coreanos mortos.

1953 (pós-guerra): As exportações sul-coreanas eram praticamente limitadas a arroz e perucas.

1956: Crise econômica. Balança comercial altamente deficitária. O país exportou US$ 25 milhões e importou US$ 389 milhões.

1958: Criação do Conselho de Desenvolvimento Econômico (Economic Planning Board - EPB). Jovens "tecnocratas" formados nas universidades do exterior são nomeados para compor o conselho. O EPB criou o modelo dos Planos Quinquenais (Five-Year Development Plans) que passou a reger o processo de desenvolvimento do país.

1960: Estudantes se rebelam e derrubam o regime autoritário do presidente Rhee.

1961: Um golpe de estado leva ao poder o general Park Chung Hee. 61% da população era rural.

1961: Park lança uma cruzada contra a corrupção e começa a perseguir os maiores empresários do país. Logo depois, aliou-se a eles, que ajudaram a desenhar uma política de empreendedorismo no país. Consolidam os Chaebols, conglomerados empresariais familiares. A maioria foi fundada nas décadas de 1950 e 1960 e ganharam força na década de 1980. 

1961: Política de planejamento familiar com foco prioritário para as zonas rurais. Entre 1966 e 1974, mantiveram uma campanha de esterilização de mulheres.

1961-1980: EDUCAÇÃO: Período da Educação para o Crescimento Econômico. Prioridade para a educação técnica vocacional. O principal desafio era a universalização da educação secundária.

1962: O Conselho de Desenvolvimento Econômico lança o primeiro Five-Year Development Plan, prevendo o crescimento econômico de 7,1% de 1962 a 1966, com uma forte prioridade para a indústria para a exportação. O resultado surpreendeu: a economia cresceu 8,9%.

1966: Criaram o Korean Institute of Science and Technology. Estimulou a educação tecnológica com a criação de escolas secundárias vocacionais e faculdades tecnológicas com cursos de dois anos.

1966: Profissionalização da burocracia do governo. Salários elevados e vantagens profissionais. Seleção por processo competitivo e promoção pelo mérito.

1967: O segundo Five-Year Development Plan. Prioridade para a atração de investimentos externos e infraestrutura. 

1971-1972: Criam o modelo "Saemaul", para modernizar a economia rural e vilarejos do campo

1972: Regime torna-se mais autoritário e inaugura o período do Heavy and Chemical Industry - HCI. Prioridade para seis indústrias: aço, química, metal, máquinas, naval e eletrônica.

1972 a 1982: Indústria do aço cresceu 14 vezes.

1973: Os Conselhos Escolares locais tinham os seus membros escolhidos diretamente pela população. A partir de 1973 a escolha dos membros passou a ser de responsabilidade do Ministério da Educação, no governo central.

1979 (outubro): Park assassinado

Década de 1980: Coréia alcança o segundo lugar em construção naval no mundo

Década de 1980: ensino secundário praticamente universalizado.

1981-2000: EDUCAÇÃO: a meta para o período é a universalização do ensino superior. Ênfase na descentralização, qualidade, autonomia, avaliação,

1986-1988: maior crescimento do PIB no mundo: 12 % .

1987: Democratização

1987-1988-1989: greves

2001 ao presente: EDUCAÇÃO: Período da reestruturação. Prioridade para "lifelong learning", educação competitiva para o mundo globalizado, fortalecimento do sistema de financiamento da educação

2009: Coreia investiu 5% do PIB em educação, ou seja, US$ 47,1 bilhões

2017: PIB per capita superior à média da Europa


IMPRESSÕES SOBRE A COREIA

A seguir, apresentamos algumas impressões que tivemos da visita à Coreia e das informações que obtivemos das várias palestras que foram ministradas pelos especialistas coreanos durante a programação:

