Por Fabiana Bentes
Medalhista olímpico e um grande campeão na vela, Lars Grael também dedicou seu tempo a tentar melhorar a estrutura para o esporte no país e, por isso, é considerado um dos profissionais de maior credibilidade na área. Líder nato em todas as classes e clubes em que velejou, também foi membro do Conselho Fundador da Agência Antidoping Mundial (WADA) e exerceu cargos públicos como de Secretário Nacional de Esportes no governo FHC.
Hoje, Grael acredita que, para mudar a configuração do esporte no Brasil, é preciso que haja mais diálogo entre todas as esferas ligadas ao esporte. Além disso, para ele, é essencial que o atleta brasileiro, principal estrela, tenha voz ativa durante decisões importantes.
Na minha opinião, Lars Grael deveria voltar a fazer parte da gestão do esporte no Brasil. Uma pena que, a curto prazo, isso não irá acontecer.
Esporte Essencial: Qual é a expectativa sobre a Baía de Guanabara para os atletas brasileiros?
Lars Grael: O atleta brasileiro de vela, de um modo geral, vê na Baía de Guanabara duas oportunidades. Uma num campo mais cívico, de cidadania e ambiental, que é a expectativa de que o processo dos Jogos Olímpicos beneficie em algo a despoluição da Baía de Guanabara. Ao mesmo tempo, há a descrença total quanto à promessa da candidatura do Rio 2016 de que 100% dela estaria despoluída. Como também é total de que 80%, um número que foi inventado depois, estaria despoluída. Mas eles têm a crença sim de que essa discussão, esse desgaste todo trará algum benefício, por menor que seja.
A segunda expectativa que eles têm é o fato da Baía de Guanabara ter condições muito particulares de vento e de correnteza, gerada por uma maré inconstante, e que isso traga um benefício técnico e tático para a equipe brasileira. Por ser uma raia muito difícil, muito particular, isso possa trazer algum benefício ao atleta brasileiro. Essas são as duas percepções que o atleta da equipe olímpica possui hoje.
EE: E como o atleta vê a recepção desses atletas estrangeiros? Com vergonha, com orgulho?
LG: Com perplexidade e vergonha, porque as equipes estrangeiras já começaram a vir ao Brasil e, quase todas elas, principalmente dos países mais organizados, já encontraram bases onde poderão treinar. Já que a estrutura da organização Rio 2016 não oferece locais adequados para que essas equipes possam se instalar, cada país isoladamente busca acordo com um dos clubes da orla da Baía de Guanabara, seja no Rio ou em Niterói. À medida que as equipes estão vindo para cá, o cenário que eles encontram é o da poluição absoluta. Não é a poluição do lixo flutuante, mas da qualidade da água, que é repugnante e asquerosa. E é isso o que se negam a discutir. Então, o desgaste hoje na mídia internacional e nos sites especializados do mundo da vela é muito alto e com uma tendência de piorar, porque não vemos propostas de soluções que sejam aceitáveis.
A verdade é que há um erro estratégico das três esferas governamentais e do Comitê Organizador Rio 2016, que desde o início estavam cientes do quadro de poluição. Como nunca na história da vela algo parecido aconteceu de se velejar em um ambiente tão poluído, nós apresentamos um plano B. O plano B para o Rio de Janeiro, que seria o lógico, era fazer em Búzios. Porque, ao contrário da proposta do Rio 2016, que queria fazer tudo concentrado próximo da Vila Olímpica e que foi uma estratégia importante para a captação dos Jogos Olímpicos, mas várias alterações desse projeto original já foram feitas. A vela necessitava de uma alteração desde o início e nós alertamos de todas as formas possíveis. Para a lógica do velejador – eu tenho experiência e seis participações olímpicas (das quais quatro como atleta) –, a primeira coisa é que o lugar tem que ser bom de vento. O vento em Búzios, ainda mais na época de agosto, é excelente, tido como uma das melhores raias do mundo. O vento do Rio de Janeiro em agosto, ao contrário de Búzios, tem uma predominância fraca e variável, o que deixa a regata tecnicamente prejudicada. A segunda lógica para o velejador, que é fundamental, é a qualidade da água. Em Búzios a água é límpida e, por mais que tentem sujar, não dá tempo. Embora a gente hoje perceba falhas com relação a saneamento básico público, ligações clandestinas de esgoto, é um local de águas abertas, que continuará limpo em 2016. O Rio de Janeiro é poluído e não será despoluído para 2016.
