Motivado por matérias publicadas nesse sábado sobre os avanços do saneamento de Niterói, faço aqui um depoimento oferecendo o meu olhar sobre a evolução de Niterói na agenda do saneamento, recuperação de ecossistemas e sobre a minha participação em etapas importantes destas bandeiras.
Niterói tem longa tradição ambientalista e de organização comunitária e tive a oportunidade de contribuir de diversas formas. Comecei a atuar como ambientalista em Niterói no final da década de 1970. Fundei organizações ambientalistas que, segundo muitos, marcaram época na defesa da causa e pude liderar ou dar contribuições em diversos episódios importantes.
Foram muitas décadas de atuação intensa, passando pela:
- criação do Movimento de Resistência Ecológica - MORE (fundado em 1980), do qual fui fundador e presidente.
- criação do Movimento Cidadania Ecológica - MCE (fundado em 1989), do qual fui fundador e presidente.
- Instituto Baía de Guanabara - IBG (fundado em 1993), do qual fui presidente. O IBG tem sede em Niterói.
- criação do Instituto Rumo Náutico - Projeto Grael (fundado em 1998), do qual fui fundador, com os meus irmãos Torben e Lars Grael e fui presidente.
Além destas organizações de atuação ou sede em Niterói, dentre outras, também tive as seguintes participações:
- ajudei a fundar o Instituto Preservale, fundado em 1994 e que atua pela proteção, fortalecimento e valorização do Vale do Café. Fui diretor da área ambiental do instituto.
- fui dirigente da Rede Brasileira Agroflorestal - REBRAF, fundado em 1990 pelo saudoso Jean Dubois, um belga de nascimento e de coração brasileiro, um dos maiores especialistas em engenharia florestal, com quem aprendi muito.
- fui dirigente da Fundação Brasileira pela Conservação da Natureza - FBCN, organização histórica do movimento ambientalista brasileiro.
- fui também vice-presidente da Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente - ABEMA, na gestão de Cláudio Roberto Langone (2001-2003). A ABEMA, fundada em 1985, reúne os órgãos ambientais dos estados.
Em paralelo a isso, e muitas vezes de forma concomitante, atuei na área ambiental também como dirigente na administração pública, como presidente do Instituto Estadual de Florestas - IEF, presidente da Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente - FEEMA, como subsecretário da Secretaria de Meio Ambiente do Estado do Rio de Janeiro. Na Prefeitura de Niterói, fui vice-prefeito, secretário da Secretaria Executiva e secretário da Secretaria Municipal de Planejamento, Orçamento e Modernização da Gestão (SEPLAG) de Niterói e como idealizador de várias políticas públicas no município de Niterói.
Não fui o único a seguir esta trajetória e ao longo desta longa atuação, convivi com importantes personalidades ambientalistas do passado, como Marcelo Ipanema, Dora Hees de Negreiros, João Batista Petersen, Omar Serrano e outros ainda atuantes, como Paulo Bidegain, Alba Simon, Katia Vallado, Katia Medeiros, Carlos Jamel e outros. Também cabe destaque a atuação de especialistas das universidades que ajudam a subsidiar as ações e profissionais do setor público que vêm tirando projetos esperados há tantos anos do papel.
Dentre estes profissionais, quero destacar alguns colegas da minha equipe de trabalho, como a geógrafa Dionê Marinho Castro e todos que compõem a Unidade de Gestão de Projetos - UGP / PRO Sustentável, a engenheira florestal Valéria Braga e tantos outros competentes profissionais que estão viabilizando os avanços de Niterói para a sustentabilidade. Também em outros órgãos fora da SEPLAG, como na SMARHS, SECONSER, CLIN, Águas de Niterói, Urbanismo, Defesa Civil, SMO/EMUSA e tantos outros.
São estas equipes que têm viabilizado projetos como o Niterói Mais Verde (implantação de Parques e recuperação de ecossistemas: elevou a cobertura de áreas protegidas a mais de 50% do território municipal de Niterói), PRO Sustentável (sustentabilidade para a Região Oceânica), Niterói de Bicicleta, Niterói Contra Queimadas, EcoSocial e o Enseada Limpa.
Mesmo na conjuntura atual de crise econômica paralisante, de falta de capacidade de investimentos do setor público, de escalada de um discurso anti-ambiental e anti-sustentabilidade, particularmente no governo federal, Niterói tem conseguido avançar graças a liderança do prefeito Rodrigo Neves que tem mantido a sustentabilidade no eixo condutor das políticas públicas da cidade.
