domingo, 3 de setembro de 2017

CRISE E O LIXO: Sete mil toneladas de lixo têm destino irregular no estado do Rio



Meninos da Cidade de Deus caminham sobre barreira na Unidade de Tratamento de Rio do Arroio Pavuna: contenção impede que avalanche de resíduos chegue a lagoas da Barra. Jovens catam bolas em meio ao lixo - Agência O Globo / Alexandre Cassiano.


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Essa é a quantidade diária de detritos que vão para lixões e aterros controlados; áreas cresceram no estado

RIO - As margens da Baía de Guanabara — tomadas pela sujeira que fica visível na maré baixa, ou o voo de urubus sobre a populosa Belford Roxo ou a pequena Varre-Sai são sintomáticos. Todos os dias, o Estado do Rio dá destino inadequado a 6.785 toneladas de detritos que acabam em lixões e aterros controlados. Outras 204 toneladas sequer são coletadas e vão parar em encostas, rios, terrenos baldios e beiras de estrada. O resultado desse cenário degradante aparece nas estatísticas mais recentes. Pela primeira vez nesta década, as cidades fluminenses reduziram a quantidade de lixo que recebe tratamento adequado em aterros sanitários. Resumindo: se já não era ideal, a situação do descarte de restos e detritos de atividades de toda a natureza — de domésticas a industriais — piorou. Uma má notícia para o meio ambiente e a saúde pública do estado.

O quadro preocupante é traçado no Panorama de Resíduos Sólidos 2016, pesquisa nacional da Associação Brasileira das Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), lançada na quinta-feira. O estudo com dados sobre o Rio, que foram obtidos com exclusividade pelo GLOBO, revela que o estado, no primeiro trimestre deste ano, tinha 29 lixões, quando, há dois anos, este número era 17.

CRISE POR TRÁS DAS ESTATÍSTICAS

Segundo a pesquisa, em 2016, o Rio destinou 14.688 toneladas diárias de resíduos sólidos urbanos para aterros sanitários, o que equivale a 68,4% das 21.474 toneladas coletadas por dia. Em 2015, foram 68,6% ou 15.021 toneladas/dia. O dado do ano passado representa um retrocesso em relação à situação de 2014, quando foi registrado o mesmo índice, 68,4% (14.719 toneladas/dia).

— Os avanços vinham ocorrendo, embora a passos lentos. Agora, observamos uma curva contrária. E nosso grande receio é que isso se transforme numa tendência. O assunto resíduo sólido não é visto como prioritário na nossa sociedade. Diante da crise atual, foi uma das primeiras políticas sacrificadas pelas administrações públicas municipais. As prefeituras diminuíram os recursos para o setor, cortaram empregos, deixaram de pagar aterros sanitários e não hesitaram em reabrir os lixões. Mas percebemos que a população também não cobra uma reversão desse quadro — afirma Carlos Silva Filho, presidente da Abrelpe.




O percentual ainda está acima da média nacional de 58,4%, que equivale a 114.189 toneladas/dia. Mas, desde a implantação da Política Nacional de Resíduos Sólidos, em 2010, foi a primeira interrupção nos avanços que o Rio tinha conseguido fazer, com muita dificuldade, na destinação correta de seu lixo.

Só nos lixões a céu aberto, o Rio deixou 2.147 toneladas de resíduos sólidos urbanos, a cada dia, no ano passado. Outras 4.638 toneladas foram despejadas nos aterros controlados, em que há algum cuidado ambiental, mas igualmente considerados inadequados. Basta lembrar que o antigo Aterro de Gramacho tinha essa classificação. Foi nesses dois tipos de vazadouros — lixões e aterros controlados — em que pararam 31,6% dos resíduos sólidos coletados diariamente no estado em 2016. Restos que contaminaram, de ponta a ponta, o território fluminense, seja em municípios com vocações turísticas, como Angra dos Reis, em potências econômicas do interior, como Resende, ou em regiões extremamente populosas, como em áreas irregulares de Duque de Caxias.