O terceiro aspecto é a marina. O Rio não tem uma marina e provavelmente não terá até 2016. A Marina da Glória é de uma distância abissal. A distância do que ela é e o que ela se propõe, ao que deveria ser uma marina olímpica. Então, o correto era fazer uma marina do zero aqui no Brasil. Estão fazendo estádios de R$ 2 bilhões para o futebol em alguns lugares, estão fazendo campos de golfe que custam uma verdadeira fortuna e tudo que vão fazer na Marina da Glória é uma tapeação. Vão acarpetar, colocar tenda, iluminação, segurança e vão chamar aquilo de marina olímpica. Francamente, é uma decepção. Então, o trabalho de fazer a marina, em Búzios seria igual. Lá existe o projeto Porto Búzios, que está inacabado e poderia ter sido concluído. Se fosse feito com velocidade, teria tempo de terminar no prazo, mas sequer existe um planejamento. Nem quiseram discutir o projeto de fazer a vela em Búzios e minimizar o desgaste. Então, será no Rio de Janeiro, acho que já está passando do ponto de retorno, e será feito na base do improviso. Seja na tentativa de minimizar a poluição, seja oferecendo uma marina improvisada para sediar as Olimpíadas. Para a vela, o legado que se espera da Olimpíada é próximo de zero. A Baía, péssima, quem sabe fique um pouco melhor do que ela está. E a marina, que nós não temos, continuaremos sem ter.
EE: Você falou da questão da qualidade da água... Você acha que vai existir uma preparação medicamentosa dos atletas estrangeiros para as provas na Baía de Guanabara?
LG: Eu acho que vai ter um certo pânico quanto ao risco de contaminação de doenças, mas quanto a isso estou mais tranquilo. Nós velejamos aqui com frequência, velejadores de todas as faixas etárias, remadores e até nadadores e não temos registro recente de nenhum tipo de contaminação que venha das águas da Baía de Guanabara. Então, acho que isso é mais pânico. O que nós temos vergonha é de mostrar a qualidade da água. A água que era para ser límpida é escura, marrom, fedorenta. É um quadro mais de vergonha em apresentar nossa casa suja, em um cartão-postal lindo, que poderia ser a grande fotografia das Olimpíadas, e num cenário maculado. Mas com relação à contaminação por doença eu acho que a chance é mínima. Na prática nós não constatamos contaminações nos atuais usuários da Baía de Guanabara, por isso acho que não vai ser necessário nenhum tipo de medicação específica.
EE: Muitas crianças começam na vela na Lagoa Rodrigo de Freitas, que também tem muitos praticantes de remo. Qual a sua percepção sobre a Lagoa?
LG: A percepção sobre a Lagoa Rodrigo de Freitas, como também sobre a raia da maratona aquática, prevista para acontecer em Copacabana, e como as raias de vela na Baía de Guanabara, é semelhante. É um problema de ordem ambiental que poderia ter sido solucionado se tivéssemos dado prioridade ao tema. O brasileiro trata com desdém a água, paga caro para viver à beira da Lagoa ou de frente para o mar, admira a paisagem, mas a cultura não passa da arrebentação das praias. Já vociferaram quanto à despoluição que foi feita na Lagoa, que era um exemplo e tal... Vamos lá ver a realidade. A raia não é ideal para o remo. Não sou especialista em remo, mas em termos de comprimento da raia para ter espaço para evacuar os barcos, após cruzarem a linha de chegada, para desacelerarem. Ela não tem largura e profundidade constantes e, pior do que isso, tem uma qualidade de água muito ruim. É um cartão-postal feio. Está certo que se pode criar telas para evitar que o lixo entre na raia olímpica e venha a atrapalhar um barco, mas ainda assim, olha a qualidade da água! Na Baía de Guanabara eu já me deparei quatro vezes com cadáveres. É você estar navegando e passar do lado. Uma cena... Imagina isso nos Jogos Olímpicos! Deus queira que isso não ocorra.