Trajetória e militância
Na minha infância (tenho 61 anos), a Baía de Guanabara e a Enseada de Jurujuba (Saco de São Francisco) eram muito mais limpos, sem a poluição que vieram ao longo das décadas seguintes. A fauna era muito mais exuberante. Me lembro das velejadas com o meu avô, Preben Schmidt, no seu barco Aileen - ainda na família e muito bem cuidado pelo meu irmão Torben, quando víamos o salto das jamantas (um tipo de arraia bem grande) próximo ao Morro do Morcego, os enormes grupos de botos pela Baía de Guanabara. Também lembro bem dos cavalos-marinhos, caranguejos e os cardumes de mamarreis na frente do Rio Yacht Club (Sailing).
Na década de 1970, vimos a Enseada de Jurujuba ser tomada por uma gordura espessa e mal-cheirosa (cheiro de peixe podre) tomando as praias, principalmente São Francisco, Charitas, mesmo Icaraí. O mesmo ocorria nos clubes da orla da Estrada Fróes para onde os ventos levavam o "óleo de sardinha", que as indústrias de pescado do bairro de Jurujuba lançavam sem qualquer tratamento nas águas da enseada.
Em 1979, comecei a organizar manifestações contra a poluição das fábricas, que culminou com uma regata de protesto que reuniu cerca de 100 barcos nas proximidades de Jurujuba, que exibiam em suas velas frases de esperança pela Baía de Guanabara.
Em 1980, com a ajuda do meu paí Dickson Grael (que redigiu comigo o primeiro estatuto) e de um grupo de amigos, fundei o Movimento de Resistência Ecológica - MORE, tendo como primeira bandeira resistir contra a poluição da Baía de Guanabara e das "fábricas de sardinha". Com o apoio de jornais locais, em Niterói, (Luiz Antônio Mello e Jardel Ferre, jornalistas de jornais como o LIG, Opinião e Sete Dias eram os nossos porta-vozes) lançamos uma campanha que se chamava "Os tubarões da sardinha", mirando sensibilizar a Feema e os proprietários das indústrias a instalar equipamentos para o tratamento dos seus efluentes.
Leia: INEA fecha fábrica de sardinha: uma fétida lembrança de décadas atrás
Ainda estudante de engenharia florestal, mas muito motivado pelas causas ambientais, comecei a me aprofundar nos detalhes técnicos sobre o assunto e, em conversa com o engenheiro químico e velejador Ricardo Silveira, um dos fundadores da Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente - FEEMA, soube de um dado que me impressionou na época: a poluição das fábricas de sardinha (incluindo as que ficavam na Ilha da Conceição e na Niterói Manilha) correspondia a mais do que toda a carga orgânica que chegava à Baía de Guanabara através do esgoto de toda a cidade de Niterói. Um pouco mais de uma dezena de fábricas poluíam mais do que quase meio milhão de pessoas. É importante lembrar a precariedade do tratamento de esgoto da cidade naquela época, pois o tratamento de esgoto restringia-se a uma pequena parte da cidade. A informação virou o nosso mantra. Repetíamos à exaustão: "As fábricas poluem mais do que todo o esgoto produzido em Niterói!" (o saneamento de Niterói era muito precário naquela época).
Brigamos contra as fábricas por décadas e o problema resolveu-se da pior forma: todas as empresa fecharam. As fábricas mataram a galinha dos ovos de ouro e inviabilizaram a própria atividade. Sistemas simples e de baixa sofisticação (baseados em decantação) teriam resolvido o problema a baixos custos. É o que pregávamos.
Sem as fábricas, reduziu-se uma grande parte do problema, mas a escalada da poluição continuou com a falta de saneamento básicos em todas as cidades da Bacia da Baía de Guanabara. Em 1999, Niterói deu um passo importante para avançar na agenda do saneamento. Após uma disputa judicial com o estado, o município rompeu com a CEDAE, exerceu o seu poder concedente e contratou mediante licitação a Concessionária Águas de Niterói.
Saneamento
Os resultados do novo modelo de parceria com a iniciativa privada são evidentes: enquanto Niterói aproxima-se de alcançar 100% de oferta de rede de esgoto e tratamento de todo o esgoto coletado, e por isso, está estre as 10 melhores cidades do país em saneamento, conforme o ranking do Instituto Trata Brasil. Os municípios servidos pela CEDAE, avançaram muito pouco. A capital (Rio de Janeiro), que é o município mais populoso do estado, com uma população mais do que dez vezes superior à de Niterói, tem apenas cerca de 40% de esgoto coletado e tratado. São Gonçalo, Itaboraí, Caxias, Nova Iguaçu coletam e tratam menos do que 5% e estão estre os piores municípios do ranking do Instituto Trata Brasil.
