segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Visitando projetos de restauração de rios em Maryland, EUA



Spa Creek. Foto Axel Grael.


Buscando subsídios para o Projeto de Restauração Ecológica do Rio Jacaré, na Região Oceânica de Niterói

Em viagem aos EUA, estou cumprindo uma agenda de visitas técnicas a projetos de restauração de rios realizados no estado de Maryland e aos órgãos públicos responsáveis por este trabalho. Nosso objetivo é atualizar a experiência de visitas realizadas anos atrás, obter subsídios e aprender com as experiências locais que poderão ser úteis para o trabalho de renaturalização do Rio Jacaré, que será realizado pela Prefeitura de Niterói, como parte do Programa Região Oceânica Sustentável, financiado pela Banco de Desenvolvimento da América Latina - CAF.

Para viabilizar essa agenda, conto com a colaboração da professora Solange Filoso, da Universidade de Maryland, e de Richard Dolesh, da organização National Recreation and Park Association - NRPA e do Comitê Maryland - Rio de Janeiro, da organização Companheiros das Américas (Partners of the Americas), organização esta que eu presido a contraparte brasileira, que é o Comitê Rio de Janeiro - Maryland.

Solange Filoso foi uma das palestrantes do 1º Seminário sobre Práticas de Renaturalização Fluvial, promovido pela Prefeitura de Niterói em parceria com Universidade Federal Fluminense (UFF), em março de 2016.

Richard Dolesh é um antigo colaborador do estado do Rio de Janeiro e da cidade de Niterói, já tendo colaborado em várias parcerias relacionadas a gestão de parques e conservação de ecossistemas. Em 2014, Dolesh esteve em Niterói e participou das discussões iniciais para a criação do Parque Municipal Natural de Niterói. Como registro daquela sua experiência, publicou um artigo em revista especializada nos EUA sobre os esforços de Niterói na área da conservação.

Sobre a restauração de rios e seus mecanismos

Minhas visitas começaram com uma reunião com Erik Michelsen, administrador do Programa de Proteção e Restauração de Bacias Hidrográficas (Watershed Protection and Restoration Program), do Departamento de Obras Públicas (Department of Public Works), do Município de Anne Arundel. Com ele obtivemos informações orçamentárias do órgão, sobre custos, planejamento e gestão dos projetos, além de aspectos de licenciamento, relações com a população e aspectos políticos relacionado aos trabalhos de restauração de bacias hidrográficas.

O número de iniciativas de restauração de rios em Maryland é impressionante, tanto pela quantidade como pela qualidade das intervenções e, principalmente, pela experiência acumulada. Como toda ação inovadora, são muitos exemplos do que pode dar certo ou não.

Saiba mais sobre projetos em andamento no Condado de Anne Arundel.

Um dos lugares que visitei foi o chamado Spa Creek (Córrego Spa), cujo porte e os problemas são muito parecidos com o Rio Jacaré, em Niterói, que será objeto de um projeto de restauração ecológica, como parte do Programa de Região Oceânica Sustentável. As obras de restauração do Spa acabam de ser concluídas pela empresa Biohabitats, contratada pelo Condado de Anne Arundel para executar o trabalho.

Assim como prevemos para o Rio Jacaré, as prioridades do trabalho no Córrego Spa foram:
  • Desfazer as estruturas físicas de canalização, como muros e gabiões 
  • Recuperar o escoamento superficial, antes em grande parte soterrado por sedimentos devido ao assoreamento.
  • Reduzir a velocidade das águas, conter erosão e reter sedimentos
  • Refazer condições para habitats.

Veja mais informações nas fotos incluídas ao final do texto e as observações sobre os trabalhos realizados.

A evolução do conceito

A ênfase no esforço de restauração de rios surgiu em função do programa de despoluição da Baía de Chesapeake e da certeza que para avançar naquela agenda seria necessário priorizar as ações de controle das fontes de poluição não pontuais ("non-point sources") e as fontes de nutrientes que causam a eutrofização da baía. Para isso, era necessário avançar na recuperação de rios, para conter o transporte de nutrientes, sedimentos e outros poluentes.

O avanço no tema nos EUA e, em particular em Maryland, foi possível graças a uma política de gestão da drenagem urbana, que está respaldada por diversos instrumentos legais e que instituíram recentemente procedimentos de financiamento destas intervenções, como a Taxa de Proteção e Restauração de Bacias Hidrográficas (Watershed Protection and Restoration Fee - WPRF), cobrado de acordo com critérios de impermeabilização do solo, o que provoca o escoamento superficial e a sobrecarga da drenagem urbana e rios.

A controvérsia do Rain Tax

A cidade de Annapolis foi pioneira no assunto e aprovou mecanismos de financiamento para a restauração há cerca de 8 anos com um interessante slogan: "A nickel a day to save the bay" (Um centavo por dia para salvar a baía).

A coisa começou a complicar quando na última campanha eleitoral para governador a questão ganhou contornos políticos surpreendentes. A iniciativa de cobrança por serviços de drenagens foi apelidado por políticos contrários ao sistema (principalmente do Partido Republicano), como "Rain Tax", ou "imposto sobre a chuva".

Veja os critérios para a cobrança da taxa aqui.

A controvérsia causou, por exemplo, a derrota do candidato do Partido Democrata ao Governo do Estado de Maryland, tradicionalmente de supremacia deste partido.

