segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

CIÊNCIA: Cenas de um sítio arqueológico

 
 
Sistema meticuloso permite compilar informações sobre a vida e a morte há 10 mil anos em caverna de Lagoa Santa (Foto: Léo Ramos Chaves/Revista Pesquisa FAPESP).


Maria Guimarães | Revista Pesquisa FAPESP

“Posso tirar este ossinho?” A bióloga petropolitana Lisiane Müller aponta para um fragmento sustentado por palitos de dente sobre um esqueleto ainda enterrado. Curvada sobre a quadra de escavação, por horas a fio ela separa grãos de sedimento com um pincel e os empurra para uma garrafa de plástico cortada à guisa de pá.

O arqueólogo André Strauss, professor visitante brasileiro na Universidade de Tübingen, na Alemanha, verifica que é impossível avançar na exumação sem retirar o osso. Strauss é um dos coordenadores da equipe composta por uma média de 25 voluntários, com variedade de especialidade (e sotaques), e nada acontece no sítio arqueológico sem a sua autorização ou de seu colega Rodrigo Elias de Oliveira, dentista e bioantropólogo ligado ao Laboratório de Estudos Evolutivos e Ecológicos Humanos (LEEEH), da Universidade de São Paulo (USP).

A cena acontece na Lapa do Santo, uma caverna na região de Lagoa Santa, Minas Gerais, que nos últimos anos vem se revelando um importante centro de rituais ligados à morte em um período entre 10 mil e 8 mil anos atrás, conforme relata artigo publicado em dezembro na revista Antiquity (ver Pesquisa FAPESP nº 247).

Antes de serem retirados, todos os achados precisam ser localizados no espaço com ajuda de um aparelho de topografia, conhecido como estação total, que fornece coordenadas ao longo de três eixos. Todos os dias, e antes que modificações sejam feitas em qualquer trecho da escavação, a equipe também faz um registro fotográfico detalhado do avanço na exposição de cada ossada. Essas fotos são impressas ali mesmo, e sobre elas o responsável por cada exumação vai anotando observações. Pequenos quadrados vermelhos de plástico posicionados em vários pontos do sepultamento também são localizados (ou plotados) e incluídos na fotografia, e depois ajudam a reconstruir um modelo tridimensional de cada esqueleto.

O trabalho é feito com imenso cuidado, solenidade até, não só porque qualquer deslize pode representar milhares de anos perdidos – só se pode pisar de meias na quadra de escavação, para evitar danos às ossadas. Mais marcante é a presença dos habitantes antigos que foram sepultados por seus companheiros, como a criança que morreu com cerca de 8 anos de idade e foi posta deitada de lado, com as pernas dobradas e os braços entre elas. Olhar de perto esse esqueleto, cuidadosamente sepultado a ponto de estar na mesma posição há cerca de 10 mil anos, provoca forte emoção. Ainda mais perturbador é perceber hoje uma atenção equivalente de parte de um grupo tão distante no tempo e em procedência. Além dos inúmeros sotaques brasileiros, em 2016 a equipe também contou com a mexicana María López Sosa e a alemã Franziska Mandt, ambas estudantes da Universidade de Tübingen.

A sensação da expedição era o esqueleto de uma mulher acompanhado de minúsculos ossos que, à medida que foram expostos, revelaram compor o esqueleto de um feto ou bebê recém-nascido. Ali ficava Oliveira durante praticamente o dia todo, retirando grão por grão de sedimento, enquanto mantinha um olho nas outras exumações em curso. De acordo com ele, a mulher foi acomodada de joelhos na cova, com o corpo dobrado por cima das pernas em posição fetal, provavelmente com o tronco torcido de maneira que, caso ainda estivesse grávida, a barriga ficaria para o lado e não abaixo das costelas. Isso, e mais a pedra que servia de lápide, explicaria o fato de o diminuto esqueleto estar afastado dos ossos da suposta mãe.

Rigor exaustivo

“Só vou saber se era bebê ou feto quando examinarmos este dente no laboratório”, explicou o dentista ao encontrar um fragmento recuperado graças às exaustivas práticas de busca. O sedimento retirado com ajuda de um pincel, ou de uma pera de borracha usada para assoprar, é passado por pequenas peneiras de cozinha – daquelas que se põe em cima da caneca para separar a nata do leite fervente – com ajuda de um regador de água, de maneira a separar os fragmentos menores.

Quando um pequeno recipiente, chamado de petisqueira, foi levado de volta ao dentista supostamente sem nada relevante dentro, ele pinçou o dente. De volta a São Paulo, as análises não permitiram uma resposta conclusiva. “É bem típico da época em torno do nascimento, com alguma margem de erro, de maneira que poderia estar no fim da gestação ou ter nascido”, explica. Os dentes de leite começam a se formar entre o segundo e o terceiro mês de gestação.

Além dos coadores para o material delicado, boa parte do sedimento retirado da escavação passa por uma grande peneira pendurada em um tripé, para separar fragmentos que escaparam ao crivo do pincel. Nessa função que requer atenção constante e uma boa resistência à poeira que enche o ar, era frequente encontrar Gabriel Francisco Pereira, voluntário que vive em Lagoa Santa e que “sabe tudo da região”, segundo Strauss, e a veterinária Nina Hochreiter, que pouco depois dos 50 anos se aposentou e passou a dedicar-se à paixão por arqueologia – era sua quarta participação como voluntária na Lapa do Santo.

Leia a íntegra da reportagem em http://revistapesquisa.fapesp.br/2017/01/10/cenas-de-um-sitio-arqueologico/?cat=ciencia.

Fonte: Agência FAPESP








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