EE: Como você encarou essa recente intervenção do COI nas obras para as Olimpíadas? É mais um motivo para envergonhar o Brasil?
LG: Eu acho que é um mal necessário. Quando nós percebemos pela mídia que, de 53 instalações esportivas, 37 não tinham saído do papel (não sei se o número é bem esse, mas a é uma proporção como essa), é preocupante para todos nós, cidadãos cariocas, fluminenses e brasileiros. Nós percebemos que o tempo está passando... O tempo, que já foi nosso grande aliado, hoje é nosso inimigo. A lentidão é visível nesse processo de obras de acessibilidade, mobilidade urbana e instalações esportivas. No caso da vela, os anos que antecedem uma Olimpíada sempre têm eventos-teste. Não é, por exemplo, como um tatame, uma piscina ou uma pista de atletismo, que vão ser iguais no Rio ou na Dinamarca. Aqui são condições naturais, onde um atleta tem que fazer toda uma adaptação para conhecer a configuração de raia, seja do espaço, das correntes marítimas, das marés e ventos. Os eventos-testes acontecem. Ano passado era para ter tido evento-teste e não teve por absoluta falta de iniciativa e instalações. Para 2014, está previsto o evento-teste em agosto, naquela Marina da Glória. Se você for hoje lá, perto do Monumento dos Pracinhas, vai ver que sai uma galeria de águas pluviais que é 100% esgoto. Uma imundice, uma coisa asquerosa dentro da marina olímpica! Dá para sentir pelo odor o que é o ambiente da marina olímpica.
Então, esse desgaste é o que está por vir. Quando o atleta, o jornalista ou o cidadão comum tentam alertar quanto à falta de tomada de providência, é melhor que se antecipe o desgaste, fazendo um debate entre sociedade, comunidade esportiva e os organizadores. É sempre uma alternativa melhor do que a omissão, do que a gente não falar nada, fazer nada e esperar às vésperas dos Jogos Olímpicos a iminência de um vexame. Por isso que eu acho que, à medida que o Comitê Olímpico Internacional vê um planejamento e um cronograma descumprido, ele tenta, de alguma forma, intervir para fazer a coisa andar. Tomara que ande, porque a crítica não é concentrada em cima da prefeitura, do governo do estado, do governo federal ou do comitê organizador. É a constatação de que as coisas não estão acontecendo na velocidade adequada.
EE: Por que os atletas não estão sendo chamados para fortalecer esse time do Rio 2016?
LG: A estrutura da organização do esporte no Brasil é muito hierarquizada, onde, historicamente, o atleta não participava do processo. O atleta nunca foi chamado a participar. Nós temos o esporte com o Comitê Olímpico, Comitê Paralímpico, confederações brasileiras, federações estaduais, clubes e, lá embaixo, o atleta, que é o protagonista do esporte, mas nunca teve voz de comando. Isso está mudando, a legislação já alterou. Com a Lei Pelé, começa um processo de democratização do esporte no Brasil. A primeira vez que o atleta teve acesso organizado ao processo decisório foi no final de 1999, quando atletas que eram formadores de opinião buscaram um canal direto com o presidente Fernando Henrique, já com a reivindicação da lei de incentivo ao esporte. Criou-se, então, uma comissão nacional de atletas, vinculada ao Ministério do Esporte e Turismo. Essa comissão, que foi presidida inicialmente pelo saudoso tricampeão olímpico Adhemar Ferreira da Silva, também já foi presidida pelo Bernard Rajzman do vôlei, por mim e, depois, pelo Ciro Delgado de esportes aquáticos. E aconteceu que não interessou mais para o Ministério do Esporte, por algum motivo, a manutenção da comissão nacional de atletas. Nunca foi oficialmente extinta, mas foi encostada, entrou na inatividade. O Comitê Olímpico Brasileiro e o Comitê Paraolímpico Brasileiro criaram suas comissões de atletas, sabidamente também inativas. São “arroz de festa”. Quando tem algum evento, são chamados lá para entregar prêmio e aparecer na foto, mas não são chamados a participar do processo decisório.
EE: Você participa da organização Atletas pelo Brasil. Esta organização é para dar voz aos atletas do país?
