A Floresta Nacional do Jamanxim (Foto: Leonardo Milano/ICMBio). |
Nesta semana, o governo voltou à carga ao apresentar ao Congresso Nacional um Projeto de Lei que amputa cerca de 350.000 hectares da Floresta Nacional do Jamanxim, no sudoeste do Pará
15/07/2017 - 10h00 - Atualizado 17/07/2017 12h23
Áreas protegidas são o nome genérico que se dá a Unidades de Conservação (parques, florestas, reservas), terras indígenas e territórios quilombolas. São protegidas por lei as Reservas Legais e Áreas de Preservação Permanente. As leis que criam essas áreas podem ser federais, estaduais ou municipais. Já as outras categorias de áreas protegidas ocorrem apenas no âmbito federal, como os territórios indígenas.
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As áreas protegidas têm um papel importante na conservação da diversidade de vida existente, seja nas áreas terrestres ou marinhas. E já está mais do que provado que nessas áreas a natureza está bem mais cuidada que fora delas. Há mais carbono estocado, mais espécies da fauna e flora abrigadas de uma eventual extinção. Ao manter grandes áreas com vegetação nativa, as áreas protegidas tornam-se essenciais para manter em equilíbrio o regime hídrico, desde o provimento de chuvas até o abastecimento de mananciais que garantem a sobrevivência do homem – e dos demais seres – no campo e nas cidades.
É ainda nas Unidades de Conservação que são feitas importantes pesquisas que ajudam a ciência a avançar em busca de respostas para dramas humanos, como a cura de doenças ou os efeitos do aquecimento global para a vida na Terra. E, por falar em clima, os cientistas já comprovaram o papel que as florestas têm na regulação da temperatura local e mesmo em âmbito global. Tente imaginar-se vivendo em um deserto.
Sejam públicas ou privadas, as áreas protegidas também servem como fonte de lazer e recuperação da vitalidade para os seres humanos, dando a chance para que as pessoas possam descansar e contemplar junto à natureza. Também são estímulo aos que buscam na aventura uma fonte de inspiração a mais para seguir vivendo. Uma área protegida pode ser a referência cultural para povos e comunidades que têm nesses locais o espaço ideal para reverenciar a memória ancestral e cultuar o sagrado.
Criar e conservar as áreas protegidas é um dever do Estado brasileiro, previsto na Constituição Federal. Ter essas áreas protegidas é ainda um direito do cidadão. O Brasil assumiu internacionalmente junto à Convenção da Diversidade Biológica das Nações Unidas o compromisso de ter, no mínimo, 20% de todos os biomas (Amazônia, Cerrado, Mata Atlântica, Caatinga, Pampa e Zonas Costeiras e Marinhas) protegidos até 2020. E ainda falta muito para cumprirmos essa meta.
O Cerrado, que já perdeu mais da metade de sua cobertura vegetal nativa, tem menos de 8% protegido por lei federal. A Caatinga, cerca 7,5%. Na Zona Costeira e Marinha, o percentual é ainda menor: 1,5% apenas está protegido por lei.
E ainda há gente querendo reduzir as áreas protegidas.
O Brasil, além de viver uma crise política e econômica, passa por uma crise também no que toca ao futuro de suas áreas protegidas. É um paradoxo. O mesmo Estado que deveria assegurar o direito de todos a ter essas áreas protegidas está promovendo um desmanche nesses territórios essenciais para vida na Terra. Recente documento produzido pelo WWF-Brasil alertou para o fato de que o Brasil vive uma ofensiva sem precedentes às áreas protegidas.
Pressões para desfazer ou diminuir o tamanho ou o status de proteção de Unidades de Conservação estão sendo promovidas por integrantes do Congresso Nacional, sensível ao lobby dos setores ruralista e de mineração. E geralmente com apoio explícito de setores do governo federal. A ameaça paira sobre cerca de 10% do território das Unidades de Conservação federais, numa estimativa conservadora.
O ataque contra as áreas protegidas vai de norte a sul do país e envolve uma área de cerca de 80.000 quilômetros quadrados, quase o tamanho da Áustria ou de Portugal.
O conflito de interesses não é novo. De um lado, estão produtores rurais que ocupam irregularmente ou gostariam de ocupar essas áreas protegidas, empresas de mineração ou grileiros de terras públicas. De outro, o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc), que colocou o Brasil ao final da década passada na posição de líder mundial em extensão de áreas protegidas.
À medida que um dos lados ganha mais força, o impacto nas áreas protegidas pode resultar em mais desmatamento da Amazônia, com prejuízo às metas brasileiras para a redução das emissões de gases de efeito estufa na Convenção do Clima das Nações Unidas, além de implicar o desmonte do Programa Áreas Protegidas da Amazônia (Arpa) e ameaçar o cumprimento dos compromissos assumidos na Convenção da Diversidade Biológica (CDB).
Moeda de troca
Mas o governo esquece tudo isso e usa áreas protegidas estratégicas para a conservação e para evitar o avanço do desmatamento para transformá-las em moeda de troca por apoio político. Pois, nesta semana, o governo voltou à carga ao apresentar ao Congresso Nacional um Projeto de Lei (PL) que amputa cerca de 350.000 hectares da Floresta Nacional do Jamanxim, no sudoeste do Pará.
O novo projeto substitui a Medida Provisória 756, que transformaria 486.000 hectares da Floresta Nacional do Jamanxim em Área de Proteção Ambiental (APA), para beneficiar, principalmente, grileiros que ocuparam área de forma irregular. Essa MP chegou a ser vetada pelo presidente Michel Temer no mês passado depois de forte pressão internacional. Porém, ao anunciar o veto às vésperas da viagem de Temer à Noruega, o ministro do Meio Ambiente, José Sarney Filho, antecipou, por meio de um vídeo, que havia um acordo feito com os parlamentares da região. O corte na Flona retornaria por meio de um Projeto de Lei com anuência do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), gravou o ministro.
Promessa cumprida, o PL tramita em regime de urgência na Câmara dos Deputados, o que faz com que ele pule etapas e evite uma série de questionamentos a que um projeto comum teria de se submeter.
Com isso, prevalecem os interesses e os pleitos apenas dos parlamentares da Região Norte, ligados aos setores do agronegócio e mineração e ao interesse de grileiros que, em sua maioria, chegaram à região após a criação da área protegida, em 2006. Nenhum interesse público mais amplo entra nesse jogo.
É que no atual contexto político de um governo encantoado por graves denúncias, o presidente Temer precisa de votos para se livrar de um eventual processo por corrupção passiva, o PL é uma moeda de troca com a bancada ruralista. É o velho toma lá dá cá.
Mas tanto a Medida Provisória 756 quanto o novo Projeto de Lei sinalizam na mesma direção, incentivando novas ocupações, dando indicação clara de que basta ocupar áreas públicas que o governo sempre dará um jeitinho de regularizar a situação.
Enquanto isso, o futuro de nossas áreas protegidas segue ameaçado.
* Jaime Gesisky é especialista em Políticas Públicas do WWF-Brasil
Fonte: Revista Época
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