Itaguaí lidera o ranking das cidades que mais cresceram tendo praticamente dobrado
Por Guilherme Ramalho
RIO — Milena Ferreira Amaro, de 18 anos, mora no bairro de Maio, mais conhecido como Maloca, em Nova Iguaçu. Sua casa, ainda inacabada, localizada às margens do Arco Metropolitano, não tem portas, janelas nem trancas. Apenas um pano rosa separa sua privacidade daqueles que passam por ali. No interior, há um quarto, um banheiro e uma cozinha. Onde seria a varanda, montou uma pequena mercearia, que vende pão fresquinho, preparado na hora. É o único comércio do lugar, esquecido pelo poder público. Lá, faltam urbanização, saneamento básico e coleta de lixo. Conseguir água potável é um sacrifício, assim como atendimento médico — a clínica de saúde mais próxima fica a 30 minutos de carro.
INFOGRÁFICO: A EXPANSÃO DESORDENADA DA REGIÃO METROPOLITANA
O avanço de construções dispersas e desordenadas, sem a mínima infraestrutura, como a casa de Milena, virou alvo de um estudo da Câmara Metropolitana de Integração Governamental, do governo do estado. O levantamento inédito revela que, a cada ano, 32 quilômetros quadrados de terras verdes — área equivalente à cidade de São João de Meriti ou a oito bairros de Copacabana — são incorporados à vida urbana da Região Metropolitana do Rio, que abrange 21 municípios.
Proporcionalmente, Itaguaí lidera o ranking das cidades que mais cresceram nos últimos nove anos. O município praticamente dobrou sua mancha urbana (a expansão foi de 90%) entre 2007 e 2016. Atrás de Itaguaí, estão Cachoeira de Macacu (84,5%), Rio Bonito (71,5%), Itaboraí (63,7%) e Guapimirim (43,9%).
CONTRIBUIÇÃO PARA O AVANÇO
Diretor-executivo da Câmara Metropolitana e coordenador do estudo, o arquiteto e urbanista Vicente Loureiro afirma que a consolidação do Porto de Itaguaí, um dos maiores e mais modernos da América Latina, tem sido um fator determinante para o crescimento urbano da cidade, cujo acesso foi facilitado com a inauguração do Arco Metropolitano, em 2014.
— Sem dúvida, o porto é o grande transformador da realidade de Itaguaí. Ele atraiu empresas de logística, investimentos da Petrobras e atividades industriais que não existiam. Como consequência, a cidade passou a receber pessoas em busca de oportunidades. Por isso, Itaguaí cresceu tanto demograficamente quanto fisicamente. Em Cachoeira de Macacu e Rio Bonito, houve muito mais a extensão da conurbação (unificação da malha urbana de duas ou mais cidades) através das rodovias BR-101 e RJ-116. São dois eixos que sofreram muitas transformações — explicou.
A casa dos pais de Milena fica no bairro de Santa Rita, no lado oposto da rodovia, e há 11 meses ela se mudou com o marido para o terreno na Maloca. Era a realização do sonho da casa própria. Mas, diante de tanta precariedade, ela já quer ir embora do bairro. E faz planos: na tentativa de mudar de vida, Milena retomou os estudos. Quer entrar para uma faculdade de direito e se tornar advogada.
— Estou no segundo ano do supletivo. No ano passado, tive que interromper os estudos para cuidar da minha irmã, porque meu avô estava doente e morreu. Agora, pretendo acabar o curso este ano para não ficar tão tarde. Está ruim para todo mundo, mas com diploma é sempre melhor. Aparecem mais oportunidades — dizia Milena enquanto um pedreiro, num andaime, assentava tijolos em sua casa. — Não gosto desse lugar, mas não dá para morar de aluguel. É muito caro. Nem sabia que isso existia antes de vir morar aqui. Se pudesse, nem moraria para esse lado. Falta tudo — critica.
Já a área urbana da cidade do Rio cresceu 10,5% (o que a coloca na 17ª posição). Mas, em números absolutos, o município foi o que mais expandiu essa malha. Foram 56,33 quilômetros quadrados de áreas verdes urbanizadas em nove anos, um total comparável a 12 bairros de Botafogo. Itaboraí (36,91 km²), Duque de Caxias (31,88 km²), Nova Iguaçu (22,04 km²) e Itaguaí (21,14 km²) vêm logo atrás no ranking.
— O Rio tem quase 40% do território metropolitano. Por já contar com uma mancha urbana grande, não tem um crescimento percentualmente significativo, mas ainda assim registrou uma expansão forte. Temos que ficar de olho também. A Zona Oeste recebeu muitos investimentos de condomínios de classe média, com imóveis populares e de segunda residência. Grande parte dos condomínios do Minha Casa Minha Vida (programa de habitação do governo federal) está localizada lá. Há também loteamentos irregulares e até mesmo favelas que se consolidaram nessas últimas décadas — ponderou Loureiro, que faz um alerta. — Esse crescimento nos preocupa, porque faz as pessoas morarem mais longe do trabalho e aumenta o custo da mobilidade, do saneamento e de outros serviços.
DO RIO A ESTOCOLMO SEM ASFALTO
Pesquisadores e especialistas da Câmara Metropolitana têm se debruçado sobre os problemas da Região Metropolitana do Rio desde o ano passado, com o objetivo de traçar um Plano Estratégico de Desenvolvimento Urbano Integrado, financiado pelo Banco Mundial e executado por um consórcio formado pelas empresas Quanta Consultoria e Jaime Lerner Arquitetos Associados. O projeto chega agora na fase de proposições e, no segundo semestre, deve ser enviado à Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) para aprovação. Para Loureiro, conter a expansão dispersa e desordenada é o maior desafio dos municípios da região:
— Esse crescimento, que ocorre de modo precário na maioria das vezes, tira a eficácia de várias medidas que se venha a tomar. Se não dermos jeito nesse controle, não há plano de saneamento ou de mobilidade que dê certo — destacou.
O poder público hoje não consegue acompanhar o ritmo de crescimento urbano das cidades, como prova um levantamento de ruas sem pavimentação. O resultado impressiona: 10.449,3 quilômetros de vias da Região Metropolitana não têm asfalto. Se esse total fosse colocado numa linha reta, seria como ir do Rio a Estocolmo, capital da Suécia. Já o investimento necessário para drenar e pavimentar tudo é de R$ 26 bilhões, de acordo com o estudo, que não contabilizou as ruas do Rio e de Niterói, porque as prefeituras das duas cidades já tinham esses dados.
Itaboraí é a que mais sofre com a buraqueira. Apenas 19% de suas ruas são asfaltadas. Maricá aparece em segundo, com 27%, e Tanguá, em terceiro, com 32%. Moradora de Itaboraí há 20 anos, a fisioterapeuta Julianna Moura se surpreende com os números e lamenta que o Complexo Petroquímico do Rio (Comperj), visto até pouco tempo como o novo eldorado fluminense, tenha ficado só nas promessas. Segundo ela, a prefeitura está com os cofres tão vazios que não tem dinheiro nem mesmo para pagar os salários dos servidores e a merenda das escolas.
— Houve realmente uma corrida do ouro quando foi anunciado o Comperj. Agora, a cidade voltou a ficar bastante vazia. Até a violência diminuiu um pouco porque muita gente foi embora. Há muitos prédios fantasmas — comentou Julianna, em tom indignado. — Se quisermos ter o mínimo de dignidade, temos que ir a Niterói ou para o Rio. Está bem complicado. A sensação de morar em Itaboraí é a de que estamos abandonados.
Fonte: O Globo
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