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Represa do Camorim, no Parque Estadual da Pedra Branca (Rio de Janeiro). |
ONU declara 2013 como o Ano Internacional da Cooperação pela Água.
Até o
Brasil, rico neste recurso natural, já sente os reflexos da escassez. Estudos da
ANA mostram que, de um total de 29 aglomerados urbanos no país, 16 já precisam
buscar novos mananciais para garantir o abastecimento até 2015. Matéria de
Cleide Carvalho, em O Globo, socializada pelo ClippingMP.
Em pouco mais
de duas décadas, o mundo terá nove bilhões de pessoas, um acréscimo de dois
bilhões à população. Se um terço deste total engrossar as fileiras de
consumidores da classe média, a pressão sobre os recursos naturais do planeta se
tornará insustentável. Só o consumo de água aumentará 30%. Haverá necessidade de
produzir 50% a mais de alimentos, e a oferta de energia terá de crescer 45%. “As
economias estão oscilando. A desigualdade está crescendo. E as temperaturas
globais continuam subindo. Estamos testando a capacidade do planeta de nos
sustentar” resumiram os 22 integrantes do Painel de Alto Nível da
Secretaria-geral das Nações Unidas numa análise da sustentabilidade global
entregue há exato um ano à cúpula da ONU.
Se nada for feito para mudar o
padrão de consumo, dois terços da população global poderão sofrer com escassez
de água doce até 2025. A previsão é da própria ONU, que declarou 2013 o Ano
Internacional da Cooperação pela Água. Também aqui há risco de escassez. Um
estudo da Agência Nacional de Águas (ANA) mostra que, dos 29 maiores aglomerados
urbanos do país, 16 precisam achar novos mananciais para garantir o
abastecimento até 2015. São 472 municípios em busca de novas fontes de água, 56
deles ficam em três Regiões Metropolitanas do estado de São Paulo (Campinas,
Baixada Santista e a própria capital).
— Tivemos forte urbanização onde
não havia água — resume Dante Ragazzini, presidente da Associação Brasileira de
Engenharia Sanitária e Ambiental.
A água doce está em rios, lagos,
geleiras e aquíferos, mas representa apenas 2,5% do total de água da Terra. Nem
toda ela é acessível ao consumo humano e, pior, a distribuição é desigual entre
os países. Mesmo no Brasil, que ostenta a maior reserva de águas doces
superficiais do planeta (12% do total), as condições de acesso não são
equânimes. A região hidrográfica Amazônica — que abrange Amazonas, Amapá, Acre,
Rondônia, Roraima e grande parcela do Pará e do Mato Grosso — equivale a 45% do
território nacional e detém 81% da disponibilidade hídrica. As regiões
litorâneas, que respondem por apenas 3% da oferta nacional, abrigam 45% da
população do país. Ou seja, os brasileiros se concentram cada vez mais em áreas
onde a oferta de água é desfavorável.
O problema também é social.
Calcula-se que 12,1 milhões de brasileiros não têm acesso adequado ao
abastecimento de água. As moradias “sem torneira” somam 4,2 milhões. O consumo é
bastante desigual. Enquanto um cidadão do Rio de Janeiro usa 236 litros de água
por dia, o consumo per capita em Alagoas é de 91 litros. Em São Paulo, 185
litros.
Para a ONU, a quantidade de água do planeta é suficiente para
atender a população mundial, mas não há mais espaço para o desperdício. No
Canadá, o consumo per capita chega a 600 litros por dia. Enquanto isso, cerca
de 783 milhões de pessoas no mundo não têm acesso à água potável.
O
consumo de água dos paulistanos é 4,3 vezes maior do que a água que há
disponível. Só na Região Metropolitana de São Paulo são 19,9 milhões de
consumidores, 10,4% da população do país. Principal fornecedora do estado, a
Sabesp vem buscando água limpa a 80 km de distância, na represa Cachoeira do
França, no Rio Juquiá, para atender um universo de 1,3 milhão de pessoas na
Zona Oeste da capital e em municípios vizinhos. O novo sistema teve que ser
inserido no maior remanescente de Mata Atlântica no estado, o Vale do
Ribeira.
A escassez de água não é o único dilema. O consumo humano exige
que ela seja limpa e tratada, mas o crescimento das cidades engole mananciais.
As águas superficiais ficam poluídas com o lançamento de esgoto, efluentes
industriais e até mesmo venenos usados em larga escala na
agricultura.
