CICLOVIAS: Janette Sadik-Khan, advogada e cientista política: ‘As pessoas têm ciúmes das suas ruas’

Ex-secretária de transportes de NY multiplicou por dez a extensão de ciclovias na sua cidade. Ela esteve no Rio para o seminário Conexão Rio-New York

por Leonardo Pimentel

Janette Sadik-Khan conta o trabalho de formiguinha que desempenhou para mudar a visão sobre o transporte urbano na cidade mais populosa dos EUA - Ana Branco / Agência O Globo

“Nasci em São Francisco, sou casada e tenho um filho. Sou formada em Ciência Política e Direito e fui secretária de Transportes de Nova York entre 2007 e 2013, no período em que Michael Bloomberg era prefeito. Nesse período, aprendi que não basta fazer ciclovias: é preciso negociar com o comércio e atrair as pessoas para as novas vias”

Conte algo que não sei.

Mudar o status quo, especialmente nos transportes, não é para fracos de coração. As pessoas têm ciúmes das suas ruas. É natural. É o lugar onde andam, brincam, vivem. Ficam preocupadas quando o governo aparece e diz: “Olha, vamos mudar sua rua para melhor.” O ceticismo é natural. Pelo menos foi assim em Nova York.

E como superaram isso?

Trabalhamos duro, indo de casa em casa, loja em loja, ao longo das ciclovias. E atualizamos as posturas municipais relativas a tráfegos, pois muitas daquelas ruas não viram qualquer modificação em 50 anos.

Quais foram as mudanças?

Para o comércio, por exemplo, criamos horários de carga e descarga mais flexíveis, e abrimos vagas de estacionamento em ruas laterais. Em resumo, fomos atendendo a novas demandas.

O comércio viu resultado?

Pelos levantamentos, as vendas do comércio nos corredores onde implementamos as ciclovias protegidas cresceram 50%. Mas isso não aconteceu da noite para o dia. Quando você faz mudanças, as pessoas tendem a ficar irritadas, e leva tempo até que tudo se ajeite.

Mudar a locomoção implica mudar culturas. Nos EUA vocês parecem ter uma relação muito estreita com carros.

Sim, nós temos as imagens dos nossos carros tatuadas nos braços (risos). Mas a estratégia não é contrária a automóveis: é favorável à escolha. Fornecemos meios adicionais para a circulação. Quando você cria corredores de ônibus e os torna mais rápidos e convenientes que carros, as pessoas usam. É a partir daí que há mudança de comportamento. O povo quer circular de forma confortável, rápida e por um preço justo.

Oferta e demanda, então.

Exatamente. Quando ampliamos a malha, triplicou o número de ciclistas. Por quê? Porque dêmos uma opção segura, atrativa e planejada. Não foram ciclovias espalhadas de forma aleatória em áreas remotas da cidade, mas no coração. O que é bem mais complicado, pois há um número bem maior de conflitos de interesse a sanar.

Como se avalia, em geral, o sucesso desse investimento?

A marca do sucesso é quando se começa a ver famílias usando ciclovias. Assim como um cientista atesta a qualidade da água do rio pela quantidade de peixes, aferimos a qualidade das ciclovias pela quantidade de mulheres e crianças, que são indicadores de que o sistema é seguro.

Então o perfil dos ciclistas também muda?

Sim. Hoje você vê um tipo de ciclista completamente diferente em Nova York. Antes, a maioria era de entregadores e mensageiros pedalando feito uns loucos em alta velocidade. Hoje, são pessoas comuns como eu e você, jovens, velhos, negros, brancos. Todo tipo de nova-iorquino está nas ruas com suas bicicletas. Não posso forçar uma pessoa a andar de bicicleta ou de ônibus. Mas posso projetar um sistema que a motive a deixar o carro na garagem.

Dá para aplicar tal sistema ao Rio, que tem ladeiras e mais problemas com segurança?

Cada cidade é diferente, e as soluções precisam ser adaptadas para outras realidades. O Rio tem ladeiras, mas já vimos ciclovias implantadas com sucesso em cidades mais montanhosas. Em Nova York o crime não aumentou com as ciclovias. Ao contrário: quando mais gente na rua, mais olhos vigiando, maior a segurança. Todo mundo gosta de estrutura.

Fonte: O Globo

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