22/10/2009 - 07h00
"Os Jogos não podem ser só uma festa", avisa Lars, sobre o Rio-2016
Maurício Dehò
Em São Paulo
Hoje de volta à vela, Lars Grael teve um teve um período de atuação política como secretário de esportes em nível nacional e estadual, em São Paulo. Viveu, assim, o período em que a candidatura do Rio de Janeiro aos Jogos Olímpicos era apenas um embrião, no começo do século, antes mesmo do Pan de 2007. Após a festa com a vitória na eleição para sede de 2016, em Copenhague, na Dinamarca, é hora de se pensar para onde o Rio poderá levar o país. Esta é a preocupação do paulista, duas vezes medalhista de bronze nas Olimpíadas.
"Os Jogos não podem ser só uma festa, com um fim", avisa Lars, que disse ter compartilhado o fervor da vitória brasileira. "Nunca tivemos um momento tão propício para discutir o esporte. Para que ele seja integrado às políticas sociais do governo. O esporte tem de ser elemento de políticas públicas."Para Lars, o fundamental é trabalhar o esporte nos níveis de base, pensando não apenas em resultados, mas em saúde, educação e inclusão social.
Fora da política, o velejador está de volta ao mar e em alto nível, o que foi comprovado com o bronze no Mundial de Star da Suécia. O objetivo agora é melhorar o resultado no Mundial do Rio, em janeiro, para depois disto pensar se aos 45 anos encara mais um ciclo olímpico. Confira a entrevista com Lars, que falou sobre vela, sua deficiência, os Jogos no Rio e o que espera estar fazendo em 2016.
Como você viu a vitória do Rio na eleição para sediar os Jogos de 2016. Você compartilhou aquela exaltação, ou tem ressalvas?
Lars Grael: Compartilhei. Desde quando fui gestor como secretário nacional de esportes, dei minha contribuição ajudando a conceber o projeto. Em fevereiro de 2001, nós tivemos uma reunião na Suíça com o então presidente do Comitê Olímpico Internacional (COI), Juan Antonio Samaranch, em que avaliávamos uma candidatura e como ela deveria ser. Ele disse que o primeiro passo era nos empenharmos em fazer uma competição continental. Foi o Pan, que teve uma parte de estratégia importante quando sediamos os Jogos Sul-Americanos de 2002. O evento foi tirado de Medellín (COL), por motivos de segurança, e de Mar Del Plata (ARG), por problemas econômicos. Nós o acolhemos e, nisso, ganhamos votos na América do Sul para o Pan. Aí veio 2007 e tivemos um excelente evento, apesar de algumas ressalvas, que deu credibilidade para sediarmos os Jogos.
Quais são os próximos passos para se pensar em 2016?
Lars Grael: Agora as Olimpíadas são um fato concreto. Seremos palco dos Jogos Militares [2011], da Copa do Mundo [2014] e dos Jogos Olímpicos. E, tão importante quanto as transformações urbanas para o Rio, temos de combater o crime organizado, garantir segurança e melhorar hotéis, transporte e condições ambientais. Além disso, temos de desenvolver com intensidade um espírito olímpico, que se faz mobilizando a sociedade, dando atenção ao esporte na escola, valorizando o profissional de Educação Física e o esporte estudantil.
Mas qual tem de ser o foco na preparação?
Lars Grael: Muito mais do que colocar equipamentos esportivos, é fortalecer o esporte como meio de inclusão social, de dar qualidade de educação e de construir políticas públicas de saúde, combatendo o sedentarismo, por exemplo. Este é o principal legado que temos de buscar.
Este prazo de sete anos será suficiente para tantas mudanças que nunca foram feitas?
Lars Grael: Precisamos que seja. Nunca tivemos um momento tão propício para discutir o esporte. Para que ele seja integrado às políticas sociais do governo. O esporte tem de ser elemento de políticas públicas e os Jogos não podem ser só uma festa, com um fim.
O resultado no quadro de medalhas não é o mais importante, então?
Lars Grael: Acho que uma coisa é conseqüência da outra. Para termos o resultado é necessário compromisso com a base. O Brasil tem condições de estar inserido entre as dez primeiras potências do esporte olímpico e as cinco melhores do esporte paraolímpico em 2016.
E o que você se imagina fazendo em 2016?
Lars Grael: Estarei acompanhando meu filho Nicolas e meus sobrinhos Marco e Martine, tentando a vaga olímpica. Além disso, espero ver e acompanhar como preparador os alunos oriundos do Projeto Grael. Eu estarei competindo, mas provavelmente na vela oceânica, com barcos de maior parte. Provavelmente ainda velejarei de Star, mas a idade [terá 52 anos] e ter uma perna a menos serão um grande handicap, me deixando sem condições olímpicas.