  • TRAJETÓRIA: Como pode ser visto na cronologia acima, é impressionante o avanço social, econômico e tecnológico que a Coreia do Sul alcançou nas últimas décadas, após o período de dominação japonesa e a Guerra da Coreia, que separou o país em dois e destruiu a maior parte da infraestrutura do país. O país saiu do conflito assolado pela fome, com um baixíssimo índice de escolaridade e um dos PIB´s mais baixos do mundo. 
  • EDUCAÇÃO: A reconstrução do país e a transformação do país numa das maiores economias do mundo, foi possível graças a uma decisão acertada de investir maciçamente em educação, política esta que ao longo das décadas foi tendo a sua finalidade alterada da lógica da massificação para a da qualidade. 
  • PLANEJAMENTO: Além da educação, a adoção de uma metodologia de planejamento das políticas públicas, baseada nos "Five-Year Development Plans" e a determinação em executar o que estava planejado foram decisivos para o sucesso da evolução do país.
  • UM CHAMADO À AÇÃO: Tive a impressão que os dirigentes do país mostram uma obsessão por respostas e entregas rápidas na gestão pública. Obras são realizadas de forma muito rápida, como é o caso de um BRT que foi implantado em Seul em apenas três meses. A performance impressiona, mas não permite a comparação com a nossa TransOceânica em Niterói, pois não precisou de escavação de túneis, desapropriações etc. Na verdade, lá as coisas são facilitadas pelo eficiente planejamento das políticas públicas.
  • FRACASSOS: também me chamou a atenção como os coreanos lidam com naturalidade com eventuais erros das políticas públicas. Todos os palestrantes coreanos, nas suas apresentações, sempre incluíam uma parte sobre "Failures" (fracassos). Consideram o fracasso parte do caminho para se chegar ao sucesso. Um dos palestrantes foi perguntado sobre o que fizeram diante de equívocos admitidos no planejamento de algumas obras. A resposta foi: "demole-se e faz-se novamente...". Simples assim.
  • TECNOLOGIA: Uma das minhas prioridades na visita à Coreia era aprender com a experiência do país no tema das Smart Cities. Veja, a seguir, alguns exemplos:
    • SONGDO: Cabe destaque a visita que fizemos a Songdo, cidade construída a partir de 2004, como um empreendimento privado, sobre um aterro de 600 hectares, conquistados sobre o Mar Amarelo. A cidade localiza-se a 65 km de Seul e a 12,3 km do Aeroporto Internacional de Incheon. A cidade tem características futuristas, com arquitetura arrojada, serviços urbanos de alta tecnologia (o lixo doméstico segue através de dutos das residências e escritórios direto para uma central que gera energia) e uma infraestrutura logística, de comunicação e conectividade que a coloca entre as mais modernas do mundo. Com políticas de incentivos a empresas e de vantagens fiscais aos seus dirigentes (impostos reduzidos), já atraíram para o local algumas das maiores empresas de tecnologia mundiais, formando um poderoso hub de inovação e de tecnologia de ponta.
    • SEJONG: A cidade é oficialmente denominada Cidade Autônoma Especial de Sejong e localiza-se mais para o sul de Seul e mais central com relação à Península Coreana. Foi planejada e está sendo implantada para ser a nova capital administrativa do país. Foi concebida sob conceitos avançados de sustentabilidade urbana e de soluções tecnológicas para ser uma referência de Smart City.

Como desdobramento da viagem, a subsecretária Valéria Braga e eu estamos dedicados a construir uma parceria entre as instituições coreanas e Niterói, principalmente na área de tecnologia (*Veja observação abaixo).

(*) OBS: A parceria com o governo coreano consolidou-se na forma de um acordo de cooperação com Niterói para desenvolver um Plano Diretor de Cidade Inteligente para Niterói. Os trabalhos começaram (Kick Off Meeting) em dezembro de 2020.


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Enfim, o rápido relato que aqui faço é o registro das minhas impressões de um país com extensão territorial um pouco maior que duas vezes o tamanho do estado do Rio de Janeiro, sem terras férteis, riquezas minerais ou outros recursos naturais estratégicos, num período correspondente à minha própria vida (60 anos), saiu de uma situação de desastre econômico e social para uma realidade de uma das maiores economias do mundo, com um PIB per capita referente a mais de duas vezes ao brasileiro. A receita do sucesso? Educação, Planejamento, foco e disciplina na implementação dos planos e algo que falta no Brasil: UM PROJETO DE NAÇÃO!!!

O meu agradecimento ao Governo da Coreia do Sul e ao BID pela oportunidade de ter esta experiência, que certamente inspirará muito as minhas reflexões sobre as políticas públicas que ajudo a idealizar e a implementar no Brasil, em particular na cidade de Niterói

Axel Grael
Secretário
Secretaria Municipal de Planejamento, Orçamento e Modernização da Gestão - SEPLAG
Prefeitura de Niterói



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