Pedro Telles
O setor cresce, mas ainda muito timidamente comparado com outros países. O Estado precisa abraçar o futuro e parar de priorizar os combustíveis fósseis
À primeira vista, os números de expansão da energia solar no Brasil impressionam: só neste ano de 2017 o crescimento do setor poderá chegar a 325%, sendo dez vezes maior do que no ano passado e superando as expectativas mais otimistas. Isso acompanha uma queda de preço de cerca 85% desde 2005, que deve se intensificar nos próximos anos.
Apesar do cenário promissor, esse ritmo de crescimento é explicado em boa parte pelo fato de ainda termos pouquíssimos sistemas fotovoltaicos instalados por aqui – cerca de 12 mil, longe dos líderes mundiais nessa fonte de energia. Pode parecer injusta uma comparação com países desenvolvidos como a Alemanha, com 1,5 milhão de sistemas, onde um potencial de geração de energia solar muito inferior ao brasileiro não impede que investimentos muito maiores sejam feitos há tempos. Mas mesmo na comparação com outros países em desenvolvimento ficamos atrás, com Índia e China produzindo centenas de vezes mais do que nós, e até mesmo Chile, Tailândia e África do Sul significativamente à nossa frente, por exemplo.
Se o Brasil é um dos lugares mais abençoados com a incidência de raios solares, o que falta para essa fonte de energia decolar de vez por aqui e chegar ao patamar que vemos em outros países?
O setor de energia é um dos mais estratégicos e competitivos em qualquer economia do mundo. Longe de operar como um livre mercado, tem como característica pesados subsídios, e é objeto de diversos acordos internacionais. Por conta de sua relevância, pauta governos e está sempre no centro de disputas geopolíticas. Nesse cenário, é praticamente impossível que novas fontes de energia surjam e cresçam sem receber apoio político e econômico adequado.
O Fundo Monetário Internacional estima que, em todo o mundo, empresas produtoras de combustíveis fósseis (os principais deles sendo petróleo, gás natural e carvão mineral) contam com o apoio de US$5,3 trilhões em subsídios por ano. Isso equivale a US$10 milhões por minuto, e supera gastos de governos com saúde, por exemplo. No Brasil, a nova edição do Plano Decenal de Energia, publicada para consulta pública no começo de julho, aponta para cerca de 70% dos investimentos indo justamente para petróleo e gás. Estamos falando, enfim, de um volume enorme de recursos ainda destinado aos principais responsáveis pelas mudanças climáticas – desafio apontado por inúmeros políticos, cientistas e ativistas como o maior dos nossos tempos.
Em qualquer contexto seria difícil competir com uma indústria que há mais de um século dita os rumos da economia mundial e está presente em inúmeros aspectos das nossas vidas. Com esse volume de subsídios envolvido, então, a coisa se complica ainda mais.
Não à toa, países onde novas energias renováveis crescem mais rapidamente são aqueles em que governos buscam nivelar o jogo, construindo condições para uma necessária e urgente transição energética.
No Brasil, muito já foi feito pela energia eólica. Ao longo da última década, uma combinação de incentivos fiscais e leilões específicos para essa fonte (ao contrário dos tradicionais leilões onde diversas fontes competem entre si) permitiu que empresas do setor alcançassem escala grande o suficiente e preço baixo o suficiente para competir com combustíveis fósseis e inclusive hidrelétricas.
Contudo, o mesmo não pode ser dito sobre a energia solar. Importantes movimentos positivos já foram feitos, como a possibilidade de trocar energia com a distribuidora para conseguir descontos na conta de luz, a isenção de ICMS em diversos estados, e a realização de dois leilões específicos. Mas isso está longe do suficiente. Recentemente, o presidente Temer cancelou em cima da hora um terceiro leilão específico que estava marcado para dezembro de 2016. Nesse ano, foi anunciado que o FGTS passaria a ser utilizado para financiar a solarização de casas do Minha Casa Minha Vida, mas ainda é preciso liberar esse benefício a todos os cidadãos interessados em solarizar seus lares – segundo estudos do Greenpeace, esse seria o incentivo mais efetivo para motivar consumidores. Além disso, placas solares já são isentas de IPI, mas o imposto ainda incide sobre outras peças importantes para a instalação de sistemas como inversores e medidores, e outros impostos como o sobre importações e PIS/COFINS também poderiam ser revistos.