LG: Sim. Por esse afastamento que foi gerado de novo entre atletas e as entidades gestoras do esporte, é que floresceu o Atletas Pelo Brasil, organizado pelo campeão mundial de futebol Raí. Inicialmente, discutindo temas que eram alheios à política esportiva, como foi a questão do jovem aprendiz. Mas como o atleta tem compromisso natural com a sua atividade, então começaram a voltar as atenções ao tema esportivo. Hoje, a entidade é presidida pela Ana Moser, do voleibol, com um grupo enorme de atletas participantes, que vai de Hortência, Magic Paula, Rubens Barrichello, Cafu, Torben Grael, Oscar, entre outros. Esse pessoal tenta ter uma voz de participação, emitem opiniões, participam de debates junto ao Congresso Nacional, ao Ministério do Esporte, aos empresários que hoje investem no esporte pelas leis de incentivo. Ou seja, tentam de alguma forma influenciar, mas ainda não são oficialmente reconhecidos, vivem à margem do processo decisório. Mas pelo menos já existe um grupo organizado tentando fazer a diferença, levando uma representação da voz do atleta, que ainda falta muito na condução do esporte brasileiro.
Foto: Marcos Mesquita (Atletas pelo Brasil)
EE: Falamos da estrutura olímpica, mas também estamos preocupados a preparação para os Jogos Paralímpicos. Qual a sua opinião?
LG: Eu sou muito otimista com relação à Paraolimpíada. Primeiro que eu tenho uma crítica de conceito, que não é culpa das autoridades organizadoras do Brasil. Quase sempre que se tem um grande evento, é feito um evento-teste anterior. Como foi a Copa do Mundo, houve uma preocupação em fazer a Copa das Confederações no ano anterior, já fazendo um teste para o evento. E o que eu acho é que a Paraolimpíada deveria acontecer logo antes dos Jogos Olímpicos. Já existe toda uma expectativa para o ambiente olímpico, ter a Paraolimpíada abrindo o evento traria visibilidade, reconhecimento e admiração. Criaria, então, uma grande expectativa para o grand finale, que seria a Olimpíada. Assim como quando tem o show de uma grande banda, tem sempre uma banda importante ou em ascensão que faz a abertura.
Hoje em dia o que acontece, seja na Olimpíada de Verão ou de Inverno, quando a Olimpíada, que só se fala nela, termina, no final da feira, a xepa, cedem aquelas instalações para acontecer a Paraolimpíada. Numa fase em que a grande apoteose já aconteceu, já na ressaca pós-olímpica, a Paraolimpíada acontece sempre com baixíssima visibilidade. Sei que isso não vai mudar para o Rio de Janeiro, mas esse é um ponto de reflexão que deveria ter para o futuro, em se pensar em fazer a Paraolimpíada antes.
EE: Como você observa o movimento paraolímpico no Brasil?
LG: No Brasil, o movimento paraolímpico é muito antigo, surgiu nos anos 50, pouco depois do surgimento em Stroke Mandeville, no Reino Unido. São pessoas abnegadas, que construíram o movimento através de sonho, de dedicação, de contrariar às vezes as barreiras impostas, inclusive do preconceito. Mas só foi ter um Comitê Paralímpico no Brasil em 1995, fundado em Niterói. Depois, com o benefício da Lei Agnelo-Piva, em 2000, é que tiveram verbas públicas, se mudaram para Brasília. Houve uma fase inicial, com uma luta por poder, que foi nociva ao movimento paraolímpico. Na minha forma de ver, hoje encontramos o CPB estabilizado, democrático e bem gerido. Mais do que isso, no continente das Américas, em especial da América do Sul, o Brasil está na vanguarda do movimento paraolímpico, basta ver nossa supremacia continental. Se no âmbito olímpico ainda falta muito para o Brasil ser uma potência, já no paraolímpico avança a passos largos. O Brasil pode estar muito aquém do cenário ideal, mas o esporte paraolímpico está muito além da média mundial. Eu acho que o Brasil vai fazer uma grande figura nas Paraolimpíadas. Aquela supremacia ou abundância de conquista de medalhas, que talvez não venha da forma como nós gostaríamos nas Olimpíadas de 2016, virá nas Paraolimpíadas. Por isso eu estou muito otimista.