Somada ao resíduo urbano não coletado — outra mazela grave que ainda precisa ser enfrentada —, a quantidade equivale a quase sete mil toneladas de lixo por dia, cerca de 80% do volume médio de lixo domiciliar e público que a Comlurb recolhe num período de 24 horas na cidade do Rio, que tem mais de seis milhões de habitantes.

Só na Região Metropolitana, estima-se que haja mais de 100 vazadouros clandestinos. No mês passado, no Noroeste Fluminense, prefeitos de cidades como Itaocara, Santo Antônio de Pádua e Aperibé se reuniram com o governador Luiz Fernando Pezão em busca de solução para os lixões da região e para o alto custo que representa para os municípios destinar o lixo para aterros, quase todos a muitas léguas de distância.

A capital não está livre do problema. Cenas dos estragos dessa omissão podem ser observadas, por exemplo, no Rio Pavuna, no limite com o município de São João de Meriti, na Baixada, onde garças disputam espaço com sofás, cadeiras, caixotes de feira e incontáveis sacolas de lixo. Ou o descalabro do entorno da Unidade de Tratamento de Rio (UTR) do Arroio Fundo, próxima à Cidade de Deus, na Zona Oeste. Lá, as barreiras da instalação “seguram” uma avalanche de sujeira que seguiria para as lagoas da Barra e de Jacarepaguá. Tanta sujeira que virou lugar de garimpo para crianças que moram ali perto.

— Chamamos este lugar de “Pega Bola”. A gente vem buscar as bolas que caem no rio quando brincamos na Cidade de Deus. Fica tudo misturado ao lixo — diz um dos meninos.

O presidente da Abrelpe considera que o Rio tem uma das situações mais graves do país, embora a estagnação se repita nacionalmente. O Brasil, como um todo, também reduziu o percentual de lixo destinado adequadamente — de 58,7% em 2015 para 58,4% em 2016. Tendência que se reproduziu na Região Sudeste, onde a queda foi de 73% para 72,7%. No que diz respeito ao total de resíduos enviado para lixões, apenas o Centro-Oeste conseguiu uma discreta melhoria, reduzindo a mazela de 21,7% para 21,6%. E nem a redução no lixo gerado diariamente pode ser comemorada. No Brasil, caiu de 218.814 toneladas para 214.405. E, no Rio, de 22.213 para 21.678 toneladas. Além de ter sido pequena, os motivos não foram possíveis avanços. Na verdade, estão mais ligados ao revés na economia.

— Observamos que essa queda está diretamente relacionada à diminuição do poder aquisitivo da população e à redução do consumo. Seria positiva se existissem outras ações em paralelo. Mas não há. Sobre a coleta seletiva e a reciclagem, por exemplo, há muito discurso e pouca prática. Estamos há muitos anos estagnados nesta questão — afirma Carlos Silva Filho.

INOVAÇÃO COMO SAÍDA

Pesquisador da Coppe/UFRJ, o especialista em gestão de resíduos sólidos Luciano Basto concorda com essa análise. Ele chama atenção para o volume diário que o Estado do Rio deixou de destinar para os aterros sanitários entre 2015 e 2016: foram 333 toneladas. Em média, seriam 9.990 toneladas a menos, por mês. Mas ele destaca outra questão: o Rio e o Brasil ainda tiram pouco proveito do potencial econômico das atividades de reciclagem. Basto lembra que, em 1987, a Comlurb aproveitava o combustível produzido a partir do lixo para abastecer sua frota de Kombis e um de seus caminhões. Na mesma época, a Cedae usava gás captado do esgoto para manter em circulação os ônibus da Companhia de Transportes Coletivos do Estado (CTC). Todas essas iniciativas, diz ele, foram abandonadas com o tempo:

— Trinta anos atrás, vivíamos algo como um “de volta para o futuro”. Éramos avançados na questão. Hoje, estamos atrasados em relação ao restante do mundo. Berlim transforma lixo orgânico em biometano. Os ônibus de Estocolmo usam biogás provenientes do esgoto. Aqui, há poucas iniciativas. Precisamos criar condições para que o lixo seja lucrativo.


Fonte: O Globo



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