sexta-feira, 20 de julho de 2018

Interação com os Andes moldou biodiversidade da Amazônia, diz estudo



Cerro Frias com a cordilheira dos Andes ao fundo Foto: Bianca Pinto Lima/Estadão


Fábio de Castro, O Estado de S.Paulo

Grupo internacional de cientistas, com liderança brasileira, construiu modelo de simulação dos últimos 800 mil anos de evolução na América do Sul; presença da cordilheira gerou as condições para que continente abrigasse maior diversidade de espécies do mundo

A América do Sul abriga a maior biodiversidade do planeta, especialmente na Amazônia. Por muitos anos, os cientistas têm especulado sobre os processos que levaram ao surgimento de um número tão grande de espécies na região. A partir de simulações da evolução nos últimos 800 mil anos, feitas em sofisticados modelos digitais, um grupo de cientistas acaba de mostrar que a Cordilheira dos Andes foi a força propulsora da inigualável exuberância biológica do continente.

De acordo com Thiago Rangel, pesquisador da Universidade Federal de Goiás e primeiro autor do artigo publicado nesta quinta-feira, 19, na revista Science, a biodiversidade sul-americana foi determinada por um processo evolutivo movido por fatores geológicos, biológicos e climáticos.

Enquanto se alternavam longos períodos de glaciações e de aquecimento global na Terra, as espécies existentes se refugiavam do frio no interior floresta e subiam para os Andes nos períodos quentes.

"Os Andes são mais longa cadeia de montanhas da Terra e a única que atravessa os trópicos. Bem ao lado, a Amazônia abriga a maior floresta tropical e a maior bacia hidrográfica. Essa conformação geográfica única acabou produzindo também uma biodiversidade única", disse Rangel ao Estado.

De acordo com o cientista, por reunir uma imensa gama de condições climáticas, a cordilheira funciona como um "seguro contra mudanças do clima" para os animais e plantas.

"À medida que se sobe a montanha, vai ficando mais frio e há climas para todos os gostos. As espécies que estão próximas aos Andes podem mudar subir ou descer para acompanhar as mudanças climáticas de forma mais eficiente. Mas a cordilheira não é contínua e uma mesma espécie pode subir para diferentes montanhas, onde ficam isoladas por longos períodos. Quando elas descem, já houve diversificação e novas espécies surgiram", explicou.

Mata Atlântica. Segundo Rangel, não só a Amazônia, mas também a Mata Atlântica, bem mais distante dos Andes, deve sua enorme biodiversidade à presença da cordilheira.

"Nosso modelo mostra que os Andes e a Mata Atlântica têm uma parceria biogeográfica muito antiga. Nos períodos mais quentes, entre as glaciações, a Amazônia se expande gera uma conexão para que as espécies andinas migrem para a Mata Atlântica através do Pantanal e vice-versa", disse.

"Nos períodos glaciais, os trópicos não esfriam tanto, mas perdem umidade e o Cerrado é que se expande sobre a Amazônia e o Pantanal, isolando os Andes da Mata Atlântica . Com isso, as espécies que estão em cada lugar vão tomar rumos evolutivos independentes, gerando mais diversidade."

Clima ancestral. Produzir um modelo de simulação das mudanças na biodiversidade em 800 mil anos em escala continental não é uma tarefa fácil. Rangel tem trabalhado há 15 anos com esse tipo de modelagem, mas, além das limitações de poder computacional, os estudos esbarravam em um problema que parecia intransponível: a falta de dados sobre o clima do passado.

O problema começou a ser resolvido quando Rangel estabeleceu uma parceria com o grupo liderado por Robert Colwell, professor de biologia evolutiva da Universidade do Connecticut (Estados Unidos). "Há cinco anos, enfim, achamos as pessoas certas", disse Rangel.

Sob a liderança de Rangel e Colwell, dois paleoclimatólogos - especialistas em climas do passado -, Neil Edwards e Philip Holden, da Open University (Reino Unido), construíram um modelo paleoclimático único no mundo, que foi aplicado ao contexto da América do Sul.

"Já se falava há anos, na literatura científica, da possível importância dos Andes para a biodiversidade da Mata Atlântica e da Amazônia, mas só havia hipóteses com base na observação, em vez de teorias mais sólidas. O que fizemos foi diferente: pegamos toda a teoria disponível e construímos um modelo do zero, de baixo para cima. Isso nos permitiu manipular as condições para avaliar cenários hipotéticos, como se estivéssemos em um laboratório virtual", explicou.

Cordilheira 'deletada'. Com o modelo, os cientistas puderam estudar os complexos padrões de distribuição, diversificação e extinção das espécies ao longo de 800 mil anos, abrangendo os oito últimos períodos de glaciação.

"Os mapas de biodiversidade reproduzidos pelo modelo são incrivelmente parecidos com os mapas reais que atualmente mostram a distribuição de espécies de aves, mamíferos e plantas. Tudo coincide com a realidade", disse o cientista.

Em uma das simulações inéditas, os cientistas chegaram a remover os Andes da paisagem para verificar sua importância na formação da biodiversidade sul-americana. "Confirmamos que a cordilheira é mesmo fundamental. Sem ela, a biodiversidade seria muito mais pobre."


Fonte: Estadão













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