EE: Como está a questão da estrutura dos Jogos Paralímpicos?
LG: Eu acho que a estrutura está prevista, com o IPC, junto ao COI. Todas as estruturas serão adaptáveis depois. Algumas, quase todas, já serão construídas com essa acessibilidade prevista no projeto original. Outras modalidades vão ter adaptações específicas às condições técnicas do esporte paraolímpico.
EE: O Rio de Janeiro é uma cidade acessível?
LG: O Brasil não é um país acessível. Basta ver que nós temos uma lei pública de acessibilidade, com normas da ABNT, e um estatuto da pessoa com deficiência minuciosamente aprovado pelo Congresso Nacional, que é um dos estatutos mais avançados do mundo. Mas entre a retórica e a prática existe uma distância enorme. O próprio poder público não gera exemplo, garantindo a acessibilidade prevista em lei. Esse é um problema de cultura, de uma nação em que se faculta à sociedade o cumprimento ou não das leis. Então, o Rio de Janeiro tem problemas como qualquer outra cidade, mas as instalações esportivas, pelo que sei, estarão plenamente adaptadas e acessíveis. Esse é o mínimo que podemos esperar.
EE: Você presidiu, por um tempo bastante limitado, a Confederação Brasileira de Vela. O que aconteceu?
LG: Por cinco dias. Na época, nós velejadores clamávamos por mudanças na gestão da vela, temíamos pelas dívidas que a confederação podia estar adquirindo, em função de uma relação com o financiamento dos bingos. Quando eu assumi a entidade, meu primeiro ato foi pedir uma auditoria imediata. Foi quando um advogado constatou uma dívida fiscal astronômica com a Receita Federal. Quando vimos a total impossibilidade de gerir a entidade com a dívida que estava colocada em público naquele momento, não restava opção a não ser convocar uma assembleia geral extraordinária, mostrar a situação de insolvência da Confederação de Vela e propor uma intervenção feita pelo Comitê Olímpico Brasileiro. A vela, então, viveu por muitos anos com um interventor do COB, que foi fundamental para evitar que o esporte entrasse em colapso no Brasil por falta de liderança e gestão. Anos depois criaram uma nova Confederação, com novos princípios de governança, que hoje é presidida pelo então presidente da Federação de Vela do Rio de Janeiro, Marco Aurélio Sá Ribeiro. Nós temos a expectativa que os erros de outrora não se repitam.
EE: Você tem algum anseio em presidir o Comitê Olímpico Brasileiro?
Foto: Míriam Jeske
LG: Não é um projeto de vida, nunca foi. Ainda mais sabendo da dificuldade que é ter acesso à candidatura ao COB. Estatutariamente criaram mecanismos de proteção, dentre eles você tem que ser presidente de uma confederação brasileira olímpica continuamente, adimplente durante cinco anos, para então estar elegível para tal. Eu sequer sou presidente da Confederação Brasileira de Vela (CBVela). Hoje o Marco Aurélio é presidente e provavelmente vai tentar uma reeleição, que está prevista no estatuto e agora na nova legislação. De forma que eu não sou elegível ao COB.
EE: Mas você gostaria de ser elegível ao COB?
LG: Talvez algum dia eu dê minha contribuição em assumir uma confederação de vela para valer, mas isso não será a curto prazo. E aí, o dia que eu assumir e passar cinco anos à frente dele, eu estarei elegível...
EE: Se não existissem essas barreiras estatutárias, você gostaria de ser candidato?
LG: Talvez eu participasse de um movimento, envolvendo Atletas Pelo Brasil, oferecendo propostas de gestão para o esporte olímpico no Brasil e que passaria então pela indicação de um de nós para se candidatar ao COB. Isso hoje é vedado, então está fora de questão.
EE: Você tem alguma expectativa de mudança para as instalações esportivas no Brasil? Ou você acha que quando passar a Olimpíada é que vão esquecer completamente esses projetos de despoluição?