Bacias, como as de Alto Iguaçu (PR), Rio Mogi Guaçu (SP),
Rio Ivinhema (MS) e a do Rio Pará (MG), apresentaram queda no índice de
qualidade de água no último levantamento publicado. Segundo dados da ANA, os
motivos prováveis são o aumento da carga de esgotos domésticos e a falta de
investimentos em saneamento. No meio rural, a poluição difusa e o uso do solo
sem manejo causam assoreamento, piorando a qualidade das águas.
No
Brasil, 73% dos municípios são abastecidos com águas superficiais, sujeitas a
todo tipo de poluentes. É importante lembrar que, quando os jesuítas fundaram
São Paulo, havia abundância nos rios Tietê, Pinheiros, Anhangabaú e
Tamanduateí. Hoje, o Tietê é pura lama no trecho que corta a cidade. A ausência
de planejamento no passado colocou em risco mananciais e represas do entorno,
como Billings e Guarapiranga, que foram invadidos, desmatados e
poluídos.
— Cuidamos mal da pouca água que temos. Poluímos 24 horas por
dia. Mais de R$ 3 bilhões já foram gastos na despoluição do Rio Tietê e não se
vê a diferença. Se não estancar o esgoto, a natureza sozinha não consegue
reparar o dano. Os reservatórios também estão sendo poluídos e a água tem de ser
tratada para voltar a ser potável — diz Édison Carlos, presidente executivo do
Instituto Trata Brasil.
Nem mesmo as águas profundas estão a salvo da
degradação e da exploração em excesso. Nos últimos anos, ocorreu um aumento
significativo no consumo de água subterrânea no país. O estado de São Paulo é o
maior usuário. São mais de mil poços, com três milhões de pessoas beneficiadas.
Em alguns deles, a água sai quente e precisa ser resfriada.
Em capitais
do Nordeste, como Recife, Natal e Maceió, a falta de saneamento adequado fez
com que o esgoto alcançasse poços. O excessivo bombeamento de águas profundas
na região costeira e até mesmo métodos de produção de camarões, que aumentam a
intrusão do mar, também geram problemas de salinização de aquíferos. Já foram
identificados indícios do problema nas regiões oceânicas de Niterói e Rio das
Ostras, no Rio de Janeiro, assim como no sistema aquífero Barreiras, no Rio
Grande do Norte, e nas cidades de São Luís e Maceió.
Na medida em que a
população se concentra nas áreas urbanas, a garantia de oferta de água se torna
mais complexa. A população tende a degradar as águas mais próximas e o esgoto
compromete mananciais. No semiárido, há o problema da escassez. Além disso, na
imensa maioria dos municípios brasileiros, com menos de 50 mil habitantes, os
sistemas de abastecimento são precários — afirma Sérgio Ayrimoraes, coordenador
do Atlas Brasil de Abastecimento Urbano de Água, elaborado pela
ANA.
Segurança alimentar
A água que mata a sede humana é a mesma
usada na agricultura e na indústria. O campo é, de longe, o maior usuário desse
recurso, e responde por 70% do consumo mundial. Segundo dados da Organização
das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), para produzir alimentos
para uma única pessoa são necessários um total de 2,5 mil litros de
água.
Num documento lançado em julho passado na Itália, a FAO alertou
para a crescente escassez decorrente das mudanças climáticas, colocando em
risco a segurança alimentar. Lembrou que as chuvas aumentarão nos trópicos e
diminuirão ainda mais nos semiári- dos ao redor do mundo, que tendem a ficar
mais secos e quentes. Com menos umidade, a produtividade agrícola também
diminui. Aos governos, a FAO recomendou a criação de sistemas para gerenciar
fontes, transferências e o uso da água, além de mecanismos de preservação das
florestas.
— A questão é de gerenciamento da água. Nesta seca, o
abastecimento municípios atendidos pela Barragem de Mirorós, na Bahia, ficou à
beira do colapso porque a água para irrigação de culturas só foi suspensa quando
a seca piorou muito. Em Serra Talha da, Pernambuco, a 100 quilômetros do Rio
São Francisco, a água estava quase chegando por adutora, mas a obra parou depois
que começou a transposição. Agora, nem uma coisa, nem outra — diz Roberto
Malvezzi, da Comissão Pastoral da Terra do São Francisco.
O uso da água
de Mirorós exemplifica a discórdia sobre o melhor aproveitamento do recurso.
