Bico-de-lacre colidiu em um painel de vidro da varanda de uma casa em Maricá (RJ): obstáculo muitas vezes fatal — Foto: Sávio Freire Bruno/Arquivo Pessoal |
Colisões em vidraças de prédios e residências são armadilhas para diversas espécies.
Por Fábio Gallacci, Terra da Gente
Um perigo quase invisível ameaça a vida das aves que circulam pelos centros urbanos. Comuns nos prédios comerciais e condomínios residenciais, as vidraças são obstáculos inesperados para os animais e têm provocado um impacto ecológico considerável. O choque contra elas mata, anualmente, cerca de 1 bilhão de pássaros apenas nos Estados Unidos e Canadá. Na Europa são 250 mil registros de mortes por dia. Isso torna as proteções de vidro a segunda maior ameaça à sobrevivência das espécies, uma armadilha fatal que desafia a conservação ambiental.
"Ainda que os dados aqui apresentados sejam preliminares e insipientes para avaliar a amplitude do impacto ambiental, eles determinam a existência de uma severa problemática que a não ser equacionada implicará em danos irreversíveis para o ecossistema amazônico".
— Odette de Araújo, veterinária
Como não poderia deixar de ser, o problema também existe no Brasil, apesar de não haver ainda um estudo mais amplo em relação a isso. Foi exatamente para contribuir com o debate que a veterinária e pesquisadora Odette Gonçalves de Araújo, do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (Inpa), apresentou recentemente uma pesquisa sobre o tema.
Tucano ferido em prédio no Rio de Janeiro: bico danificado, desorientação e, por fim, morte — Foto: Eduarda Melo/Arquivo Pessoal |
No levantamento - feito em seis regiões da capital amazonense, Manaus - foram selecionados onze prédios de alturas que variavam entre 1 e 17 andares. Nos locais foram obtidas autorizações para as visitas e coletas quinzenais in loco de possíveis vestígios de aves próximas às vidraças. O monitoramento ocorreu entre os meses de outubro de 2015 e abril de 2016. Nesse período foi registrado um total de 13 colisões, sendo que as aves coletadas foram identificadas e acondicionadas para análise posterior.
É um problema negligenciado (as mortes nas vidraças), que está muito longe do conhecimento da população. É preciso ter consciência da importância das aves.”— Odette de Araújo, veterinária
Das aves que colidiram, alguns foram identificadas como espécies endêmicas da Amazônia. Três pariris (Geotrygon montana), um pombo doméstico (Columba livia), seis rolinhas-roxas (Columbina talpacoti), uma limpa-folha-do-buriti (Berlepscia rikeri), um araçari-de bico-branco (Pteroglossus aracari) e uma espécie não identificável.
Após choque em prédio, o tucano não resistiu: situação que precisa ser discutida com mais profundidade no Brasil — Foto: Eduarda Melo/Arquivo Pessoal |
A vulnerabilidade destas aves na área urbana da cidade de Manaus também foi evidenciada na constatação da presença de bandos de Pteroglossus aracari – araçari-do-bico-brando, de Thraupis palmarum – sanhaçu-do-coqueiro, de Brotogeris versicolorus – periquito-de-asa-branca, Geotyrigon montana – pariri, sempre voando muito próximos as edificações alvos do trabalho da professora Odette. Outro fato relevante observado durante a coleta de vestígios de aves foi a presença de sementes encontradas nas fezes dos animais e aderidas aos vidros dessas construções, o que constata a aproximação periódica dos animais dessas estruturas.
No Brasil, apesar da colisão em vidraças ser frequente, os estudos sobre o assunto são escassos. As aves acidentadas apresentam fratura na coluna vertebral, traumatismo craniano e das asas, além de ficarem vulneráveis ao ataque de predadores."
— Sávio Freire Bruno, veterinário e professor da UFF
Visão
O sistema de visão das aves, o mais importante de seus sentidos por ser essencial para o voo, difere da humana pelo fato desses animais possuírem a percepção dos raios UV’s. As aves podem perceber o piscar da luz muito mais rapidamente que o olho humano. O movimento do Sol através do céu, que é imperceptível ao homem, é naturalmente percebido pelas aves e lhes permite uma orientação correta no espaço. Assim, as imagens naturais refletidas nas vidraças são percebidas como uma extensão do ambiente fazendo com que as aves comportem-se como se não houvesse uma barreira física, aponta o estudo de Odette. Daí a vasta possibilidade de impactos contra essas estruturas que, na maioria das vezes, causam lesões como o traumatismo cranioencefálico fatais a esses indivíduos.
Adesivo em vidraças da raia olímpica da Universidade de São Paulo: alternativa mais comum para evitar acidentes — Foto: Marcos Santos/USP Imagens |
As consequências desses impactos variam desde nenhum dano visível até uma fratura de ossos com sangramento superficial ou interno. Além de ficarem desorientadas pela batida, as aves podem morrer com hemorragia intracranial. Os indivíduos sobreviventes também mostraram hemorragias e paralisias que progrediram com o passar do tempo. Mesmo quando não sofrem danos maiores, muitas aves permanecem imóveis por longos períodos após o choque até restituírem condições para voar novamente.
"Entre a vida e o vidro": mensagem em adesivo colocado em condomínio de Campinas (SP): precaução — Foto: Fábio Gallacci/TG |
USP ainda analisa o impacto da instalação dos vidros sobre a rotina das aves locais: obstáculo invisível — Foto: Marcus Santos/USP Imagens |
O que fazer?
Sávio Freire Bruno, médico veterinário e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) lembra que há formas acessíveis para tentar minimizar os registros de acidentes. Uma dessas alternativas é fixar figuras que contenham a silhueta de falcões ou gaviões nas janelas de vidro. Essas figuras tem a finalidade de inibir a aproximação dos outros pássaros.
Por outro lado, o professor Augusto Piratelli, do Departamento de Ciências Ambientais da Universidade Federal de São Carlos, campus Sorocaba, considera que esses adesivos não são a melhor alternativa. Para ele, o uso desse método acontece mais por um costumo do que necessariamente eficiência.
Adesivos de pequenos círculos se espalham pelas janelas da UFSCar: nenhum registro de colisões de aves até o momento — Foto: Augusto Piratelli/Acervo Pessoal |
"Não é que não funciona, eles até diminuem um pouco a incidência (dos pássaros), mas não é eficiente. As aves não percebem essas silhuetas como uma ameaça. O objetivo é mostrar para elas que ali existe um anteparo e, para, isso existem coisas mais eficientes", afirma o professor.
Uma alternativa foi descoberta por um jovem canadense, que ao pesquisar a visão dos pássaros, observou que eles enxergam a luz ultravioleta. A partir dessa descoberta, ele fez um experimento confeccionando um adesivo à base de tinta ultravioleta contendo a figura de um falcão, que demonstrou eficácia na prevenção de acidentes. Existem outros produtos disponíveis no mercado visando o mesmo fim como, por exemplo, um equipamento que emite ondas de ultrassom em pequenos intervalos e que afasta as aves do local, lembra o professor Freire Bruno.
Uma alternativa foi descoberta por um jovem canadense, que ao pesquisar a visão dos pássaros, observou que eles enxergam a luz ultravioleta. A partir dessa descoberta, ele fez um experimento confeccionando um adesivo à base de tinta ultravioleta contendo a figura de um falcão, que demonstrou eficácia na prevenção de acidentes. Existem outros produtos disponíveis no mercado visando o mesmo fim como, por exemplo, um equipamento que emite ondas de ultrassom em pequenos intervalos e que afasta as aves do local, lembra o professor Freire Bruno.
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