Paulo Knauss ao lado do cartaz que ilustra a chegada do navio Normandie ao Rio, em 1939 (Foto: Lécio Augusto Ramos) |
Débora Motta
Às vésperas de sediar os Jogos Olímpicos, o Rio reafirma sua vocação natural como destino turístico. As belezas da cidade maravilhosa, retratadas pelas lentes e pincéis de fotógrafos e artistas plásticos, sempre atraíram visitantes. Historicamente, o Rio é um importante destino das rotas de viagens, sejam marítimas ou aéreas. A partir do século XX, ele se reafirmou no imaginário dos estrangeiros como um modelo de civilização tropical, exótico e sofisticado. Representações da imagem da cidade nesse período podem ser observadas na exposição "O Rio de Janeiro como destino: cartazes de viagens, 1910-1970 – Coleção Berardo", em cartaz no Museu Histórico Nacional (Praça Marechal Âncora, s/nº, Centro) desde novembro de 2015, que teve sua exibição prorrogada até o dia 20 de março.
Com curadoria do historiador Paulo Knauss, diretor do museu e pesquisador da Universidade Federal Fluminense (UFF), e de Márcio A. Roiter, do Instituto Art Déco Brasil, a mostra reúne 40 cartazes que apresentam retratos do Rio, criados para promover a cidade como destino para viajantes de todo o mundo. “São documentos que mostram como o Rio de Janeiro era representado, no século passado, em peças destinadas à promoção de viagens atlânticas de navio e avião. A cidade era destaque das rotas para a América do Sul”, resume Knauss. A exposição recebeu apoio da FAPERJ, por meio do edital Apoio à Celebração dos 450 anos da Cidade do Rio de Janeiro.
Os cartazes – alguns quase centenários – são verdadeiras relíquias. O acervo faz parte da coleção Comendador Berardo, um conhecido colecionador de arte português que garimpou pérolas não identificadas, raras e de alto valor no mercado de bens culturais, nas grandes casas de leilão do mundo. Inicialmente desenhados com fins comerciais pelas companhias aéreas e marítimas, que mantinham rotas regulares de travessia atlântica tendo o Rio como um dos seus pontos de embarque e desembarque de passageiros, eles ganharam elevado valor artístico. “Nos cartazes datados das primeiras décadas do século XX, a base de criação para ilustrar o Rio era a pintura e o desenho. Nos mais contemporâneos, os artistas utilizaram a fotografia como base da criação gráfica”, detalha Knauss, que, em 2008, foi contemplado pela FAPERJ no programa Jovem Cientista do Nosso Estado.
A primeira parte da exposição apresenta cartazes que mostram o Rio antes da inauguração do Cristo Redentor, em 1931. “Nos cartazes publicitários desse tempo, a cidade tinha como referência o Pão de Açúcar. Antes da estátua do Cristo existir, os cartazes definiam a cidade como paisagem natural”, diz Knauss. Naquela época, a cidade entrou na rota do turismo atlântico com os paquebots, os grandes navios de transporte de passageiros. Em 1910, a inauguração do novo porto do Rio permitiu que os visitantes desembarcassem diretamente na Praça Mauá, bem no coração da cidade. Em 1927, a companhia francesa de correio aéreo Aéropostale inaugurou suas linhas regulares para a cidade. “A viagem aérea ainda não era de turismo, mas já promovia a imagem da cidade. A Aéropostale foi a primeira empresa aérea a ter voos regulares para o Rio. Inclusive, quem trabalhou para ela foi o escritor Antoine de Saint-Éxupery, autor dos romances O Pequeno Príncipe e Voo noturno”, completou.
A natureza do Rio no cartaz de Kenneth Shoesmith, de 1920, criado para a Royal Mail (Foto: Divulgação) |
Duas obras em destaque na fase do Rio “antes da estátua do Cristo” são assinadas por Kenneth Shoesmith, um dos primeiros artistas que se consolidou como especialista na arte dos cartazes. Dois deles, de 1920, desenhados para promover a empresa britânica Royal Mail, mostram visões da cidade a partir de navios. Outro cartaz autoral é do artista Bernd Steiner, criado para a companhia de navegação alemã Norddeutscher Lloyd. “Mas a maioria dos cartazes não era assinada. Criados como peças publicitárias, alguns nem têm indicação da gráfica onde foram produzidos”, contextualiza o diretor do museu.
