COMENTÁRIO:
Na ocasião do desastre ambiental na Baía de Guanabara, ocorrido após o vazamento de 1,3 milhões de litros de óleo da REDUC, em janeiro de 2000, eu presidia pela primeira vez (a segunda foi entre 2007 e 2008) a Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (FEEMA), órgão ambiental do estado do Rio de Janeiro, hoje substituído pelo INEA.
O desastre ambiental foi um dos maiores da história do país e o óleo se espalhou por quase toda a superfície da Baía de Guanabara, causando mais danos à região norte da Baía, onde localizam-se as principais áreas de manguezais. Também foram severamente danificadas as ilhas da Baía, como Paquetá, Ilha do Governador e outras ilhas e pedras. O litoral de São Gonçalo também foi muito afetado.
Foram dias sem dormir, acompanhando os trabalhos das equipes de limpeza e de resgate de animais. Foram longas horas de sobrevoo de helicóptero para avaliar os danos e estabelecer estratégias de resposta ao desastre.
Muitos foram os aprendizados daquela ocasião. Verificou-se que o Plano de Emergência da Baía de Guanabara existente na época era insuficiente para atender a um acidente daquele porte e era omisso em vários aspectos do problema. Apesar dos anos já decorridos, listo aqui algumas lições aprendidas no episódio:
- PLANO DE EMERGÊNCIA: o Plano de Emergência então vigente não estava dimensionado para um acidente daquela proporção e previa o atendimento a pescadores e outras comunidades afetadas, não mencionava a necessidade de socorro à fauna e como aproveitar a ajuda de voluntários, que se ofereceram às centenas para ajudar. O acidente foi um "divisor de águas" e muitas coisas mudaram após o desastre. Poucos dias depois do desastre, em meio à repercussão internacional que o caso alcançou, foi promulgada a Lei 9.966, de 28 de abril de 2000, "Que dispõe sobre a prevenção, o controle e a fiscalização da poluição causada por lançamento de óleo e outras substâncias nocivas ou perigosas em águas sob jurisdição nacional e dá outras providências". O Governo Estadual, por iniciativa da FEEMA, encaminhou mensagem para a Assembleia Legislativa que resultou na Lei Nº 3467, de 14 de setembro de 2000, que "Dispõe sobre as sanções administrativas derivadas de condutas lesivas ao meio ambiente no Estado do Rio de Janeiro" e que regulamentou a Lei Federal de Crimes Ambientais para o território fluminense. As normas e protocolos internos da Petrobrás mudaram e a Baía de Guanabara passou a contar com planejamento mais adequado para situações de contingências ambientais.
- OPERAÇÃO DE RECOLHIMENTO DO ÓLEO: houve muito improviso na ocasião. As barreiras existentes não eram as ideais e perdiam muito do óleo recolhido, principalmente, quando os operadores das embarcações operavam com a velocidade acima do recomendado ou quando as condições de vento eram adversas. Por determinação da FEEMA, a Petrobras importou emergencialmente uma grande quantidade de barreiras e equipamentos absorventes de óleo.
- GERENCIAMENTO DAS OPERAÇÕES: outro aprendizado foi a forma de gerenciamento. As equipes de superfície, atuando nas embarcações, tinham dificuldades de hierarquizar as manchas de óleo para atuar. Sem o auxílio dos observadores em helicópteros, era impossível definir as manchas mais densas e maiores para atuar. Hoje, a tecnologia permite o uso de drones e vants, além de helicópteros, mas na época a opção não estava disponível.
- OBRIGAÇÕES PÓS ACIDENTE: na época, houve a necessidade de entendimentos institucionais entre os órgãos ambientais federal (Ibama), estadual (Feema) e mesmo dos municípios, quanto a aplicação de multas e demais penalidades. Foi definido que o órgão federal deveria aplicar a multa pois a Lei de Crimes Ambientais, aprovada pelo Congresso Nacional cerca de dois antes, oferecia as melhores ferramentas punitivas para os danos ambientais. A multa máxima, conforme prevista na Lei, foi aplicada pela primeira vez. O valor da multa foi repassada pelo Ibama para as demais esferas governamentais para que os recursos fossem aplicados no fortalecimento dos órgãos ambientais.
