terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Governo lança candidatura de parque a patrimônio da humanidade e volta atrás


 
Vista área do parque localizado na fronteira do Acre com o Peru. Crédito: Araquém Alcântara


Giovana Girardi
08 Fevereiro 2017 | 20h58

No intervalo de uma semana, o governo federal apresentou e retirou a candidatura do Parque Nacional da Serra do Divisor, no Acre, à patrimônio natural da humanidade junto à Unesco. Conforme o Estado apurou, a desistência ocorreu depois de o Conselho de Defesa Nacional, órgão ligado à Presidência, ter considerado que havia riscos à segurança nacional.

A proposta, encaminhada à Unesco no dia 30 de janeiro, foi preparada pelo Ministério do Meio Ambiente, com apoio da ONG Conservação Internacional. Nesta terça-feira (7), a embaixadora do Brasil na organização da ONU, Eliana Zugaib, enviou uma outra carta em que “informa que o governo brasileiro decidiu retirar a proposta de candidatura para uma revisão e futura apresentação em um novo ciclo”.

Segundo regras da Unesco, cada país pode fazer somente uma indicação a sítio de patrimônio natural por ano e esta foi apresentada para o ciclo de 2017-2018. Na proposta, o MMA explica que o parque localizado na fronteira do Acre com o Peru, e que já é uma unidade de conservação federal, é uma região peculiar, com dez tipos de florestas, “constituindo uma coleção única de ecossistemas na Amazônia brasileira”.

Por estar no extremo oeste do País, tem formações geológicas e habitats associados com os Andes tropicais e, por isso, um alto teor de endemismo (espécies que só existem ali) e um dos mais altos níveis de biodiversidade registrada na bacia Amazônica.

É casa de pelo menos 100 espécies de grandes mamíferos, incluindo alguns ameaçados de extinção, como o tatu canastra (Priodontes maximus), a ariranha (Pteronura brasiliensis), a onça pintada (Panthera onca) e o macacao uacarí (Cacajao calvus rubicundus), de 485 espécies de aves, 40 de répteis e cerca de 100 de anfíbios.



Espécie de macaco no Parque Nacional da Serra do Divisor. Crédito: Araquém Alcântara



Para o Ministério do Meio Ambiente, a classificação como sítio do patrimônio natural da humanidade traria não só reconhecimento dessa riqueza e desse patrimônio, como força para sua conservação, ao atrair recursos com turismo e com cooperação internacional.

Como o parque está em área de fronteira, no entanto, a proposta passou também pelo Conselho de Defesa Nacional, que a vetou depois de ela ter sido enviada à Unesco. Foi então que o Itamaraty enviou a nova carta ao órgão da ONU.

Oficialmente ao Estado, o ministério declarou apenas que “tem o desejo de que a proposta continue sendo avaliada”. E complementou: “Mas o governo é um só e, se há algum tipo de dúvida, nós retiramos para rediscutir”. Nem o Itamaraty nem o Conselho de Defesa Nacional responderam aos pedidos da reportagem de esclarecimento sobre quais são as possíveis ameaças que um título de patrimônio da humanidade poderia trazer ao País.

Críticas. Internamente, a questão causou mais um mal-estar para o ministro Sarney Filho, que já vinha colecionando alguns desentendimentos. Além de ter a cabeça pedida por deputados da bancada ruralista, ele viu a Casa Civil, no final do ano, encampar uma proposta de flexibilização da lei de licenciamento ambiental.

Além disso, o governo avalia um projeto de lei que reduz em 35% as áreas das unidades de conservação no Amazonas que foram demarcadas por decretos da ex-presidente Dilma Rousseff.

Um membro do MMA que pediu para não ter o nome revelado na reportagem se queixou da decisão. “Leva pelo menos um ano e meio para a Unesco tomar uma decisão sobre a área proposta. O País teria todo esse tempo para discutir uma possível ameaça à segurança nacional e se fosse comprovada a ameaça, poderia a qualquer momento retirar a proposta. Mas ela sendo retirada agora, pode não mais ser considerada, porque há outros sítios a serem apresentados”, disse ao Estado.




Para o ambientalista e ex-deputado federal Fabio Feldmann, a posição do Conselho de Defesa Nacional é um retrocesso. “Parece que estamos voltando à década de 80, quando alguns setores da sociedade brasileira encaravam que ambientalistas, indigenistas e antropólogos faziam parte de uma conspiração contra a segurança nacional”, disse.

“Parece que estamos voltando à década de 80, quando alguns setores da sociedade brasileira encaravam que ambientalistas, indigenistas e antropólogos faziam parte de uma conspiração contra a segurança nacional”, Fábio Feldman


Rodrigo Medeiros, vice-presidente da Conservação Internacional, também reagiu à retirada do pedido. “Ganhar o título de patrimônio mundial, reconhece a singularidade dessa área e reforça a proteção necessária. Além disso, com o título, a Unesco está reconhecendo que é uma área do território brasileiro. Acho que o pessoal entendeu errado. Ser um patrimônio da humanidade não o torna uma área internacional, continua sendo brasileiro”, ironizou.

Fonte: Estadão - Blog Ambiente-se










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