Capa de O Globo |
Matérias na Editoria Rio. |
Desde 2013, o prefeito Rodrigo Neves atuou para reduzir os prazos para atingir a universalização do saneamento e renegociou o contrato com a concessionária Águas de Niterói. O resultado se consumará em 2020. Um dos grandes esforços no momento é promover a cooperação da população para que façam a conexão com de cada propriedade com a rede de esgoto. Isso é feito através do Programa "Se Liga" (desenvolvido pela Prefeitura, em parceria com Águas de Niterói e o INEA) e o programa "Se Liga na Rede", promovido pela Prefeitura e por Águas de Niterói.
Enseada Limpa
Matéria publicada neste sábado no O Globo e Extra (vide acima) mostram os avanços do saneamento em Niterói e as boas consequências no cotidiano das pessoas, com o sensacional aumento do número de clubes e praticantes de canoa havaiana na cidade, com uma maior concentração de clubes justamente na Enseada de Jurujuba.
Com o programa Enseada Limpa, Niterói rompeu o ceticismo quanto a possibilidade de despoluição da enseada diante de uma Baía de Guanabara tão poluída. No início do programa, em 2013, dizia-se que seria inútil tentar despoluir a enseada. Mostramos que era possível. De 2013 a 2018, avançamos de cerca de 15% de balneabilidade para mais de 60%.
Sempre acreditamos em resultados de enseada por enseada. Um programa amplo, a nível de toda a bacia hidrográfica da Baía de Guanabara é imprescindível, mas isso não impede que se avance com ações locais e de menor custo, desenvolvidos na escala do cidadão. Quando se fala que despoluir a Baía de Guanabara pode custar ainda mais de 20 bilhões de reais, muita gente se sente desestimulado de se envolver na causa. Quando se traz o problema para a escala local, de um pequeno rio, uma praia, ou enseada, a relação entre a causa do problema e os seus efeitos é mais evidente. Fulaniza-se o problema: a poluição vem da casa do fulano, daquela "língua de esgoto"... Sabe-se de quem, para quem e como reclamar.
PRO Sustentável
Com base nessas premissas, da importância da ação local, desenvolvemos o Programa Região Oceânica Sustentável (PRO-Sustentável), desenvolvido atualmente pela Secretaria Municipal de Planejamento, Orçamento e Modernização da Gestão - SEPLAG, com financiamento captado junto ao Banco de Desenvolvimento da América Latina - CAF.
Dentre os componentes do PRO Sustentável, estão várias ações inovadoras no campo do saneamento, como o Projeto de Renaturalização do Rio Jacaré, a implantação do Parque Orla de Piratininga - POP com todas as suas soluções de drenagem sustentável, as iniciativas para a despoluição do Sistema Lagunar de Piratininga e Itaipu,
Plano de Saneamento
Em atendimento à Política Nacional de Saneamento Básico, aprovada pela Lei 11.455/2007, a Prefeitura de Niterói está atualizando o seu Plano Municipal de Saneamento Básico - PMSB. De acordo com a legislação, o plano abrange distribuição de água, coleta e tratamento de esgoto, coleta e tratamento de resíduos sólidos e drenagem.
A iniciativa de Niterói ao atender ao chamamento legal para um Plano de Saneamento, vai muito além de apenas atender ao escopo das exigências da lei. Por estar próximo da universalização da coleta e do tratamento de esgoto, a cidade tem uma ambição muito maior.
Assim como ocorre em outras cidades que superaram a etapa do tratamento de esgoto (cá entre nós: uma agenda do século 19), Niterói pensa no passo adiante da implantação de redes de esgoto e tratamento de esgoto, que é lidar com novos desafios: drenagem.
Sempre cito o exemplo do programa de despoluição da Baía de Chesapeake, nos EUA e o comparo com a despoluição da Baía de Guanabara. Ambos os programas começaram na mesma época, mas na Baía de Guanabara, a ênfase sempre foi o saneamento básico. Em geral, na Chesapeake, o problema já tinha sido resolvido há muitas décadas. E eles estavam começando um programa de despoluição !
Mesmo com o esgoto tratado, a Baía de Chesapeake continuava com altos índices de poluição. O que faltava? Resolver o problema das fontes não-pontuais de poluição e a drenagem urbana.
Em conjunto com a conexão das propriedades com a rede de esgoto, a drenagem e a recuperação dos corpos hídricos da cidade (como estamos fazendo com o PRO Sustentável) serão as prioridades de Niterói após a universalização da coleta e tratamento do esgoto.
Vamos em frente!
Axel Grael
Coordenador Geral do PRO Sustentável
Secretário
Secretaria Municipal de Planejamento, Orçamento e Modernização da Gestão - SEPLAG
Prefeitura de Niterói
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LEIA TAMBÉM:
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