LG: Eu prefiro acreditar na seriedade, sobretudo da mobilização da sociedade em perceber que o nosso dinheiro não sai pelo ralo. Então, que o verdadeiro legado, que é a palavra de ordem dessa Olimpíada desde o início para convencer a sociedade, nós vamos gastar inúmeros bilhões para adaptar o Rio de Janeiro em uma cidade olímpica, que deixe um legado de fato. O legado de fato para o remo é a Lagoa de Freitas despoluída, além de equipamentos
adequados para a prática, um partidor moderno e que funcione, um estádio que seja devolvido ao remo, uma estrutura adequada para formar novos remadores... E que isso seja para todo e qualquer esporte, passando pelo badminton, pelo judô e pela vela. Eu acho que tem que ter um plano diretor para os Jogos Olímpicos que não seja parar em 2016. Uma nação olímpica é uma nação que tomou a decisão de investir no bem-estar social, na saúde pública, na valorização da educação física e no resgate do esporte na escola. O ano de 2016 é apenas uma etapa, quando um grande evento vai acontecer no Brasil, mas o verdadeiro crescimento do país no esporte olímpico e paraolímpico só será medido a partir de 2020. Algumas nações que investiram pesado no esporte olímpico tiveram crescimento em função de um desenvolvimento, de uma prioridade de investir em esportes olímpicos e conseguiram estabilizar, de forma sustentável, um crescimento.
adequados para a prática, um partidor moderno e que funcione, um estádio que seja devolvido ao remo, uma estrutura adequada para formar novos remadores... E que isso seja para todo e qualquer esporte, passando pelo badminton, pelo judô e pela vela. Eu acho que tem que ter um plano diretor para os Jogos Olímpicos que não seja parar em 2016. Uma nação olímpica é uma nação que tomou a decisão de investir no bem-estar social, na saúde pública, na valorização da educação física e no resgate do esporte na escola. O ano de 2016 é apenas uma etapa, quando um grande evento vai acontecer no Brasil, mas o verdadeiro crescimento do país no esporte olímpico e paraolímpico só será medido a partir de 2020. Algumas nações que investiram pesado no esporte olímpico tiveram crescimento em função de um desenvolvimento, de uma prioridade de investir em esportes olímpicos e conseguiram estabilizar, de forma sustentável, um crescimento.
EE: Poderia citar exemplos?
LG: A Coreia do Sul depois dos Jogos Olímpicos de Seoul; a Austrália depois dos Jogos de 1956 e, mais recentemente, nos Jogos de 2000; a China depois de 2008. Agora tem países que fizeram da Olimpíada uma festa com início, meio e fim. É o caso da Grécia, que teve um desempenho muito acima da sua média nos Jogos de Atenas 2004 e já nos Jogos de 2008 estava num patamar tão irrelevante quanto o Brasil. Hoje, atrás, inclusive. Não teve a menor sustentabilidade. A Olimpíada passou, o benefício para o esporte grego desapareceu e ficaram as dívidas. Dizem os economistas que cerca de 10% do montante da dívida da Grécia é oriunda dos gastos dos Jogos Olímpicos. O esporte desapareceu da Grécia porque hoje as instalações estão abandonadas. Não havia uma planejamento para ter um uso sustentável pós-Olimpíada. É o que nós queremos evitar no Brasil. É hora de alertar. Queremos que todas as instalações sejam sustentáveis, tenham um modelo de gestão, forma de financiamento e de manutenção. Para evitar o que houve com o Engenhão, construído em 2007 custando uma fortuna e em 2012 é interditado porque caiu a cobertura por falta de manutenção, de cálculo e de gestão.
EE: O COI tendo essas informações do que está acontecendo no Brasil na preparação, tanto da Copa quanto das Olimpíadas, pode mudar de mentalidade para os próximos eventos? Como você vê o futuro de pensamento do COI e da FIFA com o exemplo do Brasil?
LG: Tanto para a FIFA quanto para o COI, o sinal está amarelo ou vermelho intermitente, porque é preocupante. Para a Copa do Mundo da FIFA, que acontecerá daqui a menos de 50 dias, grande parte do que foi prometido não aconteceu. O que vai acontecer são os estádios, a preço de ouro e com custo-benefício questionável para sociedade. Melhoramentos em alguns aeroportos sim, quase todos inacabados, mas alguma coisa vai ficar disso. Agora resta saber se esse gasto era necessário para um país que tem outras prioridades. O fato é que é um processo irreversível. À medida que o Brasil prometeu muito e entregou pouco, parte apenas daquilo que prometeu, para o COI ficou evidente que esse cenário tende a se repetir. Então, eu acho que quanto mais eles participarem do processo decisório, definindo marcos regulatórios, compromissos que tenham que ser atingidos, com metas de tempo e resultado, é importante.
