sábado, 22 de junho de 2019

Bicicleta é coisa de mulher: entenda como a emancipação feminina foi construída sobre duas rodas



A bicicleta deu liberdade as mulheres para se movimentarem pelo espaço público longe do controle dos homens. Para as sufragistas, ela possibilitou a atuação política em novos espaços Foto: Reprodução


Em fins do século XIX, veículo deu liberdade de movimento às mulheres, ajudando-as a conquistar o espaço público e ampliar o alcance do movimento sufragista

Bia Rohen*

A sufragista americana Susan B. Anthony costumava dizer que “andar de bicicleta fez mais pela emancipação da mulher do que qualquer outra coisa no mundo”. Não há registro de que ela tenha pedalado e, quando a bicicleta se tornou popular nos Estados Unidos, Susan já tinha mais de 60 anos, o que na época era impedimento para muita coisa, mas não para constatar que a movimentação social e cultural causada pelo veículo teve impacto na liberdade das mulheres. Inventada em 1817, a bicicleta se tornou um meio de transporte para as mulheres no fim do século XIX, contribuindo apra a expansão do movimento sufragista.

A publicitária Beatriz Beraldo, doutoranda em Comunicação pela PUC-RJ e professora do IBMR Centro Universitário, estuda a bicicleta como motor da emancipação feminina. Ela acredita que a publicidade em torno do veículo impactou a dinâmica familiar e fez barulho na sociedade:

— As marcas perceberam que as mulheres eram um público interessante e começaram a fazer anúncios com elas na bicicleta. Talvez as mulheres tenham pedalado primeiro nas ilustrações. A dinâmica de estar na publicidade e depois no mundo real é interessante para perceber como o consumo, de alguma forma, deu fôlego ao movimento por mais mulheres no espaço público sem supervisão masculina. Até então, se uma mulher era colocada em um trem, sabia-se onde ela iria chegar, o mesmo numa carruagem com um cocheiro. Esse controle é perdido com a bicicleta — esclarece a pesquisadora.

As primeiras bicicletas não eram feitas para as mulheres, o que não foi impedimento para que elas pedalassem. No entanto, foram necessárias adaptações no vestuário. A barra reta, que até hoje é colocada em alguns modelos de bicicleta, dificultava o uso de vestido. Surge, então, o modelo de calças chamado bloomers, que remete a uma peça do vestuário oriental, comum no Império Otomano.

As bicicletas específicas para mulheres surgiram algum tempo depois. Chamadas de ladies' safety, eram projetadas com a barra mais baixa, própria para pedalar com vestido e bloomers por baixo. A simplicidade de sua estrutura não oferecia vantagem, já que o modelo era produzido com material mais pesado para ajudar no equilíbrio. Para Beatriz, o modelo feminino tinha a intenção de frear a liberdade das mulheres. Em vão: elas continuaram a andar de bicicleta.

— Ao contrário do que defendia a engenharia do produto, alguns autores sugerem que "o material pesado para facilitar o equilíbrio" era uma tentativa de restringir o uso do veículo pelas mulheres. Como se a mulher pudesse pedalar, mas não para muito longe ou não o dia inteiro. O peso da bicicleta a deixaria cansada e ela não poderia se dedicar ao lar. Há artigos defendendo que o guidão da bicicleta feminina era mais alto do que o dos homens para que a mulher não ficasse muito empinada — destaca a professora.


Fonte: O Globo








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