Para pressionar por mudanças rápidas, cada vez mais pessoas e organizações se mobilizam pela causa. Acaba de ser lançada no Brasil, por exemplo, a iniciativa Solução, parte de uma campanha internacional liderada pela Climate Action Network, rede internacional composta por mais de 1.100 organizações da sociedade civil trabalhando no desafio das mudanças climáticas. Capitaneada pela ONG Engajamundo por aqui, a iniciativa coloca jovens no protagonismo da transição rumo a energias limpas, promovendo esforços pela solarização de escolas país afora – uma medida significativa tanto em termos práticos quanto simbólicos. E esse é apenas um dentre diversos exemplos que poderiam ser citados aqui, liderados pela sociedade civil, por empresas e também por políticos conscientes do desafio.
Não temos muito tempo para fazer uma transição integral de combustíveis fósseis para energias renováveis. Para não superar a marca de 1,5°C de aquecimento global, precisamos zerar as emissões de gases de efeito estufa que resultam da queima desses combustíveis até 2050. Consequências das mudanças climáticas já podem ser sentidas ao redor do mundo, e se formos além desse nível de aquecimento elas se tornarão drásticas. Não à toa, 195 países assinaram o Acordo de Paris se comprometendo a tomar medidas para não chegarmos a isso.
Há inúmeros estudos mostrando os benefícios de uma transição energética para a economia e, o mais importante, para a vida das pessoas – começando por um mundo sem poluição do ar. Todos sabemos que, mais cedo ou mais tarde, a mudança vai acontecer. A principal barreira que temos ainda é a de custos, e ela pode ser superada muito mais rapidamente com planejamento e priorização. Resta ao governo decidir se abraçará o futuro, ou se continuará preso à energia do passado.
Pedro Telles é coordenador da campanha de Mudanças Climáticas do Greenpeace Brasil.
O setor cresce, mas ainda muito timidamente comparado com outros países. O Estado precisa abraçar o futuro e parar de priorizar os combustíveis fósseis
À primeira vista, os números de expansão da energia solar no Brasil impressionam: só neste ano de 2017 o crescimento do setor poderá chegar a 325%, sendo dez vezes maior do que no ano passado e superando as expectativas mais otimistas. Isso acompanha uma queda de preço de cerca 85% desde 2005, que deve se intensificar nos próximos anos.
Apesar do cenário promissor, esse ritmo de crescimento é explicado em boa parte pelo fato de ainda termos pouquíssimos sistemas fotovoltaicos instalados por aqui – cerca de 12 mil, longe dos líderes mundiais nessa fonte de energia. Pode parecer injusta uma comparação com países desenvolvidos como a Alemanha, com 1,5 milhão de sistemas, onde um potencial de geração de energia solar muito inferior ao brasileiro não impede que investimentos muito maiores sejam feitos há tempos. Mas mesmo na comparação com outros países em desenvolvimento ficamos atrás, com Índia e China produzindo centenas de vezes mais do que nós, e até mesmo Chile, Tailândia e África do Sul significativamente à nossa frente, por exemplo.
Se o Brasil é um dos lugares mais abençoados com a incidência de raios solares, o que falta para essa fonte de energia decolar de vez por aqui e chegar ao patamar que vemos em outros países?
O setor de energia é um dos mais estratégicos e competitivos em qualquer economia do mundo. Longe de operar como um livre mercado, tem como característica pesados subsídios, e é objeto de diversos acordos internacionais. Por conta de sua relevância, pauta governos e está sempre no centro de disputas geopolíticas. Nesse cenário, é praticamente impossível que novas fontes de energia surjam e cresçam sem receber apoio político e econômico adequado.