- RECUPERAÇÃO DOS DANOS: A obrigação de recuperação dos danos é uma responsabilidade do responsável pela poluição, independente de outras obrigações como multas, compensações ambientais e indenizações. Uma deficiência que verificou-se foi na gestão das medidas reparadoras de médio e longo prazo por parte da Petrobras. Como a legislação e as práticas tradicionais dos órgãos ambientais não estão voltadas para estas atividades verificou-se a ausência de um gerenciamento mais próximo, o que levou que muitas destas ações acabassem judicializadas.
- COMPENSAÇÕES AMBIENTAIS E INDENIZAÇÕES: as compensações ambientais foram cobradas principalmente pelo governo estadual, mas também por municípios. Mas, como a matéria abaixo aborda, as indenizações de pescadores ainda é um conflito que persiste até hoje.
- SEGURO AMBIENTAL: na época do desastre, uma reflexão que fizemos era o mecanismo financeiro para permitir as ações de resposta ao desastre. No caso, o poluidor foi a Petrobras, mas o acidente poderia ter ocorrido com outras empresas, também com elevado potencial de risco ambiental mas menos capacidade financeira de resposta. Como teriam sido, neste caso, as medidas mitigatórias e reparadoras se o agente poluidor fosse outra empresa que não a maior do país?
Momentos de crise como aquele são também oportunidades. Mas, há que se manter "a pegada" e garantir que as políticas públicas preventivas e de resposta se aperfeiçoe permanentemente e, que no futuro, as medidas reparatórias como a restauração e proteção dos manguezais que só agora mostra resultados, como a que a Onda Azul nos apresenta, ocorra com mais celeridade no futuro. Esta responsabilidade precisa ser melhor regulamentada para o futuro. Nossos mecanismos ainda são frágeis, como o recente episódio da destruição do Rio Doce deixa claro.
Axel Grael
Presidente da FEEMA (1999-2000 e 2007-2008)
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Manguezal atingido por tragédia ambiental é recuperado e vira parque
Projeto Onda Azul recupera manguezal no fundo da baia de Guanabara - Custódio Coimbra / Agência O Globo |
O local está repleto de caranguejos e 107 espécies de aves
por Rafael Galdo e Elis Bartonelli
RIO - Às margens da Baía de Guanabara, numa área onde havia total devastação — a ponto de ambientalistas ficarem céticos em relação a uma possível recuperação —, hoje cresce um manguezal repleto de caranguejos e 107 espécies de aves. O exemplo de regeneração fica no distrito de Praia de Mauá, em Magé, uma das regiões mais afetadas pelo vazamento de 1,3 milhão de litros de óleo de um duto da Petrobras, em 2000. Desde então, o lugar vem sendo cuidado pelo Projeto Mangue Vivo, do Instituto Ondazul. Com a criação do Parque Natural Municipal Barão de Mauá, o objetivo agora é inseri-lo na rota do turismo socioambiental do estado. Significaria um passo para uma longa espera pela redenção do lugar, um dos mais pobres do entorno da Baía.
Em 18 anos de várias dificuldades, 180 mil mudas foram plantadas em 80 hectares recuperados, de um total de 116 hectares (o equivalente ao mesmo número de campos de futebol). Além de terminar de cobrir de verde esse espaço, a atual etapa prevê a construção de uma sede para o parque e a implantação de uma torre de observação, assim como um quilômetro de passarelas para a visitação, diz André Esteves, secretário-executivo do Ondazul:
— Precisamos desconstituir a ideia de que o mangue é apenas lodo.
‘Precisamos desconstituir a ideia de que o mangue é apenas lodo’ - André Esteves. Secretário-executivo do Ondazul.
Esteves explica que os recursos que financiam o parque vêm de uma compensação ambiental de outro derramamento de petróleo, da Chevron, liberado por meio de um Termo de Ajustamento de Conduta gerenciado pelo Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio) e pelo Instituto Estadual do Ambiente (Inea), com apoio da prefeitura local:
— Mas já enfrentamos enormes dificuldades. No início, conseguimos recursos da Petrobras por meio do Ibama. Mas, quando adquirimos a técnica para o reflorestamento, as verbas acabaram.