EE: Nessa questão de em vez de construir novos, aproveitar os antigos com uma remodelação, respeitando a cultura local, sem abranger demais. No caso da Copa, nós ampliamos demais o raio da competição...
LG: No fundo, uma grande disputa política entre governadores que queriam aparecer na foto como cidade-sede da Copa do Mundo. Houve uma disputa ferrenha de prestígio entre os governadores, um jogo de poder, que envolvia o poder executivo e o poder legislativo. Então, para tentar atender o maior número de Estados, fizeram 12 estádios novos no Brasil. Um verdadeiro desperdício. Poderia se fazer com oito. Um gasto astronômico com custo-benefício que só o tempo dirá se foi bom ou não à sociedade... Quase sempre quando tem uma grande candidatura para um evento o discurso é “isso vai ser financiado pela iniciativa privada, o governo praticamente não vai ter que investir nada”. Quando chega na hora, a gente sabe que não é bem assim. Quem paga a conta é o cidadão, o contribuinte. Há uma preocupação com isso, então que seja feito com muita racionalidade.
Foto: Míriam Jeske
O COI e a FIFA ao verem o Brasil... O COI já tinha visto um desgaste anterior com a Grécia em 2004, dez anos depois estamos aqui vivendo esse desgaste no Rio de Janeiro... Eu prefiro torcer que na hora H as coisas vão dar certo e o Brasil vai sair bem na foto. Tomara. Porque se o Brasil fracassar, vendendo uma imagem internacional de que foi uma Copa e uma Olimpíada dispendiosa, esbanjando dinheiro com obras superfaturadas e por um retorno aquém do prometido e desejado pela sociedade, essa percepção seria muito ruim para a credibilidade do Brasil no cenário internacional. O Brasil justo gastou essa fortuna para mostrar a essa comunidade que é um país que está crescendo, que pode integrar os BRICS e que está entre as oito potências mundiais na economia, no crescimento, nas suas empresas transnacionais e que chegou a vez do esporte de mostrar essa hegemonia que o Brasil tem capacidade de sediar grandes eventos e ter resultados neles. Tomara que isso aconteça, mas eu acho que o debate é necessário.
EE: E essas licitações emergenciais que geralmente costumam acontecer para remediar atrasos. Você acredita que vão acontecer?
LG: É evidente que sim, acho que ninguém duvida disso. À medida que as obras não acontecem... Qual é o projeto da Marina da Glória? Eu desconheço e olha que eu sou da vela! Já vi vários que foram abandonados e questionados, inclusive legalmente. Órgãos públicos que questionam o patrimônio histórico, órgãos ambientais... Então a coisa não acontece. Alguma hora vai acontecer, mas de que jeito? Com contrato emergencial, é evidente.
EE: E a questão do LADETEC ( Laboratório brasileiro de controle de dopagem) ?
LG: Tem aquele dito popular “pau que nasce torto, não endireita mais”... O LADETEC tem problemas, em linguagem parlamentar, de vícios de origem. Precisam ser corrigidos. O Brasil investiu muito dinheiro. E eu contribuí com o seu surgimento quando fui secretário nacional de esportes e membro do board da Agência Mundial Antidoping (WADA) na fase que o LADETEC foi credenciado. Havia uma expectativa muito positiva do Brasil ter essa soberania, do país mesmo ter essa capacidade de fazer as suas avaliações e exames antidoping. Por questão de uma gestão muito engessada de uma universidade federal, a UFRJ, o LADETEC mostrou ao longo dos anos ser ineficiente e mais caro, inclusive, do que laboratórios internacionais. Além disso, problemas de ordem técnica que geraram esse descredenciamento. Espero que seja credenciado de novo e com um modelo de gestão que permita agilidade, boa gestão e um custo pelo menos igual ao internacional para uma entidade brasileira poder fazer um exame antidoping sério e fidedigno.
Demais fotos: Divulgação
Palavras de Lars Grael ao final da entrevista:
Fonte: Esporte Essencial
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