Senadora Marina Silva, candidata do PV à Presidência da República 2010. Foto de Cacá Meirelles. Divulgação. |
Senadora afirma que pretende distanciar-se do próximo governo
Às vésperas da disputa presidencial entre Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB), a candidata derrotada Marina Silva (PV) classificou a polarização entre petistas e tucanos no poder como um "retrocesso político" e adiantou que pretende distanciar-se do próximo governo para construir um projeto alternativo ao país.
— O Brasil precisa de uma terceira via para acabar com essa polarização PT - PSDB que está levando ao retrocesso político, no meu entendimento. E a posição de independência favorece a construção de uma terceira via para que a democracia no Brasil possa cada vez mais ser vigorosa — afirmou em entrevista a zerohora.com na última quarta-feira.
Disputada entre Dilma e Serra por conta dos cerca de 20 milhões de votos conquistados, Marina viu sua plataforma verde ser ignorada nas últimas semanas de campanha ao segundo turno. Para a senadora, nenhum dos presidenciáveis está comprometido com suas ideias:
— Pelo que eu tenho visto nos debates, quem está mais comprometido com esta proposta é o próprio eleitor.
Leia trechos da entrevista com Marina Silva:
Zero Hora — Por que a senhora optou por não se posicionar no segundo turno?
Marina — Eu optei por ficar independente, juntamente com o partido, por entender que isto é o melhor para o fortalecimento da nossa democracia, no sentido de que os candidatos têm que se comprometer com as propostas, inclusive com as que foram apresentadas por nós. [Eles devem] convencer os eleitores que no primeiro turno votaram na minha proposta e de Guilherme Leal para evitar essa visão equivocada de que a liderança política é dona dos votos. A gente não é dona do voto do eleitor. O voto é de cada cidadão e de cada cidadã, e cada candidato deve convencê-los a tomar uma decisão a favor de sua candidatura e evitar a história de terceirizar o convencimento. As pessoas têm uma visão atrasada da política, de que o líder deve conduzir as pessoas para um lado e para o outro, o que infantiliza a sociedade, como se ela não tivesse a capacidade de ter discernimento. As pessoas que votaram no nosso projeto votaram com base em opinião e têm todas as condições de, a partir de olharem para os candidatos, tomarem as suas decisões livremente, responsável com aquilo que elas acham que é o melhor para o Brasil e o melhor para si mesmo. Eu dei uma contribuição, apresentando inclusive uma carta à ministra Dilma e ao governador Serra onde faço a pontuação de várias questões, inclusive de que o Brasil precisa de uma terceira via para acabar com essa polarização PT - PSDB que está levando ao retrocesso político, no meu entendimento. E a posição de independência favorece a construção de uma terceira via para que a democracia no Brasil possa cada vez mais ser vigorosa.
Zero Hora — Logo após a eleição, na tentativa de barganhar um apoio do PV e da senhora, Dilma e Serra fizeram promessas de fidelidade às suas propostas. A senhora acredita que, por não ter aberto o seu voto, esse projeto tenha sido negligenciado no segundo turno?
Marina — Nós pedimos aos candidatos que respondessem às nossas propostas por escrito. Apresentamos as suas propostas na nossa convenção e, desde o início, eu dizia que não bastava apenas um ato declaratório, que era fundamental que os eleitores identificassem como é que, no decorrer da eleição no segundo turno, principalmente nos debates, esses temas iam sendo considerados como prioridade. Lamentavelmente, isso não aconteceu. Agora, o compromisso com essas propostas deve ser da compreensão e da visão dos candidatos, independente do apoio ou não desta ou daquela liderança, inclusive o meu. Se as pessoas entendem que as propostas são boas, elas deveriam ser integradas pelos candidatos a partir do compromisso que eles têm com essa agenda da valorização da educação como um direito, como uma alavancadora do desenvolvimento e da proteção do meio ambiente, como uma forma de proteger os nossos recursos naturais, de ajudar a salvar o planeta. Então, lamentavelmente, talvez por falta de visão, isso não tenha sido colocado como prioridade nos processos dos debates.
Zero Hora — No segundo turno, o debate de propostas teria perdido espaço para o que a senhora classificou de "vale tudo eleitoral". A senhora se considera responsável por uma disputa menos agressiva no primeiro turno?