Ave coberta de óleo após o desastre ambiental de janeiro de 2000: área recuperada - Domingos Peixoto - 19-01-2000 |
Antes mesmo do desastre, no entanto, a área já era degradada. O ambientalista Alfredo Sirkis, idealizador do projeto, conta que as correntes marítimas empurram o lixo flutuante para esse fundo da Baía. E uma praga conhecida como broca quase dizimou o restante de vida que existia. O vazamento parecia decretar a morte definitiva do manguezal. Em 2000, imagens da mancha no mar e de aves agonizando correram o mundo. Naquele cenário, pescadores e catadores de caranguejo que tinham perdido sua fonte de renda foram arregimentados para trabalhar na recuperação.
Não havia mais uma única árvore, num descampado de terra rachada quando a maré baixava. Durante um ano, o trabalho foi basicamente a retirada de camadas de dejetos acumulados. Aos poucos, o lugar se tornou uma espécie de laboratório ao ar livre para os ambientalistas e a mão de obra local, que aprenderam a devolver o fôlego a uma área tão arrasada.
— Essa experiência mostrou o potencial de projetos socioambientais para, de fato, injetar um astral diferente numa comunidade como esta, pobre e afetada pela criminalidade — comenta Sirkis. — As ameaças, no entanto, continuam. Temos uma cerca para segurar parte do lixo flutuante. Mas, na maré alta, muitos resíduos são levados para o mangue.
Nos trechos mais próximos da Baía, aparecem tubos de TV, embalagens e centenas de sandálias de plástico. Mas, por todo lado, também há mudas de mangue brotando naturalmente. É cerca de 1,5 quilômetro verde à beira da Guanabara. Motivo de orgulho para pessoas como Adeimantus Carlos da Silva, pescador na época da tragédia que, hoje, é coordenador de campo do parque. Ele se transformou num expert na recuperação de manguezais.
‘Essa experiência mostrou o potencial de projetos socioambientais para, de fato, injetar um astral diferente na comunidade’. - Alfredo Sirkis, ambientalista, idealizador do projeto
DEZOITO ANOS APÓS DESASTRE, MAIORIA DAS INDENIZAÇÕES PARA PESCADORES NÃO FOI PAGA
O manguezal conseguiu progredir sobre a área destruída pelo vazamento de óleo, mas centenas de pescadores que tiveram suas atividades comprometidas pelo acidente em 2000 ainda aguardam para receber indenização da Petrobras.
Diretor financeiro da Federação de Pescadores do Estado do Rio (Feperj), Gilberto Alves explica que 18 mil deles entraram com um processo contra a empresa. Desse total, diz ele, 12.180 tinham o registro de atividade pesqueira, e os demais exerciam a atividade, mas não possuíam o documento. Dezoito anos depois, apenas 128 trabalhadores foram ressarcidos.
— Nós, pescadores, tínhamos ganhado o processo. Receberíamos R$ 754 por mês, durante dez anos. Mas a Petrobras entrou com recursos e, até hoje, não pagou a ninguém. Só quem recebeu foram 128 pescadores que formaram dois grupos por fora da ação coletiva. É uma covardia da Justiça isso — afirma Gilberto.
A Petrobras diz que, no total, as indenizações somam aproximadamente R$ 90 milhões. Mas a empresa dá outra versão para justificar o fato de a maioria dos trabalhadores ainda não ter recebido a compensação: diz que a demora é culpa da Feperj.
Projeto Onda Azul recupera manguezal no fundo da Baía de Guanabara - Custódio Coimbra / Agência O Globo |
RECURSO EM ANDAMENTO
Em nota, a Petrobras informou que “a federação não aceitou os critérios para pagamento fixados pelo Tribunal de Justiça do Rio e recorreu da decisão”. “O processo continua pendente por recursos apresentados exclusivamente pela Feperj”, diz o texto. Segundo a Petrobras, pescadores podem cobrar os valores individualmente. E, caso se esgote o prazo legal sem que essa cobrança seja feita pelos pescadores, a Feperj poderá executar a decisão coletivamente.
Já as multas pelo acidente, de aproximadamente R$ 35 milhões, foram quitadas pela Petrobras junto ao Ibama e, segundo o ambientalista e ex-deputado Alfredo Sirkis, ajudaram a financiar projetos relacionados à coleta e à destinação do lixo na região. Além disso, a empresa investiu R$ 250 milhões em 37 projetos, seguindo o Termo de Compromisso para Ajuste Ambiental.
Fonte: O Globo
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