domingo, 4 de setembro de 2016

Indústrias usam esporte paralímpico para aprimorar próteses



Alan Fonteles (à direita) é um dos principais consultores da criação de próteses - Marcio Rodrigues/MPIX/CPB.

Carol Knoploch

Aparelhos melhoram a vida dos amputados, sejam eles esportistas ou não

O esporte paralímpico tem muito em comum com a Fórmula-1. Tanto os carros de competição quanto os corredores amputados testam materiais e tecnologia que depois chegam aos carros de passeio e às próteses do dia a dia. A lâmina de fibra de carbono, extremamente leve e amplamente usada nas pistas de atletismo, já está integrada às necessidades tanto dos esportistas de fim de semana quanto dos simples mortais.

— Há diferentes pés de carbono para diferentes necessidades. Um senhor que não enxerga bem e tem problemas no coração, não precisa da mesma prótese de uma pessoa que joga vôlei e anda de bicicleta. Ele, provavelmente, vai à padaria, visita os netos, joga truco. Então, o pé deste idoso será mais simples. Mas, não quer dizer que não tenha sido projetado com sofisticação tecnológica. Pés com miolo de madeira são ultrapassados e, num futuro bem próximo, não existirão mais — diz o cirurgião ortopedista Marco Guedes, da Associação Brasileira de Medicina e Cirurgia do Tornozelo e Pé e da Academia Americana de Cirurgia Ortopédica.

O PASSO DA TECNOLOGIA: A evolução das próteses

Guedes explica que foi o esporte que disparou a busca por novas ligas de materiais resistentes à torção e deformação. Os testes começaram nos Jogos Paralímpicos de Atlanta-1996, quando a alemã Ottobock, uma das maiores empresas de próteses do mundo, apoiou Roberto Simonazzi, um lançador de disco suíço, que precisava de uma prótese para o joelho capaz não só de suportar uma força maior, mas também prover estabilidade no lançamento. A empresa já era parceira do Comitê Paralímpico Internacional desde Seul-1988, e mantém o vínculo.

— A fibra de carbono é a mais usual porque deforma e depois volta à posição original — ensina o médico, que lembra da revolução criada pelo americano Van Phillips, nos anos 80.

Phillips desenhou pés mecânicos pensando na reposição de suas funções, como a absorção do impacto e a impulsão (Flex Foot). Usou o desenho de um "C", numa lâmina de carbono. Ele teve pé amputado após acidente de lancha e não se conformou com o aparelho protético que lhe deram à época.

— Ele tinha dificuldade para descer uma simples guia de calçada e decidiu fazer um curso de técnico em prótese e órtese na Northwestern University, em Chicago — lembra Guedes.

Para ele, que tem um centro de reabilitação para amputados em São Paulo e já atendeu o velejador Lars Grael (que, em 1998, teve perna decepada por uma lancha), a mudança mais importante na evolução das próteses foi se desvincular da imagem do membro perdido.

— Por muito tempo priorizou-se a reposição da imagem corporal em detrimento da reposição funcional. Além disso, muitas pessoas tentam se esconder atrás da prótese artificial, fingindo ter um braço ou uma perna. E se fecham para as oportunidades. A alforria do amputado é quando ele percebe que precisa de um aparelho auxiliar — fala Guedes, que perdeu parte da perna esquerda, após acidente de moto, em 1974. — Minha condição física ajuda os pacientes a perceber um novo mundo. Eu era um esportista, saltava com vara, e estudava medicina. Queria continuar a fazer tudo e por isso não tive dúvidas quando tive de amputar.

PÉS MECÂNICOS

São esses pés de fibra de carbono, atualizados principalmente em relação ao formato da lâmina, que os atletas usarão na Paralimpíada. E os mais velozes, aqueles que correm curtas distâncias, normalmente são as “cobaias preferidas" da indústria. É que eles usam os equipamentos no limite. Correm para ganhar centésimos de segundo e exigem cada vez mais do material, ajudando a descobrir sua “vida útil".

— Estas próteses precisam chegar cada vez mais próximas da função dos músculos. E a grande sacada é que elas permitem um movimento da corrida parecido com o do pé humano. A prótese enverga ao tocar no chão e acumula energia com o impacto. Depois retorna à posição original, liberando a energia acumulada e empurrando o atleta — explica o ortopedista e protesista, Jairo Blumenthal, diretor para a América Latina da Ossur, empresa da Islândia, que detém a maior fatia do mercado mundial.

De acordo com Jairo, as próteses são projetadas para ajudar as pessoas a terem vida mais ativa e confortável. O amputado tende a compensar a perna ou o pé que perdeu forçando a perna ou o pé íntegros. A prótese, que só sai da fábrica após passar pelo simulador de passos, que faz de 2 a 3 milhões de movimentos, tem de evitar esta sobrecarga.

ATLETAS EMBASAM OS TESTES

Thomas Pfleghar, diretor técnico da Ottobock no Brasil, outra gigante das próteses no mundo, explica que os atletas são excelentes para ajudar nos ajustes finos, mesmo que a indústria tenha maquinário e simuladores. Explica que eles só podem competir com próteses que são comercializadas e que as personalizações estão relacionadas, essencialmente, com o encaixe, além, é claro, da prova. Normalmente, meias de silicone ou poliuretano são usadas para proteger o coto (local da amputação), isolando a pele.

— A rigidez da prótese vai variar segundo o peso impregnado nela e a velocidade que a atingir. Quem corre curtas distâncias precisa de mais explosão e mais rigidez na lâmina. É como uma mola — comenta Thomas, que ressalta que apenas o homem consegue dar retorno à indústria em relação ao conforto. — A adaptação à prótese é fundamental. Não adianta ser excelente se machuca. E não há teste melhor que o impacto no coto do atleta, por causa da explosão e da força necessárias.

Ele contou que, em um teste recente, um atleta do handebol, com 105 kg, saltou cerca de um metro, simulando o arremesso de uma bola. E o impacto no pouso da sua prótese foi de 700kg.

— É preciso chegar ao extremo para facilitar a adaptação às diversas situações.

O campeão olímpico Alan Fonteles, recordista mundial dos 100 m e 200 m, em sua categoria, é frequentemente consultado para dar opiniões. Ele explica que, em suas análises, tenta explorar também quesitos como conforto e beleza.

— A lâmina tem de ser flexível na medida certa. Se for muito mole, fico muito tempo em contato com o chão. Precisa ser forte para me projetar para a corrida. Também procuro detalhar se me sinto confortável e se acho o equipamento bonito — explicou Alan, que há cerca de um ano trocou a prótese de passeio por um modelo mais moderno. — É que eu usava uma mais rústica, de madeira, com miolo de borracha. Não tinha retorno de energia como nas pistas. Hoje, uso uma de fibra de carbono, com calcanhar e pé de plástico para o tênis. Mudou da água para o vinho.

Ciro Winckler, coordenador técnico de atletismo do Comitê Paralímpico Brasileiro, explica que a lâmina de corrida não tem calcanhar e por isso, os esportistas tem, ao menos, uma prótese de corrida e outra de passeio.

— É porque eles correm na ponta dos pés e não precisam de apoio — esclarece Ciro, que comenta ainda que, diferentemente dos pés, as próteses de braço ou mão não são testadas no esporte. Normalmente, os atletas tiram estes aparelhos para competir na pista. Assim como os braços, os joelhos motorizados não são usados.

— Além disso, não pode ser uma competição de tecnologia. Tem de manter a guerra atleta contra atleta — diz Ciro.

Fonte: O Globo










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