Golfinhos voltam a ser vistos no Arquipélago das Cagarras - Liliane Lodi / Liliane Lodi |
Ludmilla Lima
Desde 2011, pesquisadores do projeto Ilhas do Rio deixaram de vê-los na região
RIO — Uma das primeiras preocupações de boa parte das mulheres ao se tornarem mães é encontrar uma boa creche para o filho. Um lugar não só onde o bebê esteja protegido, mas que também reúna as condições necessárias para o desenvolvimento cognitivo e a socialização com outras crianças. Assim como acontece com os humanos, ocorre também com os golfinhos-flíper. Todos os anos, um grupo da espécie costumava, no inverno e na primavera, habitar o Arquipélago das Cagarras com os seus filhotes, que ali aprendiam a se relacionar com outros golfinhos, a praticar suas habilidades motoras e a sincronizar o nado e a respiração com os de suas mães. Mas, em 2011, eles deixaram de ser vistos na área pelos pesquisadores do projeto Ilhas do Rio, que desde 2004 monitorava essa turminha.
Para surpresa dos especialistas, o grupo reapareceu este ano. Pelo menos três registros já foram feitos: nos dias 18 de julho, 7 de agosto e 12 de novembro. Os golfinhos (da espécie Tursiops truncatus, seu nome científico) têm frequentado as Cagarras, a apenas cinco quilômetros da Praia de Ipanema, em grupos de cinco a oito animais (sendo que pelo menos dois são filhotes). Do total já observado, até agora quatro adultos foram identificados: são Manchinha, Manon, Chapéu de Bruxa e Modesto, que já habitavam as águas calmas do arquipélago no passado e estavam entre os desaparecidos. O grupo retornou com um presente especial, um filhote recém-nascido. Em uma campanha no Facebook, seu nome foi escolhido: Bolinha.
ANIMAIS RECONHECIDOS PELAS NADADEIRAS
Bióloga marinha e coordenadora da Equipe de Cetáceos do Ilhas do Rio, Liliane Lodi conta que, no passado, chegaram a ser avistados até 30 golfinhos ao mesmo tempo nas Cagarras. A partir de 2007, começou a redução. Naquele ano, a média de animais por grupo era de 16,6. O total foi caindo até que, em 2010, baixou para cinco. Em 2011, nenhum apareceu nas Cagarras. O retorno agora foi mais do que festejado pelos pesquisadores, que estão com as esperanças renovadas.
— O grupo não foi visto durante a temporada toda. Foram três dias, mas que nos trouxeram uma sensação muito boa. A expectativa é que eles possam reocupar o arquipélago — afirma Liliane, que, por meio de fotos, identificou os golfinhos que já nadaram por aquelas bandas. — São os mesmos adultos que frequentavam o arquipélago entre 2004 e 2010. Identificamos os animais individualmente por meio de marcas na nadadeira dorsal. Elas funcionam como impressão digital, não se repetem.
A volta dos golfinhos-flíper também tem um significado especial para o meio ambiente carioca:
— A presença deles indica a qualidade do ecossistema. Se estão nas Cagarras, é porque o ambiente ali está equilibrado e saudável. É um presente para o Rio termos esses animais na cara da gente.
Os golfinhos-flíper habitam toda a costa brasileira, do Rio Grande do Sul ao Amapá. Para os pesquisadores, ainda é um mistério de onde vêm e para onde vão os que frequentam as Cagarras, classificadas como monumento natural, unidade de conservação de proteção integral. Também não se sabe exatamente o motivo que levou esses animais a sumirem do arquipélago. Sobre isso, há hipóteses. Uma delas é que a debandada coincidiu com o descarte, na costa fluminense, de sedimentos retirados do fundo da Baía de Guanabara (fazia-se uma dragagem no Porto). Na época, ambientalistas e pescadores alertaram sobre os riscos para o ecossistema das Cagarras. O tráfego de embarcações e jet skis — não raro vistos perseguindo os animais, o que é vedado por lei — e o desaparecimento de alimentos também podem ter contribuído.
Com os anos de monitoramento (o projeto toca o estudo mais longo no Sudeste sobre a espécie), os biólogos conseguiram descobrir o motivo da presença do grupo, sempre acompanhado de filhotes. Os golfinhos têm um complexo sistema social, e os comportamentos e táticas de alimentação variam de acordo com o lugar.
— As Cagarras são uma creche. O anel interno do arquipélago, que fica entre as ilhas Comprida, Palmas e Cagarra, é ideal para criar os filhotes. São águas protegidas e rasas — diz Liliane. — Como andam em grupos, os golfinhos-flíper precisam desenvolver habilidades sociais. É muito comum, quando é bem pequeno, o bebê ficar pertinho da mãe. À medida que o tempo passa, ele vai se afastando. Já vi várias vezes grupinhos só de filhotes. Ficam um tempo juntos, depois voltam para as mães. Isso é importante para o aprendizado social. Juntos, eles vão se reconhecendo e desenvolvendo habilidades e relacionamentos.
ENCONTRO NUM DIA DE ÁGUAS TRANSPARENTES
O primeiro encontro dos biólogos com os animais este ano, em julho, foi em dia de mutirão de limpeza das Cagarras. Havia entre 70 e 80 pessoas. As águas estavam transparentes (mais que o habitual), além de calmas.
— Antes mesmo de chegarmos ao arco formado pelas ilhas, já avistamos o grupo de golfinhos. Com a nossa aproximação, fomos recebidos por eles — lembra Athila Bertoncini, pesquisador do projeto, que fazia aniversário no dia e fez fotos dos animais. — O grupo ainda foi visto várias vezes interagindo com os filhotes.
O Ilhas do Rio conta com 30 pessoas, sendo 11 pesquisadores, de diferentes linhas de estudo envolvendo as Cagarras. Em relação aos golfinhos, o objetivo é avançar com o monitoramento dos animais já identificados e na busca de informações sobre comportamento, organização e tamanho do grupo. Caso seja confirmado o seu retorno ao arquipélago, os biólogos pretendem utilizar transmissores para entender suas rotas migratórias. O projeto, no entanto, terminou esta última semana, e a sua retomada depende da renovação do patrocínio da Petrobras Socioambiental, com validade de dois anos, e que é esperado para o começo de 2016.
Fonte: O Globo
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