quinta-feira, 9 de março de 2017

SOCIEDADE BRASILEIRA DE PRIMATOLOGIA: O surto de febre amarela no Brasil e seus impactos sobre a população de macacos






Nota de esclarecimento aos profissionais da imprensa, jornalistas e formadores de opinião.

O Brasil vive, neste momento, um desastre ambiental gravíssimo: uma das maiores mortandades de primatas da história da Mata Atlântica, em função da intensa circulação do vírus da febre amarela. A situação é mais grave nos estados de Minas Gerais e Espírito Santo, mas há registros também em São Paulo, Bahia, Goiás e Mato Grosso do Sul.

Existe uma alarmante preocupação entre os profissionais que trabalham pela conservação de primatas brasileiros com relação à extensão e gravidade da mortandade que estamos testemunhando. Esta preocupação se amplia diante da divulgação, por distintas mídias, de informações equivocadas sobre o real papel que os macacos desempenham no ciclo da febre amarela. Jornais escritos e telejornais exibiram reportagens recentes que declaram ou sugerem que os macacos são responsáveis pela existência do vírus e por sua transmissão aos humanos. Isso pode levar as pessoas a maltratarem ou matarem macacos no afã de proteger a população humana. Em uma situação semelhante à atual, como a ocorrida entre 2008 e 2009, no Rio Grande do Sul, as mortes em decorrência da febre amarela, somadas àquelas decorrentes de agressões contra os macacos, levaram o bugio-ruivo a ser listado novamente como espécie ameaçada de extinção no Brasil (Portaria n° 444/2014, Ministério do Meio Ambiente).

Nossa preocupação é ampliada por estarmos com uma situação semelhante àquela vivida em 2008-2009 ocorrendo na região onde vivem algumas das espécies de primatas mais ameaçadas de extinção no continente, que têm suas populações já muito reduzidas na Mata Atlântica. Reportagens equivocadas criam uma imagem negativa dos macacos frente à opinião pública. A fim de melhor qualificar as notícias veiculadas por profissionais da imprensa, jornalistas e formadores de opinião em futuras comunicações sobre o assunto, gostaríamos de disponibilizar informações críticas compiladas por primatológos, incluindo zoólogos, ecólogos, veterinários, epidemiologistas e gestores públicos das áreas de saúde e meio ambiente.

A febre amarela (FA), que foi introduzida ao Brasil a partir da África há centenas de anos, não é contagiosa. Os macacos, assim como os humanos, não transmitem diretamente essa doença. O vírus pode circular em dois ciclos básicos: o urbano e o silvestre. No ciclo urbano (não registrado no Brasil desde 1942), a transmissão se dá dentro de cidades através do mosquito Aedes aegypti que, nesse caso, é o vetor responsável pela disseminação da doença. No ciclo silvestre, a doença circula entre macacos e outros animais, transmitida por algumas espécies de mosquitos. Humanos NÃO VACINADOS, ao entrarnas florestas, podem ser picados por esses mesmos mosquitos (como, por exemplo, Haemagogus e Sabethes). Mosquitos que tenham se alimentado do sangue de animais ou de humanos em período de viremia (presença do vírus no sangue) podem se infectar e transmiti-lo para novos hospedeiros após cerca de 12 dias.

Diante do exposto, gostaríamos de esclarecer alguns pontos essenciais que devem ser considerados na comunicação com o público neste grave momento de surto de febre amarela que vivemos:

– nas áreas onde existe recomendação de vacina, as pessoas devem procurar orientações para a vacinação. Pessoas vacinadas não tem motivo para temer a doença.

– no Brasil, a febre amarela tem caráter sazonal. Historicamente, o maior número de casos humanos ocorre entre os meses de dezembro a maio, quando fatores ambientais, como o aumento de chuvas e de temperatura, propiciam o aumento da densidade dos vetores (mosquitos).

– os macacos são altamente sensíveis ao vírus da febre amarela, especialmente os bugios ou guaribas (Alouatta) e os sagüis ou micos (Callithrix). Além disso, eles não têm acesso à vacina! A morte de macacos devido à doença serve como alerta aos órgãos de saúde sobre a necessidade de vacinação imediata da população humana. Ou seja, os macacos são vítimas do mesmo agente etiológico e ainda ajudam a sociedade se proteger, já que sua morte indica o risco da doença na região. Por isso, atuam como sentinelas da circulação do vírus da febre amarela.

– os macacos NÃO são reservatórios da doença! Nos macacos, o vírus se mantem por um curtíssimo espaço de tempo. Assim como o homem, são considerados hospedeiros do vírus, pois adoecem e morrem por conta dessa infecção. Os reservatórios do vírus e responsáveis por sua manutenção na natureza são os mosquitos silvestres, os quais, podem transmitir o vírus para novos hospedeiros durante toda a sua vida (cerce de 30 dias)!