Para Ayrimoraes, da ANA, a barragem é exemplo de uma gestão bem sucedida da
oferta compartilhada entre consumo humano e irrigação.
Atualmente, 40%
da população mundial vivem em países em situação de estresse hídrico. Cinco
das dez bacias hidrográficas mais densamente povoadas do planeta, como as dos
rios Yang-Tsé, na China, e Ganges, na Índia, já são exploradas acima dos níveis
considerados sustentáveis. A África, que tem a maior taxa de prevalência da
fome, é também o segundo continente habitado mais seco do mundo, atrás da
Oceania. Nos últimos 30 anos, 57 milhões de pessoas foram afetadas pela seca na
Etiópia. Na Índia, mais de 70% das chuvas ocorrem em apenas três meses do ano, o
que faz com que haja escassez de água durante boa parte do ano na agricultura
não irrigada. Em Tamil Nadu, um dos estados da Índia, a extração excessiva
baixou o nível de água dos poços entre 25 e 30 metros em apenas uma
década.
A perfuração de poços profundos para irrigação agravou a seca
também em alguns pontos do semiárido brasileiro. Foi o caso de Mamonas, no Norte
de Minas. No ano passado, o município teve de ser abastecido com água tirada do
Parque Estadual Caminhos dos Gerais, depois que a barragem mais próxima
secou.
— Em algumas regiões, as águas profundas foram comprometidas em
quantidade e qualidade no passado. Poços se tornaram salobros, a água deixou
de ser potável. A chuva também mudou. Agora vem mais intensa, em período mais
curto, e o solo não consegue absorver. A água lava a camada superficial da
terra. O ciclo natural da água foi alterado, porque quase todo rio tem
barragem. Uma coisa leva a outra. Fazemos tudo o que está dentro da capacidade,
mas estamos sendo traídos pela intensidade da reação da natureza — resume o
sociólogo Marcos Affonso Ortiz Gomes, diretor do Instituto Estadual de
Florestas de Minas Gerais.
Outra demanda latente é a da produção de
energia, que deve aumentar o consumo de água em 11,2% até 2050. A Agência
Internacional de Energia (AIE) estima que pelo menos 5% do transporte mundial
será movido por biocombustíveis em 2030. Em média, cada litro de etanol a
partir da cana-de-açúcar utiliza 18,4 litros de água e 1,52 m2 de terra, o que
significa que a demanda pode ser devastadora em áreas onde a água é escassa,
como a África. Para Ayrimoraes, da ANA, a tendência é aumentar o potencial de
conflitos de interesses, seja entre regiões ou consumidores. A saída é
economizar e melhorar a gestão.
O estresse hídrico, no entanto, é maior
nas regiões que concentram maior população, não necessariamente nas mais secas.
Daí a preocupação. Hoje, as áreas urbanas consomem 60% da água doce do mundo e
as projeções da ONU indicam que, até 2050, 70% da população mundial estarão
concentradas em grandes cidades.
No Brasil, a concentração urbana tem
sido sinônimo de degradação ambiental. Boa parte do problema é justamente a
falta de tratamento do esgoto.
Dados do Sistema Nacional de Informações
sobre Saneamento (SNIS 2010) mostram que apenas 53,5% da população urbana
brasileira têm acesso à coleta e 37,9% ao tratamento de esgotos. O Instituto
Trata Brasil chama a atenção para a “enorme ineficiência” dos sistemas de
abastecimento de água no Brasil. A cada cem litros produzidos, 36 são perdidos,
seja do ponto de vista físico, com desvios da água tratada, seja do ponto de
vista de faturamento. Segundo o Instituto, em alguns municípios, como Porto
Velho, Cuiabá, Rio Branco e Duque de Caxias, as perdas superam 60%. Na maior
empresa do país, a Sabesp, foram de 25,6% em 2011. A meta, até 2019, é reduzir a
13%. No melhor sistema do mundo, o do Japão, a perda é de somente 5%.
O
Plano Nacional de Saneamento (Plan- sab), submetido a consulta pública pelo
Ministério das Cidades, revelou que, em 2007, 30,3 milhões de brasileiros
receberam em suas residências água que não atendia aos padrões de potabilidade
estabelecidos pelo Ministério da Saúde. A análise dos especialistas reprovou
pelo menos um dos itens mínimos quando se analisa a qualidade: turbidez, cloro,
coliformes totais e termotolerantes e bactérias heterotróficas.
Laboratório de Demografia e Estudos Populacionais – UFJF
Fonte: Instituto Trata Brasil