O Fundo Monetário Internacional estima que, em todo o mundo, empresas produtoras de combustíveis fósseis (os principais deles sendo petróleo, gás natural e carvão mineral) contam com o apoio de US$5,3 trilhões em subsídios por ano. Isso equivale a US$10 milhões por minuto, e supera gastos de governos com saúde, por exemplo. No Brasil, a nova edição do Plano Decenal de Energia, publicada para consulta pública no começo de julho, aponta para cerca de 70% dos investimentos indo justamente para petróleo e gás. Estamos falando, enfim, de um volume enorme de recursos ainda destinado aos principais responsáveis pelas mudanças climáticas – desafio apontado por inúmeros políticos, cientistas e ativistas como o maior dos nossos tempos.
Em qualquer contexto seria difícil competir com uma indústria que há mais de um século dita os rumos da economia mundial e está presente em inúmeros aspectos das nossas vidas. Com esse volume de subsídios envolvido, então, a coisa se complica ainda mais.
Não à toa, países onde novas energias renováveis crescem mais rapidamente são aqueles em que governos buscam nivelar o jogo, construindo condições para uma necessária e urgente transição energética.
No Brasil, muito já foi feito pela energia eólica. Ao longo da última década, uma combinação de incentivos fiscais e leilões específicos para essa fonte (ao contrário dos tradicionais leilões onde diversas fontes competem entre si) permitiu que empresas do setor alcançassem escala grande o suficiente e preço baixo o suficiente para competir com combustíveis fósseis e inclusive hidrelétricas.
Contudo, o mesmo não pode ser dito sobre a energia solar. Importantes movimentos positivos já foram feitos, como a possibilidade de trocar energia com a distribuidora para conseguir descontos na conta de luz, a isenção de ICMS em diversos estados, e a realização de dois leilões específicos. Mas isso está longe do suficiente. Recentemente, o presidente Temer cancelou em cima da hora um terceiro leilão específico que estava marcado para dezembro de 2016. Nesse ano, foi anunciado que o FGTS passaria a ser utilizado para financiar a solarização de casas do Minha Casa Minha Vida, mas ainda é preciso liberar esse benefício a todos os cidadãos interessados em solarizar seus lares – segundo estudos do Greenpeace, esse seria o incentivo mais efetivo para motivar consumidores. Além disso, placas solares já são isentas de IPI, mas o imposto ainda incide sobre outras peças importantes para a instalação de sistemas como inversores e medidores, e outros impostos como o sobre importações e PIS/COFINS também poderiam ser revistos.
Para pressionar por mudanças rápidas, cada vez mais pessoas e organizações se mobilizam pela causa. Acaba de ser lançada no Brasil, por exemplo, a iniciativa Solução, parte de uma campanha internacional liderada pela Climate Action Network, rede internacional composta por mais de 1.100 organizações da sociedade civil trabalhando no desafio das mudanças climáticas. Capitaneada pela ONG Engajamundo por aqui, a iniciativa coloca jovens no protagonismo da transição rumo a energias limpas, promovendo esforços pela solarização de escolas país afora – uma medida significativa tanto em termos práticos quanto simbólicos. E esse é apenas um dentre diversos exemplos que poderiam ser citados aqui, liderados pela sociedade civil, por empresas e também por políticos conscientes do desafio.
Não temos muito tempo para fazer uma transição integral de combustíveis fósseis para energias renováveis. Para não superar a marca de 1,5°C de aquecimento global, precisamos zerar as emissões de gases de efeito estufa que resultam da queima desses combustíveis até 2050. Consequências das mudanças climáticas já podem ser sentidas ao redor do mundo, e se formos além desse nível de aquecimento elas se tornarão drásticas. Não à toa, 195 países assinaram o Acordo de Paris se comprometendo a tomar medidas para não chegarmos a isso.
Há inúmeros estudos mostrando os benefícios de uma transição energética para a economia e, o mais importante, para a vida das pessoas – começando por um mundo sem poluição do ar. Todos sabemos que, mais cedo ou mais tarde, a mudança vai acontecer. A principal barreira que temos ainda é a de custos, e ela pode ser superada muito mais rapidamente com planejamento e priorização. Resta ao governo decidir se abraçará o futuro, ou se continuará preso à energia do passado.
Pedro Telles é coordenador da campanha de Mudanças Climáticas do Greenpeace Brasil.
Fonte: Nexo
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