quinta-feira, 14 de julho de 2016
INVENTÁRIO FLORESTAL: Estudo identifica quase 12 mil espécies na Amazônia
Por Cesar Baima
Levantamento mostra que ainda faltaria descobrir cerca de 4 mil de espécies no bioma, trabalho que consumiria estimados 300 anos
RIO - Maior floresta tropical do mundo, a Amazônia impressiona não só por sua exuberância, mas também pelo gigantismo de seus números. Cobrindo uma área de cerca de sete milhões de quilômetros quadrados — aproximadamente 60% dos quais em território brasileiro —, o bioma abriga 2,5 milhões de tipos de insetos, dezenas de milhares de espécies de plantas e mais de dois mil animais, entre peixes, anfíbios, répteis e mamíferos, com, acredita-se, muitas outras milhares ainda desconhecidas da ciência. E agora mais um número se junta a esta lista. Em um levantamento inédito, pesquisadores verificaram que a Amazônia é lar de quase 12 mil espécies de árvores, mais do que em qualquer outro lugar da Terra, em nova demonstração da pujança de sua biodiversidade.
No estudo, publicado ontem no periódico científico de acesso aberto “Scientific Reports”, os cientistas liderados por Hans ter Steege, do Centro Naturalis de Biodiversidade, na Holanda, analisaram arquivos digitalizados com imagens e dados de mais de 530 mil amostras de árvores — definidas como plantas cujo tronco atinge o diâmetro mínimo de 10 centímetros na altura do peito (1,3 metro do chão) — recolhidas na Amazônia entre 1707 e 2015 espalhadas em dezenas de museus, herbários e instituições de pesquisa do planeta. Com isso, eles identificaram 11.676 espécies diferentes nestas coleções.
UMA AGULHA NUM PALHEIRO
O resultado do levantamento foi considerado pelos pesquisadores como em linha com estimativa feita por estudo anterior liderado pelo próprio Steege, publicado em outubro de 2013 na prestigiada revista científica “Science”, que apontou que a Amazônia teria aproximadamente 16 mil espécies de árvores em uma população total que chegaria a 390 bilhões de plantas do tipo. Isso significa que ainda falta à ciência descobrir cerca de quatro mil das mais raras espécies de árvores do bioma. É um trabalho tão grande e difícil que, de acordo com avaliação dos próprios autores do novo inventário, seriam necessários pelo menos mais 300 anos para ser completado, desde que sejam feitas expedições frequentes no bioma.
— É o equivalente a procurar por uma agulha num palheiro — compara Rafael Paiva Salomão, pesquisador da Coordenação de Botânica do Museu Paraense Emílio Goeldi e coautor de ambos estudos. — Estas quatro mil espécies que faltam são muito raras e serão bem difíceis de serem achadas. Além disso, as dificuldades para se trabalhar na Amazônia são muito grandes. A floresta é muito densa, o que vai exigir expedições regulares e trabalhosas. E para isso são necessários recursos, que também estão em falta.
Segundo os pesquisadores, as cerca de quatro mil espécies de árvores ainda desconhecidas da Amazônia têm uma abundância estimada em igual ou menos de um milhão de exemplares em toda floresta, sendo que algumas não atingiriam o número de mil plantas no total. Diante disso, eles calculam que as chances de uma amostra de alguma árvore no topo deste nível de ocorrência ser coletada ao acaso em 2,5 por milhão. Já para as espécies cuja ocorrência não passa de mil exemplares entre as centenas de bilhões de árvores da Amazônia, esta probabilidade cairia para apenas 2,5 a cada bilhão. Ainda assim, os autores do estudo destacam que, se suas estimativas estiverem corretas, quase sete mil espécies de árvores cuja abundância também não passa de um milhão na floresta já foram descobertas e descritas nos últimos três séculos, uma estatística bem mais animadora para o trabalho futuro.
— Temos hoje uma boa ideia da megadiversidade arbórea da Amazônia, mas é preciso avançar mais — defende Salomão. — E esta biodiversidade pode ter muitas aplicações, seja na indústria farmacêutica quanto na alimentícia, fabricação de perfumes e outras. O conhecimento de novas espécies pode levar à descoberta de novos produtos para diversos setores com grande importância econômica.
RECURSOS DIRECIONADOS
E um exemplo disso é o açaizeiro (Euterpe precatoria). Apontada no estudo de 2013 como uma das espécies de árvores mais comuns na Amazônia, com mais de cinco bilhões de exemplares espalhados pela floresta, este tipo de palmeira é hoje fonte de renda para milhares de famílias na Região Norte. Outra espécie de importante papel econômico que figura na lista das árvores com maior número de exemplares no bioma é a seringueira (Hevea brasiliensis), com uma abundância calculada em quase dois bilhões de plantas. E isso sem contar espécies menos abundantes mas ainda assim consideradas “hiperdominantes” pelos pesquisadores, como a castanheira (Bertholletia excelsa) e muitas outras.
— Hoje os recursos para as pesquisas na Amazônia são muito direcionados, seja para fazer perfumes, procurar fármacos, a indústria madeireira ou para captura de carbono — conta Salomão. — Não temos nada focado no conhecimento da biodiversidade da Amazônia como um todo, e assim a região ainda é muito pouco estudada. Com um programa de cinco a dez anos de expedições regulares, no entanto, acredito que poderíamos fazer um inventário bem maior, identificando várias espécies de interesse científico e econômico.
Para o pesquisador do Museu Goeldi, uma maneira de avançar neste sentido de forma mais rápida seria integrar o trabalho às muitas novas unidades de conservação que foram e estão sendo criadas no bioma nos últimos anos.
— Muitas destas unidades de conservação existem basicamente só no papel, com poucos funcionários e quase nada de pesquisa — critica Salomão. — Não há estudos ou projetos específicos nelas. Precisamos que as unidades de conservação passem a contribuir efetivamente para o avanço do conhecimento sobre o bioma amazônico. E esta integração e conhecimento gerado, por outro lado, também ajudaria nos próprios esforços de preservação.
Fonte: O Globo Sustentabilidade
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