Um estudo estimou que, há 10 anos, os usuários médios de internet na Austrália eram responsáveis pela emissão equivalente a 81 kg de dióxido de carbono (CO2e) na atmosfera. As melhorias na eficiência energética, a economia de escala e o uso de energia renovável, sem dúvida, reduziram esse volume, mas é claro que as pessoas nos países desenvolvidos ainda são responsáveis pela maior parte da pegada de carbono da internet. (CO2e é uma unidade usada para expressar a pegada de carbono de todos os gases de efeito estufa juntos, como se todos fossem emitidos como dióxido de carbono)
Do ponto de vista individual, o simples fato de trocar de aparelho com menos frequência é uma maneira de reduzir a pegada de carbono da tecnologia digital. Os gases de efeito estufa emitidos na fabricação e transporte desses dispositivos podem representar uma parcela considerável das emissões ao longo da vida útil de um equipamento eletrônico.
Um estudo da Universidade de Edimburgo, na Escócia, mostrou que estender de quatro para seis anos o tempo que você usa um computador e monitor pode evitar o equivalente a 190 kg de emissões de carbono na atmosfera.
Mensagens ecológicas
Também podemos mudar a maneira como usamos os gadgets para reduzir nossas pegadas digitais de carbono. Uma das formas mais fáceis de começar é alterando o modo como enviamos mensagens.
Talvez não seja surpresa, mas a pegada de carbono de um e-mail também varia significativamente – dependendo se é um e-mail de spam (0,3g de CO2e), um e-mail comum (4g de CO2e) ou um e-mail com foto ou anexo pesado (50g de CO2e), de acordo com o pesquisador Mike Berners-Lee, da Universidade de Lancaster.
Todavia, esses dados foram formulados por Berners-Lee há 10 anos. E de acordo com Charlotte Freitag, especialista em pegada de carbono da Small World Consulting, empresa fundada por Berners-Lee, o impacto dos e-mails pode ter aumentado.
"Achamos que a pegada por mensagem pode ser maior hoje, uma vez que as pessoas estão usando telefones maiores", diz ela.
Com base nos dados antigos, algumas pessoas estimaram que seus e-mails podem gerar 1,6 kg de CO2e em um único dia. O próprio Berners-Lee também calculou que um usuário corporativo padrão produz 135 kg de CO2e enviando e-mails a cada ano, o que equivale a dirigir 321km de carro.
Mas pode ser fácil reduzir esse impacto. Se simplesmente pararmos com sutilezas desnecessárias, como e-mails só para dizer “obrigada”, podemos economizar coletivamente muitas emissões de carbono.
Se cada adulto no Reino Unido enviasse um e-mail a menos de “obrigada”, isso poderia evitar a emissão de 16.433 toneladas de carbono por ano – o equivalente a tirar 3.334 carros a diesel das ruas, de acordo com a empresa de energia OVO.
"Embora a pegada de carbono de um e-mail não seja grande, é um ótimo exemplo do princípio mais amplo de que cortar o desperdício de nossas vidas é bom para o nosso bem-estar e para o meio ambiente", acrescenta Berners-Lee.
Trocar os anexos do e-mail por links para documentos e não enviar mensagens para vários destinatários ao mesmo tempo é outra maneira fácil de reduzir nossa pegada de carbono digital, além de cancelar o recebimento de e-mails que não lemos mais.
"Cancelei o recebimento de newsletters geradas automaticamente. Quando fiquei sabendo da pegada de carbono dos e-mails, fiquei horrorizada", diz Gaut.
"Agora, tomo cuidado para não cadastrar meu e-mail em novos sites… isso me fez mais consciente do impacto."
De acordo com estimativas do serviço antispam Cleanfox, o usuário médio recebe 2.850 e-mails indesejados por ano, responsáveis pela emissão de 28,5 kg de CO2e.
Optar por enviar uma mensagem de texto (SMS) talvez seja a alternativa mais ecológica como forma de manter contato, uma vez que cada mensagem gera apenas 0,014g de CO2e.
"Embora a pegada de carbono de um e-mail não seja grande, é um ótimo exemplo do princípio mais amplo de que cortar o desperdício de nossas vidas é bom para o nosso bem-estar e para o meio ambiente"
Estima-se que um tuíte tenha uma pegada de 0,2g de CO2e (embora o Twitter não tenha respondido às solicitações para confirmar esse número), enquanto o envio de mensagem por meio de aplicativos como
WhatsApp ou
Facebook Messenger tenha uma intensidade de carbono apenas um pouco menor do que enviar um e-mail, de acordo com cálculos de Freitag.
Agora, mais uma vez, isso pode depender de o que você está enviando –
gifs, emojis e imagens têm uma pegada maior do que um texto simples.
A pegada de carbono de fazer uma ligação de um minuto pelo celular é um pouco maior do que enviar uma mensagem de texto, segundo Freitag, mas o impacto de fazer chamadas de vídeo pela internet é infinitamente maior.
