terça-feira, 14 de março de 2017

Estudo investiga o colapso de sistemas naturais ou sociais


Representação de uma transição crítica. Devido a fatores adversos, o sistema S alcança a condição de baixa resiliência (faixa laranja). No ponto crítico C2, o estado dinâmico é finalmente destruído e o sistema é atraído para um estado alternativo. No entanto, a dinâmica desejável perdura de forma residual durante certo tempo (faixa azul) e pode mascarar o caráter irreversível de transição.



José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – A expressão tipping point, ou “ponto de virada”, nomeia a transição crítica em que um sistema dinâmico sofre uma mudança irreversível, a partir da qual se torna impossível voltar ao padrão anterior. O conceito, muito amplo, pode se referir tanto à extinção de uma espécie vegetal ou animal, ao esgotamento de um recurso hídrico ou ao colapso financeiro de uma instituição, entre muitos outros fenômenos naturais e sociais.

A simulação numérica de um tipping point, realizada pelo pesquisador Everton Santos Medeiros, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo, permitiu entender melhor as características desse ponto sem retorno e o que acontece com o sistema após sua ocorrência. O estudo foi comunicado no artigo “Trapping Phenomenon Attenuates the Consequences of Tipping Points for Limit Cycles” , publicado em Scientific Reports, em fevereiro de 2017. Medeiros é apoiado pela FAPESP com bolsa de pós-doutorado .

“Sistemas oceânicos, atmosféricos, ecológicos, econômicos e outros podem passar por transições desse tipo. O sistema sofre alterações graduais em seus parâmetros, até chegar a um limite em que uma pequena mudança causa transição abrupta e irreversível. O conceito de tipping point é conhecido na literatura. O que nosso estudo procurou investigar foi o que acontece logo após essa transição crítica”, disse Medeiros à Agência FAPESP.

Para modelar esse tipo de transição, o pesquisador idealizou um sistema dinâmico cíclico genérico. A opção pelo sistema cíclico deveu-se ao fato de grande parte dos fenômenos naturais exibirem comportamento recorrente, em função de estarem submetidos a forçamentos periódicos, como, por exemplo, a amplitude da insolação, associada às estações do ano.

“Então, adotamos um sistema dinâmico cíclico genérico, passível de ser descrito por uma equação diferencial simples. E fizemos uma simulação numérica, variando um dos parâmetros da equação, até chegar ao ponto em que o comportamento descrito por ela se extinguia no tipping point", descreveu Medeiros.

É importante considerar aqui a ressalva feita pelo professor Iberê Luiz Caldas, supervisor do pós-doutorado de Medeiros e coautor do artigo: “Nosso estudo não tratou de sistemas dinâmicos complexos, mas de sistemas dinâmicos simples que podem exibir comportamentos complexos. Isto é, de sistemas dinâmicos descritos por equações diferenciais não lineares que admitem soluções complexas”, afirmou. Esses sistemas foram bem estudados pelo grande físico, matemático e filósofo francês Henri Poincaré (1854 – 1912).

Uma característica marcante das transições classificadas como tipping points é sua natureza histerética. Ou seja, uma vez que o limite crítico seja alcançado e o regime dinâmico seja abruptamente destruído, sua restauração não é mais possível pela simples reversão da tendência que causou o colapso. A extinção de uma espécie animal, o ressecamento de um reservatório de água, o degelo de um grande glaciar seguem esse tipo de padrão histerético: alcançado o ponto sem retorno, o dano se torna irreversível.

“Mas o que o nosso estudo mostrou, e esta constitui sua maior contribuição, foi que, para certos fenômenos cíclicos, a dinâmica do sistema perdura por um certo tempo depois da transição crítica. E essa persistência pode mascarar a própria transição. Por exemplo, consideremos uma espécie em extinção. Tal espécie pode ter passado do ponto sem retorno e estar irreversivelmente condenada. No entanto, seus indivíduos continuam existindo e se reproduzindo na natureza. Esse efeito transiente esconde o fato de que, no longo prazo, a espécie já está extinta. Em nosso trabalho, por meio da simulação numérica, conseguimos observar esse efeito transiente posterior à singularidade que configura o tipping point", explicou Medeiros.

Dito de outra maneira: há um ponto de virada, a partir do qual os fundamentos do fenômeno sofrem uma mudança irreversível, mas, devido a uma espécie de “efeito residual”, o processo parece manter suas características originais durante uma fase transitória, mascarando a transformação ocorrida.

“O efeito transiente faz com que a mudança histerética seja confundida com a mudança gradual, passível de simples correção. A transição pode parecer suave, porém, na verdade, ser crítica. Nesse caso, a eliminação da causa não é suficiente para reverter o colapso do sistema”, complementou Medeiros.

“Nas situações reais, é difícil saber se o ponto sem retorno, o tipping point, já foi alcançado ou não”, comentou o professor Caldas. “Por exemplo, a Mata Atlântica, no trecho São Paulo – Santos, pode ser recuperada ou está irremediavelmente perdida? Como muita vegetação continua existindo na área, a impressão que se tem é a de que ela pode ser recuperada, por meio de iniciativas capazes de remediar os danos ocorridos. Mas será que pode mesmo? Será que essa vegetação remanescente não é apenas um efeito transitório incapaz de reverter o colapso da floresta no trecho mencionado? A lição trazida por nosso estudo é a de que é preciso tomar muito cuidado quando aparecem os sintomas de deterioração. Pois nem toda deterioração pode ser revertida um dia”, concluiu.


Fonte: Agência FAPESP









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