– ainda não é completamente conhecido o mecanismo pelo qual a doença pode percorrer extensões geográficas tão vastas, como estamos presenciando neste momento. Entretanto, há um consenso entre os especialistas de que os macacos NÃO sejam os responsáveis pela chegada do vírus em suas matas e NÃO sejam responsáveis pela disseminação da doença! Todo o conhecimento disponível sobre os hábitos dos macacos indica que estes usam áreas restritas em suas matas e raramente usam o solo e áreas desmatadas para se deslocar de um local para outro. Assim, é altamente improvável que os macacos levem a doença adiante por grandes distâncias. Os mosquitos são vetores-reservatórios (transmissores do vírus) e, embora não seja cientificamente comprovado, pessoas não vacinadas e infectadas pelo vírus, poderiam, em tese, transportar o vírus por grandes distâncias e contribuir para essa disseminação.

– quando os humanos estão vacinados, não adoecem e também não contribuem para o deslocamento do vírus. Isto ressalta a importância da vacinação preventiva para os moradores e para aqueles que forem se deslocar até áreas afetadas e/ou de risco, de acordo com as recomendações do Ministério da Saúde.

– no caso dos mosquitos, as fêmeas podem passar o vírus para sua prole ainda no ovo; ou seja, o mosquito pode já nascer com o vírus da febre amarela, sem a necessidade de picar um hospedeiro (pessoa ou animal) infectado para adquiri-lo.

– a informação equivocada pode levar as pessoas a agredirem e matarem macacos e a desmatar florestas. Há casos registrados de ataques aos primatas, inclusive com mortes e extinções locais de espécies, o que é um crime previsto em lei.

– o controle da febre amarela também passa pela preservação dos hábitats naturais. Desflorestar ou matar macacos não impede a circulação do vírus da febre amarela. Na verdade o efeito é danoso para a saúde pública, pois elimina o papel de “sentinela” dos primatas, que, ao morrerem pela doença, “avisam” as autoridades sobre a sua ocorrência. Os macacos têm, portanto, uma valiosa e insubstituível contribuição para a saúde pública.

O Governo Federal, através do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Primatas Brasileiros, do Instituto Chico Mendes para a Conservação da Biodiversidade, emitiu uma nota de esclarecimento público e solicitamos seu compartilhamento: http://www.icmbio.gov.br/portal/ultimas-noticias/20-geral/8684-o-papel-dos-macacos-no-ciclo-da-febre-amarela.

Um grupo de pesquisadores e colaboradores tem atualizado a informação na página de facebook Protetores dos Anjos, em referência ao papel de “anjos da guarda” que os primatas exercem nas regiões afetadas pela doença https://www.facebook.com/proteja.anjos?pnref=story.

Finalmente, nos colocamos à inteira disposição para prestar os esclarecimentos e fornecer todas as informações necessárias. Acreditamos que a melhor forma de conter o avanço desta tragédia ecológica e de saúde pública seja a disseminação de informação técnico-científica de qualidade. Os meios de comunicação têm um papel estratégico neste processo. É fundamental que esta mensagem seja repassada aos representantes das empresas de comunicação que atuam em cidades médias e pequenas, que tem maior alcance junto à população da zona rural. Por favor, não hesitem em nos contatar que faremos todo esforço para disponibilizar os contatos e informações necessários para as reportagens e eventuais campanhas.

Fevereiro de 2017.

Atenciosamente,

Alcides Pissinatti, Chefe do Centro de Primatologia do Rio de Janeiro/INEA (pissinatticprj@globo.com)

Carlos R. Ruiz-Miranda, Universidade Estadual Norte Fluminense (cruizmiranda@gmail.com)

Danilo Simonini Teixeira, Presidente da Sociedade Brasileira de Primatologia (simonini.danilo@gmail.com)

Fabiano Rodrigues de Melo, Vice-Presidente para o Brasil e Guianas do Grupo de Especialistas em Primatas da União Internacional para a Conservação da Natureza (fabiano_melo@ufg.br)

Júlio César Bicca-Marques, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (jcbicca@pucrs.br)

Karen B. Strier, Presidente da Sociedade Internacional de Primatologia (kbstrier@wisc.edu)

Leandro Jerusalinsky, Coordenador do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Primatas Brasileiros, Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, Ministério do Meio Ambiente (leandro.jerusalinsky@icmbio.gov.br)

Luis Paulo Ferraz, Secretário Executivo da Associação Mico Leão Dourado (luispaulo@micoleao.org.br)

Marco Antônio Barreto de Almeida, Centro Estadual de Vigilância em Saúde/Secretaria Estadual da Saúde/Rio Grande do Sul (mabalmeida@gmail.com)

Martin Kowalewski, Presidente da Sociedade Latino-americana de Primatologia (martinkow@gmail.com)

Milton Thiago de Mello, Presidente da Academia Brasileira de Medicina Veterinária (miltonthiagodemello@gmail.com)

Paulo Henrique Gomes de Castro, Centro Nacional de Primatas do Ministério da Saúde (paulo.castro@cenp.org.br)

Sergio Lucena Mendes, Universidade Federal do Espírito Santo (slmendes1@gmail.com)


Fonte: Sociedade Brasileira de Primatologia



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