Um estudo de 2012 estimou que uma reunião por videoconferência de cinco horas com participantes de diferentes países produziria entre 4 kg e 215 kg de CO2e.
Mas é importante lembrar que se a videoconferência substitui deslocamentos (como viagens de carro ou avião) para chegar à reunião, pode ser muito melhor para o meio ambiente.
O mesmo estudo constatou que uma videoconferência produz apenas 7% das emissões de reuniões presenciais.
Pesquisa limpaA pesquisa na internet é outra área complicada. Há uma década, cada busca tinha uma pegada de 0,2 g de CO2e, segundo dados divulgados pelo
Google.
Hoje, o
Google usa uma combinação de energia renovável e compensação de carbono para reduzir a pegada de suas operações, enquanto a Microsoft, dona do mecanismo de busca
Bing, prometeu remover mais carbono da atmosfera do que emite até 2030.
Em paralelo, há iniciativas em andamento para investigar se essa pegada é agora mais alta ou mais baixa.
De acordo com os dados do próprio
Google, no entanto, um usuário médio dos seus serviços – alguém que realiza 25 buscas por dia, assiste a 60 minutos de
YouTube, tem uma conta do
Gmail e acessa outros serviços da empresa – produz menos de 8g de CO2e por dia.
Ferramentas de busca mais novas, no entanto, estão tentando se destacar como opções mais ecológicas desde o início. A Ecosia, por exemplo, diz que plantará uma árvore para cada 45 buscas realizadas.
Esse tipo de compensação pode ajudar a remover o carbono da atmosfera, mas o sucesso de iniciativas como essa geralmente depende de quanto tempo leva para as árvores crescerem e o que acontece quando são cortadas.
Independentemente do mecanismo de busca que você escolher, o uso da web para encontrar informações é mais sustentável do que pesquisar nos livros.
Na verdade, a pegada de carbono de um livro é de cerca de 1 kg de CO2e, enquanto a de um jornal publicado no fim de semana é de 0,3 kg a 4,1 kg de CO2e, o que torna a leitura das notícias na internet mais ecológica do que no papel.
Mas você pode ler livros pelo resto da vida – 2,3 mil para ser mais preciso – até alcançar a mesma pegada de carbono de um voo de Londres para Hong Kong. Portanto, não se sinta culpado ao comprar o próximo
best-seller.
Aqueles que se sentiram tentados a investir em
criptomoedas também podem querer pensar cuidadosamente a respeito do impacto ambiental dessas transações.
O algoritmo de "prova de trabalho", usado para validar transações no
blockchain (espécie de banco de dados descentralizado que usa criptografia para registrar as transações) requer uma capacidade de processamento enorme.
Um estudo recente estimou que o
BitCoin sozinho é responsável por cerca de 22 milhões de toneladas de emissões de dióxido de carbono por ano – maior do que toda a pegada de carbono da Jordânia.
Vencendo o tédioAssistir a vídeos online representa a maior parte do tráfego da internet no mundo (60%) e gera 300 milhões de toneladas de dióxido de carbono por ano, o que equivale a aproximadamente 1% das emissões globais, de acordo com o centro de estudos francês
The Shift Project.
Isto porque, além da eletricidade usada pelos dispositivos, há a energia consumida pelos servidores e redes que distribuem o conteúdo.
"Se você liga a televisão para assistir ao
Netflix, aproximadamente metade da energia é usada para alimentar a TV, e a outra metade é usada para alimentar a
Netflix", diz Hazas.
Alguns especialistas insistem, no entanto, que a energia necessária para armazenar e transmitir vídeos é menor do que atividades de processamento mais intensas realizadas pelos
datacenters.
Parte da poluição ambiental resultante do uso da internet também é proveniente de um tipo de navegação controversa. A pornografia é responsável por um terço do tráfego de
streaming de vídeo, gerando tanto dióxido de carbono quanto a Bélgica em um ano.
As plataformas de
streaming, como
Amazon Prime e
Netflix, representam mais um terço, enquanto o terço final da pegada de carbono do
streaming de vídeo se refere a assistir a conteúdos no
YouTube e nas redes sociais.
A
Netflix afirma que seu consumo de energia global chega a 451.000 megawatts-hora por ano, o suficiente para abastecer 37 mil residências, mas insiste que compra certificados de energia renovável e crédito de carbono para compensar qualquer energia proveniente de fontes de combustíveis fósseis.
O
streaming e o
download de músicas também têm impacto no meio ambiente.
Rabih Bashroush, pesquisador da Universidade de East London (UEL) e cientista-chefe do projeto Eureca, financiado pela Comissão Europeia, calculou que
o clipe da música Despacito (2017), que atingiu 5 bilhões de visualizações, consumiu tanta eletricidade quanto o Chade, Guiné-Bissau, Somália, Serra Leoa e República Centro-Africana juntos em um único ano.
"O total de emissões do
streaming dessa música pode ser superior a 250 mil toneladas de dióxido de carbono", diz ele.