Na década de 1930, a viagem transatlântica se afirmou como experiência. A engenharia naval permitiu a construção de barcos maiores e mais velozes, deixando para trás os antigos hidroaviões de asas duplas. Em 1931, com a inauguração do Cristo Redentor, a estátua passou a ser referência nos cartazes publicitários de viagem criados nesse período. “A singularidade da paisagem carioca consolidou a cidade como o centro simbólico da rota do Atlântico Sul. Assim, o Rio era representado como ícone da América do Sul e sua imagem muitas vezes era utilizada nos cartazes como se representasse todo a região”, diz.
Esses cartazes, apresentados como “Joias do Sul”, são um espetáculo à parte. “Os das primeiras décadas do século XX eram de alta qualidade, feitos para durar mesmo se expostos à ação da chuva ou do sol e para atrair o público seleto que fazia turismo na época. Afinal, viajar era um privilégio dos ricos”, diz. Nem sempre eles eram uma representação fidedigna da geografia da cidade. “Os artistas não eram brasileiros e tinham liberdade de criação da paisagem.”
Já os cartazes criados de 1940 até os anos 1970 retratam a leveza da cidade praiana. Agrupados sob a denominação “Terra de Cores e Alegria”, eles representam não apenas as belezas naturais da cidade, mas o jeito de ser do carioca. “A publicidade se aproximou da arte para valorizar o ideal de viajar”, diz. O artista húngaro Victor Vasarely é autor de um dos cartazes da exposição, criado em 1940 para a Air France. Ele desenhou para a companhia aérea francesa a visão de um belo voo, simulando a chegada de um avião à Baía de Guanabara. “É um cartaz que antecipa as tendências da Op-art, movimento artístico que ganharia contornos mais definidos no fim dos anos 1950. Também conhecida como arte ótica, a Op-art é um estilo artístico visual que utiliza ilusões óticas”, informa.
O século XX foi a grande época da produção de cartazes de viagem. “Os cartazes surgiram no fim do século XIX, para a publicidade de peças teatrais, de grandes magazines, de lojas de departamento e de cinemas, mas se afirmaram mesmo a partir dos anos 1910. Nos anos 1970, eles tiveram uma evolução gráfica, com inovações na técnica de impressão, com a litografia e, mais recentemente, o offset. Com a evolução dos meios de comunicação de massa, depois dos anos 1980, os cartazes de turismo foram perdendo a importância no mundo. Hoje, diante das mídias digitais, certamente eles não têm mais a presença de antes”, explica Knauss.
No cartaz da Alitalia, de 1950, a escolha de uma baiana para simbolizar o Rio é uma representação pouco fidedigna da cidade (Foto: Divulgação) |
O tema envolve ainda a história das viagens atlânticas, seus meios de transporte e suas empresas. Fazem parte do acervo cartazes criados para a Panair, na década de 1950, e para a Varig, nos anos de 1960, que marcaram a história da publicidade brasileira. “Ao assumir as rotas aéreas internacionais da Panair, em 1964, a Varig se firmou definitivamente. A imagem do Rio, utilizada nos cartazes das duas empresas, era parte da imagem dessas mesmas empresas”, diz Knauss.
Os cartazes também fazem alusão a dois meios de transporte históricos: o Zeppelin, dirigível sustentado por um imenso balão de hidrogênio, que ganhou um hangar especialmente construído no Rio – e ainda preservado – na Base Aérea de Santa Cruz, em 1936; e o transatlântico Normandie, um verdadeiro palácio flutuante que singrou os mares cariocas em 1938 e 1939, em rotas diretas anuais, oriunda do porto atlântico do Havre, na França. No espaço dedicado ao Normandie, na exposição, há a exibição de um documentário, mostrando como era essa experiência de navegação. “É interessante acompanhar a história desses cartazes porque eles mostram a evolução dos meios de transporte e, mais do que isso, revelam os sentidos do costume de viajar no século XX”, conclui.
Serviço
Data: até 20 de março de 2016
Horário: 3ª a 6ª feira, das 10h às 17h30. Aos sábados, domingos e feriados, das 14h às 18h.
Local: Museu Histórico Nacional (Praça Marechal Ancora s/nº, Centro)
Ingresso: R$ 8. Entrada grátis aos domingos.
Fonte: FAPERJ
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