Marina — Eu me esforcei muito. Primeiro, para quebrar o plebiscito, para evitar o embate. Acho que levantei temas que foram muito importantes: a questão do desenvolvimento sustentável, a priorização da educação infantil, da universidade, a questão da saúde pública. Nós tínhamos uma plataforma de governo. Lamentavelmente, os candidatos [Dilma e Serra] não apresentaram um programa de governo no primeiro turno e, nesse segundo turno, as coisas ainda não ficaram claras em relação às suas propostas. Então, a contribuição foi dada em dois níveis: para quebrar o plebiscito e para promover o debate à altura do que deve ser feito no Brasil. Não se pode ser feito, em um país como o nosso, em pleno início de século, um debate apenas em cima de promessas. É fundamental que os brasileiros possam ver que os candidatos estão comprometidos em manter os ganhos da política econômica, da política social, mas, ao mesmo tempo, olhar para os erros e corrigi-los a partir de uma visão de política pública.
Zero Hora — No primeiro turno, a senhora costumava dizer que o eleitor deveria votar com o coração para depois escolher o menos pior. O que considera o menos pior para o país hoje?
Marina — Eu considero o menos pior para o Brasil votar comprometido com aquilo que eu dizia no primeiro turno, corrigir os erros, manter as conquistas e enfrentar os novos desafios.
Zero Hora — E quem estaria mais comprometido com as suas propostas?
Marina — Pelo que eu tenho visto nos debates, quem está mais comprometido com esta proposta é o próprio eleitor que, no primeiro turno, em que diziam que eu não tinha aliança, que não tinha apoio, que eu não crescia nas pesquisas, não tinha recursos e estruturas e nem as alianças incoerentes, deram uma votação fantástica de quase 20 milhões de votos para essa visão. Então, eu vejo que quem está mesmo comprometido com tudo isso é o cidadão brasileiro que está cansado dessa polarização, dessa política que promove confronto em lugar de promover o encontro entre os nossos sonhos e o Brasil que nós queremos.
Zero Hora — A senhora cogitaria assumir um cargo em um eventual governo Dilma ou Serra para tentar combater essa polarização?
Marina — Eu já tive a oportunidade de participar do governo do presidente Lula durante cinco anos e meio. Agradeço a Deus e a ele por essa oportunidade e me sinto honrada por ter feito uma série de ações que fizeram a diferença na política ambiental, principalmente na questão da criação da unidade de conservação, em que criamos mais de 24 milhões de hectares. Às vezes, para quebrar essa polarização, você ajuda muito mais não estando no governo, sendo uma força equilibrada na discussão. Eu não acredito na política do "quanto pior, melhor" e vou voltar para a sociedade. É de lá que eu pretendo contribuir para construir aquilo que eu chamo de uma terceira via, para que o cidadão possa ter uma liberdade de escolha, porque quando ele tem que optar entre A e B, não há mais como escolher. Para você escolher, é preciso que haja um terceiro, por isso eu estou me esforçando muito para que o Brasil continue apostando na terceira via, não se enquadrar mais nos velhos paradigmas de direita, esquerda ou de ter situação por situação, ou oposição por oposição. Trata-se de uma nova visão: ver os problemas com a complexidade que eles têm e que a realidade é muito mais do que a dualidade simplista que às vezes eles querem enquadrar os fenômenos sociais.
Zero Hora — As pesquisas mostram que o número de eleitores indecisos tem aumentado. A senhora acredita que os seus eleitores continuam indecisos frente às propostas de Dilma e Serra?
Marina — Uma eleição em dois turnos é a chance de falar novamente com a sociedade, de convencer novamente os eleitores. Não só os quase 20 milhões que votaram na proposta que eu representei, mas os 190 milhões de brasileiros. Com certeza, pelo nível do debate, pela forma como resvalou a discussão nesse segundo turno, as pessoas ficaram muito decepcionadas, e não tenho dúvidas de que os eleitores que votaram no projeto que eu e Guilherme representamos são pessoas que votaram com base em opinião e valorizando muito a ideia de propostas e posturas dos candidatos, da visão estratégica que ele tem do país. Sorte que uma parte dos brasileiros de fato está ainda com grandes interrogações em relação aos seus votos e em fazer as suas escolhas.
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