No entanto, Hazas ressalta que algumas visualizações do
YouTube são involuntárias. Um estudo liderado por sua colega Kelly Widdicks analisou os hábitos de
streaming e descobriu que alguns espectadores usam o
YouTube como barulho de fundo e, às vezes, até pegam no sono, gerando carbono a troco de nada.
Reduzir esse tipo de uso ou evitar que o vídeo seja reproduzido acidentalmente em um navegador aberto quando você não está assistindo, pode ajudar a reduzir sua pegada de carbono.
Alterar as configurações de reprodução automática e assistir ao vídeo com uma resolução mais baixa, quando a alta definição não é necessária, também pode fazer a diferença.
Mas, segundo Hazas, a maneira mais eficiente de ver seu programa favorito é esperar até que ele esteja disponível na televisão ou optar por fazer o
streaming via
Wi-Fi, em vez de usar uma rede móvel.
"
Usar o telefone com rede móvel consome pelo menos duas vezes mais energia do que o Wi-Fi. Portanto, se você puder esperar até chegar em casa para assistir ao
YouTube, melhor", explica. E uma das maneiras mais agradáveis de ser ambientalmente correto é assistir a filmes e programas de televisão acompanhado.
“No geral, o áudio é menos problemático”, acrescenta Hazas, uma vez que o
streaming de áudio consome menos energia e carbono do que o
streaming de vídeos.
Mas pesquisadores da Universidade de Oslo, na Noruega, descobriram que o impacto ambiental de ouvir música nunca foi tão alto – com uma pegada de 200 mil a 350 mil toneladas de CO2e somente nos EUA, proveniente de músicas baixadas em
MP3 players.
Acredita-se que as emissões associadas aos serviços de
streaming de música possam ser ainda maiores.
No entanto, o número de vezes que você ouve uma música pode fazer a diferença. Comprar um disco ou CD físico pode ser mais indicado se você ouvir o mesmo álbum repetidamente. Mas, se você ouvir determinada música menos de 27 vezes ao longo da sua vida, o
streaming pode ser melhor.
Da mesma forma, estima-se que o custo ambiental de baixar jogos de videogame seja maior do que a produção e distribuição de discos
Blu-Ray. A primeira tentativa de mapear o uso de energia dos
games nos EUA mostrou que os mesmos produzem 24 megatoneladas de dióxido de carbono por ano.
Pesquisadores da Universidade da Califórnia, que conduziram o estudo, descobriram que os jogadores de games americanos utilizam 2,4% da eletricidade doméstica – 32 terawatts-hora de energia por ano – mais do que um freezer ou máquina de lavar.
Eles também constataram que o
streaming de
games consome mais energia; portanto, as emissões de carbono podem piorar à medida que mais gente joga games em que o trabalho computacional está sendo realizado remotamente, e não em consoles individuais, como em dispositivos como o
Google Stadia.
Mas Hazas é mais otimista.
"A pegada de carbono de jogos
multiplayer, como
Fortnite, não é tão ruim", diz ele.
"Eles são desenvolvidos para serem responsivos, para não exigir muito tráfego de dados. Por exemplo, você pode checar a posição de um personagem no mapa ou ver que alguém está atirando, mas não são necessários muitos dados para comunicar isso."
No entanto, a atualização dos jogos consome mais carbono.
"Grandes games como
Fortnite ou
Call of Duty exigem muitas atualizações, então você se depara com gigabytes para downloads a cada duas semanas, que adicionam novos recursos ao jogo."
Para quem gosta de explorar as redes sociais, a notícia é boa. É, sem dúvida, a forma de entretenimento digital menos intensiva em carbono.
De acordo com o relatório de sustentabilidade do
Facebook, a pegada de carbono anual de um usuário é de 299g de CO2e – o que representa menos do que ferver água para um bule de chá. Mas se você considerar que a plataforma tem mais de um bilhão de usuários, são muitos bules de chá.
É possível reduzir as emissões de carbono desativando alguns recursos das redes sociais e de outros aplicativos.
"Descobrimos que as atualizações de aplicativos e os backups automáticos na nuvem representam cerca de 10% do tráfego de telefones celulares", diz Hazas.
"Portanto, desabilitar backups desnecessários na nuvem e desabilitar downloads automáticos para atualizações de aplicativos são boas coisas a fazer".
Mas, como a mudança dos nossos hábitos pessoais na internet só surte efeito até certo ponto, também é preciso haver mudanças na indústria para garantir que as emissões de carbono possam ser de fato reduzidas, diz Elizabeth Jardim, ativista do
Greenpeace.
A previsão é de que as emissões de gases de efeito estufa do setor de TI sejam responsáveis por 14% das emissões globais até 2040. Mas, ao mesmo tempo, a União Internacional de Telecomunicações da ONU estabeleceu uma meta para o setor reduzir suas emissões em 45% na próxima década.
"É mais importante garantir que as empresas que desenvolvem a internet migrem para fontes renováveis de energia e eliminem gradualmente os combustíveis fósseis", avalia Jardim. "Aí, sim, poderemos fazer buscas na internet sem culpa."
Fonte:
BBC