quarta-feira, 21 de dezembro de 2016
Pesquisadores do Brasil e EUA avaliam efeitos do estresse tóxico em crianças
Elton Alisson | Agência FAPESP – As crianças que moram em favelas no Brasil ou em East Lubbock, no Texas, nos Estados Unidos, partilham de uma realidade comum: muitas delas vivem em condições de pobreza extrema, testemunham frequentemente violência e podem ser vítimas de abuso verbal, físico, emocional e até mesmo sexual.
A exposição contínua e por um longo período de tempo a esses eventos traumáticos extremos – denominados estresse tóxico –, sem apoio adequado de um adulto, pode levá-las a desenvolver comportamentos negativos, como agressão, ansiedade e depressão, apontam especialistas na área.
Um grupo de pesquisadores do Departamento de Psiquiatria da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), em colaboração com colegas da Texas Tech University (TTU), dos Estados Unidos, realizam, com apoio da FAPESP, um estudo com o objetivo de avaliar a incidência e os efeitos do estresse tóxico sobre o desenvolvimento neurológico, cognitivo e socioemocional em crianças e adolescentes no Brasil e nos Estados Unidos.
A pesquisa é realizada no âmbito do programa São Paulo Researchers in International Collaboration (SPRINT), que está com uma chamada para recebimento de novas propostas aberta até o dia 30 de janeiro de 2017.
No caso da pesquisa desenvolvida por pesquisadores da Unifesp e da TTU, o objetivo é identificar inicialmente os fatores crônicos e considerados tóxicos, como pobreza, abuso, conflitos familiares e uso de drogas, que podem ser comuns nos dois países, explica Andrea Parolin Jackowski, professora da Unifesp e coordenadora do projeto do lado brasileiro, à Agência FAPESP.
“Já detectamos que é comum nas duas regiões a alta prevalência de abuso infantil”, adiantou a pesquisadora.
Em outubro, os pesquisadores da TTU passaram uma semana em São Paulo para, junto com colaboradores brasileiros, conhecer os lugares – como a região da cracolândia, no centro da cidade – e verificar in loco a realidade em que vivem as crianças que estão sendo estudadas e avaliar como as suas experiências podem ser aplicadas em todo o mundo, já que não variam muito de um lugar para o outro.
Alguns resultados preliminares do estudo indicam que, apesar das diferenças culturais, não há muita diferença em como uma criança reage ao estresse tóxico em diferentes partes do mundo. Crianças que vivem em extrema pobreza em East Lubbock, no Texas, ou no centro-sul de Los Angeles, por exemplo, apresentam os mesmos efeitos cognitivos e comportamentais das que moram em favelas no Brasil, afirmam os pesquisadores.
“A forma como o corpo responde ao estresse tóxico é semelhante em todos os contextos”, disse Elizabeth Trejos-Castillo, professora da TTU e coordenadora do projeto do lado americano, em uma reportagem publicada no site da universidade americana.
Cooperação internacional
De acordo com Jackowski, a pesquisa só foi possível por meio do programa SPRINT.
As pesquisadoras da TTU participantes do projeto tiveram conhecimento de uma chamada de propostas do programa que incluía a universidade americana e constataram que Jackowski realizava uma pesquisa, também financiada pela FAPESP, com objetivos convergentes com os delas. Procuraram Jackowski e decidiram submeter uma proposta conjunta ao programa.
“O SPRINT possibilitou que as pesquisadoras da Texas Tech University viessem ao Brasil para conhecer outros projetos que temos desenvolvido e detectar oportunidades de futuras colaborações para as quais podemos pedir financiamento internacional”, disse Jackowski.
A consolidação e ampliação de parcerias científicas são justamente alguns dos objetivos do programa. Lançado em 2014, o SPRINT tem como objetivo promover o avanço da pesquisa científica por meio de colaborações entre pesquisadores vinculados a universidades e instituições de pesquisa no Estado de São Paulo e cientistas parceiros no exterior em projetos conjuntos de médio e longo prazo.
O programa oferece financiamento para a fase inicial de colaborações internacionais em pesquisa – chamado de seed funding (financiamento semente, em tradução livre).
A expectativa é que pesquisadores do Estado de São Paulo em colaboração com colegas estrangeiros apresentem propostas de pesquisa conjuntas nas linhas regulares da FAPESP e às agências de fomento à pesquisa acessíveis aos diversos parceiros internacionais da Fundação para dar continuidade à colaboração iniciada no âmbito do SPRINT e consolidar a parceria.
O programa já apoiou 118 projetos de pesquisa realizados por pesquisadores vinculados a 11 universidades públicas e privadas e a seis instituições de pesquisa sediadas no Estado de São Paulo em colaboração com cientistas da Inglaterra, Estados Unidos, Austrália, França, Holanda, Canadá, Irlanda, Argentina, Espanha, África do Sul, País de Gales, Escócia e Bélgica.
O pesquisador do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP Alexandre da Costa Pereira, por exemplo, teve uma proposta de pesquisa aprovada na primeira chamada do programa para realizar, em parceria com colegas da Faculdade de Medicina da Harvard University, dos Estados Unidos, um estudo sobre a genética molecular de cardiomiopatias hereditárias.
O projeto possibilitou intensificar a colaboração que já tinha iniciado com os colegas da universidade americana por meio do intercâmbio de pesquisadores. Uma aluna de doutorado e outra de pós-doutorado do grupo de Pereira no Incor realizaram um estágio no exterior com Bolsa da FAPESP.
“O programa SPRINT possibilita que vínculos de colaboração científica sejam não apenas estabelecidos, mas mantidos por meio de um contato presencial de pesquisadores dos grupos envolvidos nos projetos”, avaliou Pereira.
“Por meio desse tipo de parceria são criadas oportunidades muito mais robustas e com maiores chances de sucesso não apenas na forma de publicações científicas”, afirmou.
A opinião dele é corroborada por Trevor Elliot, professor da Queen’s University Belfast, da Irlanda, que realiza uma pesquisa em colaboração com Daniel Marcos Bonotto, professor do Instituto de Geociências e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Rio Claro, no âmbito do SPRINT, sobre traçadores ambientais para a gestão de recursos hídricos.
Por meio da pesquisa, Elliot esteve no início deste ano no Brasil para visitar e avaliar potenciais locais para estudo de campo ao longo do rio Corumbataí, na região de Rio Claro, e discutir e planejar possibilidades de projetos futuros com o grupo de Bonotto e outros pesquisadores brasileiros.
“A facilidade proporcionada pelo programa SPRINT para visitar os parceiros é extremamente valiosa não só para promover um diálogo inicial, mas também para consolidar uma colaboração internacional de pesquisa de longo prazo”, avaliou.
Mais informações sobre o Programa SPRINT podem ser obtidas em www.fapesp.br/sprint.
Fonte: Agência FAPESP
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