segunda-feira, 16 de julho de 2018

Proteger o carbono das florestas tropicais não garante conservação da biodiversidade



As florestas tropicais, como a Amazônia, são os ecossistemas com maior biodiversidade do planeta - Marcelo Ismar Santana / Divulgação



POR SÉRGIO MATSUURA

Estudo mostra que áreas com maior cobertura nem sempre são as mais ricas em espécies

RIO — A conservação de florestas tropicais está entre os pontos centrais do plano de combate às emissões de carbono e de contenção do aquecimento global, mas as estratégias focadas no carbono não se refletem na proteção da biodiversidade, alerta um grupo internacional de pesquisadores em artigo publicado nesta segunda-feira na revista “Nature Climate Change”. O risco é que com o clima em mutação espécies animais desapareçam, colocando em risco a própria existência das florestas e a manutenção das reservas de carbono.

"O risco é que com o clima em mutação espécies animais desapareçam, colocando em risco a própria existência das florestas e a manutenção das reservas de carbono".

— A biodiversidade e as mudanças climáticas estão inextricavelmente relacionadas com as florestas tropicais — apontou Jos Barlow, professor da Universidade Lancaster, no Reino Unido, e coautor do estudo. — O clima em aquecimento e as mudanças nos padrões das chuvas podem levar à extinção de muitas espécies tropicais. As florestas pobres em espécies eventualmente se tornarão pobres em carbono. Portanto, enfrentar a crise climática exige que tanto o carbono quanto a biodiversidade das florestas tropicais sejam protegidos em conjunto.

"As florestas pobres em espécies eventualmente se tornarão pobres em carbono. Portanto, enfrentar a crise climática exige que tanto o carbono quanto a biodiversidade das florestas tropicais sejam protegidos em conjunto".

As florestas tropicais são responsáveis por mais de um terço do carbono armazenado em terra. A matemática é simples: ao crescerem, as árvores retiram o gás da atmosfera e o armazenam em seu tronco, raízes, galhos e folhas. A estimativa é que cada hectare de floresta em desenvolvimento absorva entre 150 e 200 toneladas de gases do efeito estufa. Quando a floresta fica madura, ela continua servindo como um “depósito de carbono”. Por isso, o reflorestamento e a proteção das matas são vistas como uma estratégia economicamente viável de emissões negativas, com sequestro e armazenamento do carbono na atmosfera.

"A estimativa é que cada hectare de floresta em desenvolvimento absorva entre 150 e 200 toneladas de gases do efeito estufa".

Mas o desmatamento libera o carbono armazenado. Por esse motivo, bilhões de dólares estão sendo investidos para financiar projetos de proteção das florestas tropicais com foco na cobertura vegetal. Acontece que esses ecossistemas também são os mais ricos em biodiversidade do planeta, lar de mais de dois terços das espécies terrestres, mas as implicações para a diversidade das espécies nos projetos de conservação não eram claras.

"Se as florestas com mais carbono tiverem maior diversidade de espécies, a proteção estaria garantida. Mas nós descobrimos que nem sempre é isso que acontece".

— A nossa pergunta foi: será que conservar o carbono também vai preservar a biodiversidade? — explicou Joice Ferreira, pesquisadora do Embrapa e colíder do estudo. — Se as florestas com mais carbono tiverem maior diversidade de espécies, a proteção estaria garantida. Mas nós descobrimos que nem sempre é isso que acontece.


Quanto maior a árvore, maior o armazenamento de carbono - Rafael Forte / Divulgação

A equipe de pesquisadores brasileiros, europeus e australianos passou 18 meses medindo a quantidade de carbono e a riqueza de espécies de plantas, pássaros e besouros em 234 pontos da Floresta Amazônica. Dessa forma, foi possível comparar o nível de carbono e de biodiversidade entre ecossistemas afetados em diferentes intensidades pela ação humana, desde os praticamente intocados até áreas de florestas secundárias, recuperadas após desmatamento total.

"A equipe de pesquisadores brasileiros, europeus e australianos passou 18 meses medindo a quantidade de carbono e a riqueza de espécies de plantas, pássaros e besouros em 234 pontos da Floresta Amazônica".

Como esperado, quanto mais carbono, maior a biodiversidade em florestas em recuperação. Com o ressurgimento das matas, os animais retornam para ocupar o espaço perdido. Entretanto, nas áreas com menor impacto humano, essa relação nem sempre era presente. A descoberta é importante para guiar políticas de proteção ambiental. Como os recursos são limitados, os programas de conservação priorizam determinadas áreas. Dessa forma, o foco no carbono pode deixar de fora áreas com maior biodiversidade.

Os pesquisadores propõem um balanceamento entre o carbono e a biodiversidade. Modelos de computador apontam que é possível integrar a conservação da cobertura vegetal com a diversidade de espécies.

— Os nossos números mostram que é possível aumentar em 15% a proteção da biodiversidade, com perda de apenas 1% na conservação da cobertura vegetal — destacou Joice.


Do espaço é possível monitorar o desmatamento da Amazônia


Mas para isso, ressalta a pesquisadora, são necessários investimentos em monitoramento. Pelo interesse por causa das mudanças climáticas, os sistemas de mensuração da cobertura vegetal estão perto do ideal, com análise de imagens de satélite. Do espaço é possível estimar as áreas com maior concentração de carbono, o que não acontece com a biodiversidade.

— Num país com tanta diversidade como o Brasil, o monitoramento é essencial para protegermos essa riqueza. Sem uma avaliação detalhada, os programas de conservação podem priorizar apenas o carbono e deixar a biodiversidade de fora — pontuou a pesquisadora. — Mas o que vemos é uma redução dos investimentos em pesquisa, o fim das bolsas de pós-graduação, cortes e mais cortes nas verbas. Os programas para estudos da biodiversidade estão praticamente com recurso zero.


Fonte: O Globo













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