Anta e filhote registrados por câmeras instaladas em áreas florestais remanescentes no Estado de São Paulo (foto: Divulgação) |
Os pontos numerados no mapa identificam os fragmentos florestais analisados na pesquisa. |
Gabrielle Beca (esquerda) e Carolina Carvalho (direita) em coleta de campo (foto: Divulgação) |
Karina Toledo | Agência FAPESP – Pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) acabam de publicar um censo de mamíferos de médio e grande porte encontrados em 22 remanescentes florestais circundados por monocultura de cana-de-açúcar em São Paulo. A conclusão do estudo é “surpreendentemente positiva”, segundo Mauro Galetti, professor do Departamento de Ecologia do Instituto de Biociências, em Rio Claro.
“Encontramos cerca de 90% de todas as espécies de mamíferos que são esperadas para o Estado de São Paulo. Nesses fragmentos ainda existem onça-pintada (Panthera onca), tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla), anta (Tapirus terrestris) e queixada (Tayassu pecari), ou seja, não há registro de extinção regional de espécies. Só não registramos algumas extremamente raras, como o tatu-canastra (Priodontes maximus)”, disse Galetti.
A pesquisa, cujos resultados foram publicados na revista Biological Conservation, foi realizada com apoio da FAPESP.
Porém, nem tudo é boa notícia. Conforme relatam os autores no artigo, nos fragmentos florestais pequenos são encontrados apenas entre 20% e 50% das espécies esperadas para o estado. Isso quer dizer que, em alguns casos, até 80% das espécies foram localmente extintas.
“Observamos que, quanto maior a área florestal remanescente, mais animais raros ela possui. Encontramos até mesmo um único registro do cachorro-vinagre (Speothos venaticus), algo não esperado nesses ambientes circundados pela cana-de-açúcar”, afirmou Gabrielle Beca, primeira autora do estudo.
Já nos fragmentos menores, acrescentou a pesquisadora, restam somente as espécies mais generalistas, como gambá (Didelphis albiventris) ou o tatu-galinha (Dasypus novemcimtus), que conseguem se adaptar a ambientes conturbados por não necessitarem de áreas tão grandes para encontrar alimento.
Metodologia
O trabalho de campo foi realizado durante o mestrado de Beca, sob orientação de Galetti, no âmbito do Programa FAPESP de Pesquisas em Caracterização, Conservação, Restauração e Uso Sustentável da Biodiversidade (BIOTA-FAPESP).
Os remanescentes estudados vão desde a região de Presidente Prudente, no extremo oeste do estado, até São José do Rio Pardo, a leste, passando por regiões ao norte perto de Araçatuba e São José do Rio Preto.
“Visitamos esses 22 fragmentos e instalamos em cada um deles, no meio da mata, armadilhas fotográficas. Colocamos as máquinas automáticas onde havia grande possibilidade de os animais passarem, como locais com água ou próximos de árvores que estavam frutificando”, explicou Beca.
As câmeras foram retiradas após um mês e, para complementar o trabalho, foi feito um censo de pegadas deixadas nas bordas da floresta. “Há guias que permitem identificar a espécie pelo formato da pegada e o tipo de marca deixada e também fizemos avistamentos diretos dos animais”, contou Beca.
Ao todo, foram identificadas 29 espécies de mamíferos de médio e grande porte. Além das já mencionadas, foram observados também quati (Nasua nasua), tatuí (Cabassous tatouay), tamanduá-mirim (Tamandua tetradactyla), ouriço-cacheiro (Coendou prehensilis), capivara (Hydrochoerus hydrochaeris) e cutia (Dasyprocta azarae), entre outras.
“Também houve muitos registros de animais invasores, como o javaporco (Sus scrofa), um híbrido de javali com porco doméstico que se tornou uma praga no Brasil”, comentou Beca.
De acordo com uma pesquisa anterior do grupo de Galetti, o javaporco representa uma ameaça à saúde pública, pois se tornou uma importante fonte de alimento dos morcegos-vampiros (Desmodus rotundus), fazendo aumentar a população desses animais transmissores do vírus da raiva (leia mais em: http://agencia.fapesp.br/ 24547). Além disso, segundo Beca, eles trazem impactos na agricultura e competem com outras espécies de mamíferos, como o cateto (Pecari tajacu) e a queixada.
“Outro registro problemático foi o de cães domésticos (Canis lupus familiaris), que são predadores de muitas espécies silvestres”, contou Beca.
Corredores ecológicos
Na avaliação de Galetti, os resultados do censo indicam que ainda há chances de preservar boa parte da fauna de mamíferos do Estado de São Paulo se forem criados corredores ecológicos para conectar os diversos fragmentos florestais.
“No momento, não é preciso reintroduzir animais que foram extintos, mas sim conectar essas paisagens por meio do plantio de corredores florestais para que os animais possam se achar e sobreviver. Caso contrário, essa fauna ficará ilhada e com o tempo haverá extinções de várias espécies”, disse o pesquisador.
Para Beca, os fragmentos que abrigam maior número de espécies devem ter prioridade nesse trabalho. “Espécies como a anta e a queixada prestam um importante serviço ecossistêmico, pois são dispersoras de sementes. Precisamos olhar para as áreas onde elas ocorrem e, a partir desses pontos, conectar com outros”, avaliou.
Segundo a pesquisadora, um bom começo seria colocar em prática medidas preconizadas pelo Novo Código Florestal (Lei Nº 12.651, de 2012).
“A lei estabelece, por exemplo, que deve ser preservada uma área de mata de 30 metros em volta dos rios. Mas no geral isso não tem sido respeitado, nem implementado”, afirmou Beca.
“Se todos cumprirem o Código Florestal e não perseguirem os animais silvestres, haverá uma enorme chance de São Paulo ser um exemplo que alie conservação da biodiversidade e produção agrícola” comentou Galetti.
O artigo High mammal species turnover in forest patches immersed in biofuel plantations (http://dx.doi.org/10.1016/j.biocon.2017.02.033), de Gabrielle Beca, Maurício H. Vancine, Carolina S. Carvalho, Felipe Pedrosa, Rafael Souza C. Alves, Daiane Buscariol, Carlos A. Peres, Milton Cezar Ribeiro e Mauro Galettim pode ser lido em: www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0006320717303117.
Fonte: Agência FAPESP
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