Falando sobre vela, agora. Ao lado de Ronnie Seiffert, você vem de um bronze no Mundial da classe Star. Você esperava este resultado?
Lars Grael: Foi uma surpresa, porque eu voltei à vela olímpica com mais intensidade em 2009. Já vinha intensificando desde 2007 este retorno, depois de deixar os cargos de gestão esportiva a que estava ligado, e este ano fui estabelecendo metas. Primeiro, velejei com Renato Moura e, depois, já com o Ronnie, fui 17º na Alemanha. Sabia que estava faltando um algo mais. Quando fomos para o Mundial da Suécia, começamos a andar no grupo intermediário, mas conseguimos equilibrar o barco e crescemos na competição. A meta era nos manter entre os dez, o que seria excelente, mas tivemos aquele último dia perfeito, vencemos com folga e com isso pegamos o bronze.
Este resultado muda suas projeções e os planos?
Lars Grael: Muda sim, é um enorme incentivo. Apesar de ter ficado anos afastado da vela olímpica, já estar com 45 anos e pelo peso da deficiência física, voltar com garra e conquistar um resultado deste motiva muito para o futuro.
Por que você decidiu deixar o lado político?
Lars Grael: Sempre tive uma noção muito clara da transitoriedade desses cargos, não queria me perpetuar, mas levar a visão de um atleta olímpico para os postos em que estive. Foi gratificante ser Secretário Nacional de Esportes e Secretário da Juventude, Esporte e Lazer do Estado de São Paulo, mas não tinha como meta me tornar político. Tive então um convite para a iniciativa privada, num cargo de superintendente da Light, empresa na qual ainda sou consultor e é minha patrocinadora na vela. O sangue de velejador sempre esteve comigo, voltar a realizar o sonho de velejar é muito gratificante.
O que é possível esperar para o Mundial da classe Star no Rio, em janeiro?
Lars Grael: O Mundial no Rio é a principal competição para a classe Star agora. Estou com um barco novo chegando e já vou poder acertá-lo na Semana Internacional de Vela no Rio de Janeiro, nos dias 1 e 2 de novembro, e no Sul-Americano, também no Rio. Esta competição já vai reunir os que vão ao Mundial. Virão barcos do mundo inteiro, então será bom para trabalhar a parte técnica.
Você acha que brigará pela vitória?
Lars Grael: É muito difícil dizer. As competições são muito equilibradas, tanto que fora o Robert [Scheidt], nenhum velejador venceu duas provas de Star este ano. Teremos velejadores como o Robert e o Torben [Grael], então sou apenas um pretendente.
Mas o resultado no Mundial te dá uma projeção de brigar pelo ouro?
Lars Grael: Sim, é possível. Seguramente dá para brigar.
E, mesmo com 45 anos, existe algum plano de disputar os Jogos Olímpicos de 2012?
Lars Grael: A partir deste Mundial vou analisar o cenário de vela e pensar até 2012. Com estes resultados verei se encaro outro ciclo, porque não sou obcecado por isso. Tenho de ter um senso de realismo, saber que não é fácil se classificar com adversários como Scheidt, no alto de sua carreira, velejando maravilhosamente bem, e com o regresso de Torben [vencedor da Volvo Ocean Race, volta ao mundo de vela]. Mas não descarto.
No mês passado se completou 11 anos do acidente que lhe causou a amputação da perna direita. Qual a maior diferença daquele tempo e hoje, como velejador?
Lars Grael: A diferença é que no tipo de barco da classe Tornado, um amputado não teria a menor chance de competir [este tipo de embarcação exige mais movimentação do timoneiro, que veleja de pé]. Já a classe Star permite velejar com uma perna, apesar de o que fiz ser inédito. Eu levo desvantagem em movimentação e agilidade, além da capacidade de escora, que é estabilizar o barco colocando o peso do corpo para fora, o que aparece mais em vento forte.
Como vencer essa dificuldade?
Lars Grael: Com técnica e cada vez mais aliando experiência e paixão. É realmente na pura superação. Espero, com isso, inspirar as pessoas que passam por situações semelhantes.
Esse seria o objetivo de ir às Olimpíadas?
Lars Grael: Sim, meu principal objetivo é inspirar quem passou por algo semelhante ou até menor do que passei. Não tenho como objetivo ter mais uma medalha, mais uma taça na minha estante. A Olimpíada tem o lado do compartilhar, uma conquista traz um impacto muito grande pra quem me tem como referência.
Nestes anos, como foi encarado o seu retorno após ter de amputar a perna?
Lars Grael: Eu, potencialmente, posso competir e nunca encontrei proibição. Algumas pessoas mostraram certo constrangimento em me ver competindo contra eles. Havia pena. Mas vendo que tem de dar o máximo de si para competir comigo, elas passaram a admirar e respeitar o meu esforço.