domingo, 16 de junho de 2019

GLOBO RURAL: Conheça as Yarang, indígenas Ikpeng que coletam sementes para reflorestar fazendas no Xingu



Conheça as Yarang, indígenas que coletam sementes para reflorestar fazendas no Xingu


O Globo Rural acompanhou o 'trabalho de formiga' dessas mulheres, que abrem caminho no meio da floresta para catar sementes que vão recompor áreas desmatadas para o plantio de soja.

Por Globo Rural

As mulheres Ikpeng, do Parque Indígena do Xingu, em Mato Grosso, dominam um conhecimento ancestral sobre as árvores da floresta. Elas coletam sementes nativas e ajudam a recompor a natureza da região.

A reportagem do Globo Rural passou quatro dias dentro do território indígena, na casa do Instituto Socioambiental (ISA), que comanda o projeto de reflorestamento, para encontrar essas mulheres. Ela vivem na aldeia Moygu, distante um quilômetro do local.

Percebendo que o trabalho de coletar sementes nativas na floresta é semelhante ao das formigas, logo elas se denominaram Yarang, palavra que na língua ikpeng significa formiga cortadeira.

Os caminhos das formigas são limpos, como estradas bem cuidadas, chegam a ter um quilômetro de extensão. As Yarang também têm seus caminhos e sabem que, para ser uma coletora de sementes da floresta, é preciso compreender os sinais da natureza.

A manhã começa com a coleta da semente de amescla, na língua ikpeng, Txiworo. O espírito dono da árvore, é a abelha.

Na floresta, vive o espírito de cada árvore. Toda árvore é sagrada, toda semente é sagrada porque é filha da árvore. Quando as mulheres Ikpeng entram na floresta para coletar sementes, elas entram com todo o respeito de quem chega em um lugar sagrado.

Muitas vezes, na procura pelas sementes, encontram o espírito protetor ou da árvore ou da própria floresta, como a abelha, ou a lagarta.

As Yarang caminham longos trajetos pela floresta até chegar à próxima árvore. Elas catam as sementes para vender para o Banco de Sementes, que vai reflorestar fazendas da região. Mas deixam sempre uma parte para os animais, coletadores de sementes e multiplicadores de florestas, como elas.

Elas contam que, antes, colhiam todo tipo de sementes, mas passaram a se organizar para pegar apenas as espécies que forem encomendadas.

Cada espécie tem seu jeito de crescer e espalha suas sementes. O leiteiro da mata exige prática e alta habilidade. “Tem semente que a gente cata no chão, mas nesse caso precisa subir, porque quando cai ela abre a casca dura e a semente voa, tem asas, começa a voar”, conta Magaro Ikpeng, uma das líderes das Yarang.

Depois da coleta, as sementes vão para o beneficiamento. Para cada semente tem um tratamento específico. Raspar, tirar a película, descascar. Terminada essa tarefa, as líderes das Yarang, Magaro e Makawa, levam o material até a casa das sementes. Lá, elas são pesadas, registradas e armazenadas.

Depois, seguem viagem pelo rio Xingu. São 5 horas de barco, mais 5 horas de carro, totalizando 10 horas de viagem até Canarana.

As Yarang recebem 90% do que será pago pelo banco de sementes de Canarana, o resto fica para manter a Casa de Sementes dentro da terra indígena.

"Com o dinheiro que a gente recebe pela venda das sementes, a gente compra coisas que precisa na casa: panelas, coisas para os maridos buscarem alimentos para nós, para pescaria, para caçada, remédios para os nossos filhos", conta Makaua Ikpeng.

O boi que nunca veio

Em outra aldeia dos Ikpeng, Arayo, as Yarang estão plantando sementes e reflorestando uma área degradada.

Nada tem a ajuda de máquinas, tudo é manual. As Yarang misturam terra e as sementes para fazer a muvuca. Elas colocam os grãos na terra com cuidado e, depois, cobre com capim para proteger as sementes do calor excessivo.

Elas estão há dois anos fazendo um trabalho persistente das formigas na região: arrancando capim braquiária e plantando no lugar não apenas árvores, mas uma floresta. A braquiária é uma espécie invasora e, onde tem esse capim, dificilmente cresce outra planta.

"Aqui era roça, tinha plantio de banana e abacaxi. Aí vieram os brancos e falaram para a gente que iam trazer o boi. Para isso, precisava de comida para ele, então os brancos escolheram a área e plantaram capim. Mas nunca trouxeram o boi para comer esse capim", conta Kore Ikpeng, líder das Yarang.

O território indígena do Xingu é uma olha de floresta cercado, principalmente, de campos de soja. Atualmente, a bacia do rio Xingu, no estado de Mato Grosso, tem mais de 6 milhões de hectares de florestas desmatadas, ou seja: 40 vezes o tamanho do município de São Paulo.

Kore, líder das Yarang da aldeia Arayo diz que, quando era mais jovem, olhava a natureza imensa e pensava: nunca vai acabar. Com o passar do tempo, percebeu que vive numa ilha de floresta, que uma hora pode se esgotar.

"A preocupação agora não é só com a gente, mas com as futuras gerações. A gente tem medo que eles passem fome."

"A nossa forma de conhecer o meio ambiente é pelos sinais da natureza. Vê uma cigarra cantando, é porque vai chover. Vê uma borboleta, é porque vai acabar o período da chuva. Essas mudanças no clima fizeram com que as árvores ficassem irregulares: quando você vê muita floração, é sinal de que vai ter muita semente, mas essas sementes muitas vezes não viram fruta", conta o articulador indígena Oreme Ikpeng.

Apesar de viverem no meio da floresta, os indígenas perceberam a necessidade de replantar mais árvores, coisas que os antigos jamais imaginariam necessário. O Instituto Socioambiental (ISA), que trabalha no Xingu há 25 anos, apoia os indígenas na resistência em manter a floresta viva.

"Nós começamos esse trabalho para reflorestar a cabeceira do Xingu, porque as cabeceiras, os afluentes do Xingu, estão sendo desmatadas. Estão deixando ilhas de floresta na beira, é uma quantidade pequena de floresta na beira do rio. Não é floresta", diz Makaua.

A grande preocupação dos indígenas é proteger as águas do rio Xingu. E para cuidar dessa imensidão, tudo começa na menor medida da vida, nas sementes. E quando elas passam seguindo viagem, é como se novas florestas estivessem viajando pelo rio Xingu.

Na voz do cacique geral e pajé dos Ikpeng, Melobo Ikpeng, os mitos de criação do homem branco e dos indígenas estão vivos e fazem todo sentido.

Ele conta que as árvores são parentes dos indígenas, que eles se originaram dos troncos das árvores. Os brancos, vieram da sucuri grande. A cobra era como a casa, a maloca, dos brancos.

"Por isso a gente sempre pede: não desmatem a floresta, porque a floresta são nossos parentes, somos todos nós", diz Melobo.


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Fonte: Globo Ecologia









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