Apesar disso, o assunto gerou muitas controvérsias e muitos conflitos, mas que chama a atenção é como superaram os conflitos políticos iniciais. Hoje, mesmo com os republicanos no poder, o "Rain Tax" foi absorvido na sociedade, implantado e os trabalhos de recuperação ambiental encontra-se em franco desenvolvimento.


Fonte: Department of Public Works, Anne Arundel County.


Com os recursos captados pelo sistema, o Departamento de Obras Públicas trabalha no Programa de Proteção e Restauração de Bacias Hidrográficas com três focos principais:
  • 'Retrofit' da infraestrutura de drenagem ("Stormwater Facility Retrofits"): reconstrução de estruturas existentes, como bacias secas (dry ponds), bacias de retenção (detention ponds) ou bacias de infiltração (infiltration basins) que estejam avariados, para otimizar a capacidade de redução de poluentes e de benefícios ecossistêmicos.
  • Revisão dos canais de drenagem de chuvas torrenciais ("Stormwater Outfall Repair"): canais erodidos ou com estruturas danificadas são reconstruídos como sistemas com alta capacidade de escoamento, mas que sejam capazes de proporcionar melhor qualidade da água e melhorias de habitats.
  • Restauração fluvial ("Stream restoration"): a erosão de córregos e pequenos cursos hídricos é a principal causa de assoreamento de rios.

Ideias e ensinamentos para a bacia do Rio Jacaré

Claro que iniciativas como a do estado de Maryland são uma enorme inspiração para nós no Brasil, no RJ e Niterói, mas, por mais inspiradoras que sejam, as técnicas aqui praticadas não são plenamente exportáveis para a nossa realidade. Trata-se de outro tipo de ecossistema, outro regime climático, outro tipo de densidade urbana, outro contexto social e econômico, outra cultura, outro embasamento jurídico e outra tradição política e cidadã. Mas, os conceitos e muitas das práticas de engenharia são extremamente úteis.

Veja, a seguir, alguns dos registros feitos durante as visitas de campo ao trabalho de restauração do Córrego Spa (Spa Creek), que está sendo desenvolvido pelo Condado de Anne Arundel:


Córrego Spa próximo à sua foz, no Rio Severn, que por sua vez é um afluente da Baía de Chesapeake. O Córrego Spa está sendo restaurado através de um contrato com a Biohabitats, empresa especializada em recuperação ambiental.  Foto Axel Grael.

O posicionamento de rochas nas margens ajuda a conter a erosão e cria habitats para a fauna fluvial. Foto Axel Grael.


As duas fotos acima mostram uma técnica de redução de velocidade das águas para conter sedimentos e prevenir erosão em pequena drenagem, tributária do Córrego Spa. Foto Axel Grael.

Calha do Córrego Spa reconstituído com pequenos barramentos de retenção feitos de seixos e brita. O objetivo é reduzir a velocidade do escoamento, propiciar pequenos remansos e favorecer a fauna com a formação de habitats. Foto Axel Grael.

Recuperação da seção da calha do rio, com a redefinição da várzea. Foto Axel Grael.

Educação e informação ao público. Foto Axel Grael


Nas duas fotos, ponto localizado mais a montante do Córrego Spa. Na foto logo acima, à esquerda, Joseph Berg, Ecologista Senior, líder de práticas de restauração ecológica da empresa Biohabitats. No centro, Solange Filoso, da Universidade de Maryland. Na foto anterior, Christa Grael diante de áreas recém tratadas. Fotos Axel Grael.

No final de uma rua, a montante do Córrego Spa, um Jardim de Chuvas ("Rain Garden") para conter a velocidade das águas pluviais, promover a infiltração e evitar o carreamento de poluentes para o córrego. Fotos Axel Grael. 

Brejos de Wilelinor ("Wilelinor Ponds"). A área é o resultado de uma recuperação mais antiga. A jusante da drenagem de uma estrada de rodagem, foram implantadas lagoas de retenção. Foto de Axel Grael.

Pequenos barramentos para a retenção de água e formação de ambientes lênticos. Foto Axel Grael


Áreas artificialmente inundadas para a retenção de água e regulação da vazão do rio. Foto Axel Grael.

Vista aérea do Córrego Spa (à direita) e área brejosa à esquerda, provocada pelo trabalho de recuperação para fins de regulação da vazão e para a retenção de sedimentos. Foto Biohabitats


Dos ensinamentos obtidos nas visitas às áreas, fazemos os seguintes destaques:
  • Canalização de rios por aqui, nunca mais!
  • É preciso olhar para toda a bacia hidrográfica, não apenas a calha do rio.
  • O esforço é de controlar processos erosivos e prevenir a entrada de excesso de sedimentos e nutrientes nos rios. Estabeleceram metas de redução para cada bacia hidrográfica.
  • O objetivo das intervenções é reduzir a velocidade do escoamento (o oposto do que se praticou historicamente no Brasil, com as retificações e canalizações de rios), recuperar ecossistemas (habitats, como enfatizam eles aqui) e, acima de tudo, separar sistemas de esgoto e de drenagem urbana.

Axel Schmidt Grael
Engenheiro florestal

Secretário Executivo
Prefeitura de Niterói




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Mais informação sobre a restauração do Córrego Spa



http://www.biohabitats.com/wp-content/uploads/SpaCreek_13034.pdf
http://www.biohabitats.com/projects/spa-creek-headwaters-retrofit-stream-restoration-design-build/
http://www.aacounty.org/departments/public-works/wprp/restoration/WPRP_Projects







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