domingo, 20 de maio de 2018

DECISÃO DO STJ: O fim do fato consumado no Direito Ambiental Brasileiro



Adeus obras mantidas por conta do fato consumado. Foto: Aaron Hall.


Guilherme José Purvin de Figueiredo
Coordenador Geral da Associação dos Professores de Direito Ambiental do Brasil



Afinal uma boa notícia para o Direito Ambiental. No último dia 9 a 1ª seção do STJ aprovou a Súmula 613, com o seguinte teor:

Não se admite a aplicação da teoria do fato consumado em tema de Direito Ambiental.

A consolidação jurisprudencial deste entendimento já vinha ocorrendo lentamente há um bom tempo e vem no sentido oposto aos absurdos que denunciei em meu mais recente artigo para ((o))eco, em que tratei das alterações na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.

O STF, em julgamento do Recurso Extraordinário 609.748 AgR/RJ, relator o Exmo. Sr. Min. Luiz Fux, 1ª Turma (DJ de 13/09/2011) já havia adotado este entendimento:

“A teoria do fato consumado não pode ser invocada para conceder direito inexistente sob a alegação de consolidação da situação fática pelo decurso do tempo. Esse é o entendimento consolidado por ambas as turmas desta Suprema Corte”.

É que, como ensina o Min. Herman Benjamin (Resp 650728/SC, 2ª T. = DJe de 02/12/2009), a chamada desafetação ou desclassificação jurídica tácita em razão do fato consumado é incompatível com o Direito brasileiro.

Se a revogação de ato administrativo (por exemplo, de uma licença de operação), alicerçada em mero juízo de conveniência e oportunidade, constitui medida excepcionalíssima, o mesmo não ocorre quando tratar-se de ilegalidade. Neste caso, a anulação do ato é impositiva.

Tome-se como exemplo uma ilegal autorização de exploração de área de preservação permanente, em desrespeito ao disposto no art. 3º, parágrafo único, V, da Lei 6.766/79, que proíbe a edificação sobre tais áreas.

Com base no art. 14, § 1º, da Lei 6.938/81, a Administração Pública pode anular essa autorização e impor ao poluidor o dever de recuperar o ambiente degradado. A Súmula 473 do STF, é expressa nesse sentido:

A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.

Evidentemente, será preciso sempre examinar o caso concreto. A autorização para supressão de APP, nos termos dos arts. 8º e 9º da Lei 12.651/2012, é lícita no caso de utilidade pública ou de interesse social.

Se a autorização não se enquadra em nenhuma das exceções legais (por exemplo, se o uso tinha por fim apenas o lazer) e prejudica o equilíbrio ecológico, o dever irrenunciável e imprescritível da administração é de anular a autorização indevida e de exigir a reparação dos danos.

A oposição a este entendimento rotineiramente tinha como fundamento a ofensa aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, aos quais se juntavam argumentos acerca da boa-fé do administrado, direito de propriedade, direito adquirido etc. Nesse sentido, uma autorização expressa do órgão competente bastaria para conferir ares de legalidade a uma utilização em flagrante afronta à legislação ambiental e ao princípio constitucional da função social da propriedade.

Por conta dos abusos cometidos em razão de um suposto juízo legítimo de conveniência e oportunidade na concessão de licenças e autorizações administrativas e ambientais, há quatro anos o STJ já vinha se pronunciando de forma a coibir essa prática nefasta.

Com base em argumentos dessa natureza, adotava-se a teoria do fato consumado: processos de regeneração ambiental seriam extremamente lentos e, por vezes, impossíveis. Assim, situações consolidadas de uso em desconformidade com a lei passariam a ser, mais do que toleradas, protegidas judicialmente pela simples existência de uma autorização do órgão competente.

Este entendimento, ao menos no âmbito jurisprudencial, não é mais defensável. O bem tutelado, meio ambiente ecologicamente equilibrado, não pertence individualmente a ninguém, mas às gerações futuras. Mais do que mera retórica, esta afirmação está amparada pela Declaração do Rio de Janeiro (1992) e pelo caput do art. 225 da Constituição Federal.

Dos atos administrativos nulos não podem advir efeitos válidos e consolidação de qualquer direito adquirido. Declarada a sua nulidade em razão do descumprimento da legislação ambiental, a situação fática deve retornar ao estado anterior.

O que parece realmente absurdo é cogitar da hipótese de convalidação de ilegalidades a partir da realização de atos administrativos nulos. Por muito tempo convivemos com situações verdadeiramente intoleráveis: 1 – Uma lei proíbe uma obra ou atividade industrial em determinado espaço territorial; 2 – Um servidor público passa por cima da lei, em benefício do proprietário; 3 – O proprietário adquire o direito de descumprir a lei para todo o sempre.

De acordo com a orientação agora sumulada do STJ, esse círculo vicioso, no qual o servidor público detém o poder majestático de decidir se a lei é ou não aplicável para o administrado, não mais pode prevalecer. Nenhum administrado poderá doravante contar com o benefício da teoria do fato consumado, pois a qualquer momento as regalias conferidas pelo servidor público poderão ser retiradas.

Obviamente, as hipóteses de boa-fé continuarão merecendo proteção jurídica, mas não em detrimento do interesse público. Assim, caberá ao proprietário exigir o ressarcimento dos prejuízos junto ao órgão administrativo municipal, estadual ou federal. E, ao Município, Estado ou União, competirá promover ação regressiva contra o servidor, nos termos do tão esquecido art. 37, § 6º, da Constituição Federal:

As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Se aplicadas com seriedade a Súmula 613 e as disposições constitucionais aqui mencionadas, haverá uma boa chance de impedir-se as ameaças de aviltamento do Direito Ambiental representadas pela Lei n. 13.655/2018, comentada no meu último artigo.

Fonte: ((O)) Eco










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