Praia das Pedrinhas, vizinha a Unidade de Tratamento de Esgoto (UTE) de São Gonçalo que nunca funcionou, sem saneamento básico o esgoto é jogado direto na praia - Custódio Coimbra / Agência O Globo |
Estudo mostra eficiência de sistemas privados de saneamento e abre debate sobre concessão
Cinco cidades fluminenses que aparecem nos piores lugares do ranking do Trata Brasil têm serviços operados pela Cedae
RIO - Antes de contar com redes de abastecimento de água e de coleta de esgoto, o vigia Mario Eugenio Lopes, de 74 anos, morador de Jurujuba, em Niterói, nem olhava o valor da conta da Cedae: simplesmente a rasgava. Há pelo menos cinco anos, com o saneamento enfim implantado, ele diz fazer questão de pagar regularmente a tarifa a uma concessionária. A oito quilômetros dali, no bairro do Rocha, em São Gonçalo, a situação é outra. A pastora Maria Ivani de Sá move um processo contra a Cedae desde 2000 — sua igreja não tem rede de esgoto, mas as contas chegam religiosamente em dia.
Os casos mostram o descompasso entre cidades vizinhas quando o assunto é saneamento, tema abordado na série de reportagens “Vinte anos de descaso’’, que, publicada pelo GLOBO no mês passado, mostrou o fracasso de projetos de despoluição da Baía de Guanabara. Dos dez municípios do estado que constam no último ranking da ONG Instituto Trata Brasil — que avalia o saneamento nas cem cidades mais populosas do país —, cinco estão entre os piores colocados da lista. Esses cinco — Belford Roxo, São Gonçalo, Duque de Caxias, São João de Meriti e Nova Iguaçu — têm serviços de saneamento operados pela Cedae e despejam esgoto na baía. Na ponta oposta, Niterói aparece na 14ª posição, muito à frente da capital fluminense, que amarga um modesto 56ª lugar. Na terra de Araribóia, a responsabilidade pelo saneamento é, há quase 15 anos, da concessionária Águas de Niterói.
MAIS DUAS CIDADES DO ESTADO FAZEM ACORDOS
O levantamento do Instituto Trata Brasil foi divulgado no mês passado, e tem como base os dados de 2012 do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (Sinis) do Ministério das Cidades. O trabalho suscita um debate que ganha terreno: a concessão dos serviços é a solução para as cidades do Estado do Rio deixarem definitivamente para trás patamares vexatórios? Alguns prefeitos parecem estar convencidos de que esse é, sim, o melhor caminho. Na Baixada, a prefeitura de São João de Meriti, após um embate de cinco anos com a Cedae, anuncia um acordo para início do tratamento de esgoto pela empresa Águas de Meriti. Mas a Cedae continua responsável pelo abastecimento de água.
— Em oito anos, vamos universalizar a coleta e o tratamento de esgoto no município — promete Zilto Bernardi, secretário de Ambiente e Defesa Civil de São João de Meriti.
Em Itaboraí, na Região Metropolitana, o prefeito Helil Cardozo promete lançar um edital de licitação para serviços de saneamento (água e esgoto) ainda este mês. Ele já promoveu uma audiência pública sobre o assunto e sancionou uma lei para dar respaldo à concessão. Outros dois municípios com desempenho pífio em saneamento — Nova Iguaçu e São Gonçalo — estudam a possibilidade de seguirem o mesmo caminho.
— Somente 25% dos imóveis de Itaboraí contam com sistemas de abastecimento de água e menos de 5% têm redes de esgoto. Um shopping que está para ser inaugurado precisou abrir poços artesianos — conta Cardozo.
— Dentro de quatro anos, vamos disputar o primeiro lugar do ranking do Trata Brasil — diz Grael.
Entre técnicos, o debate sobre a privatização do saneamento ganha força. Para o presidente-executivo do Trata Brasil, o químico Édison Carlos, não há melhoria de saneamento sem investimentos, o que explica, por exemplo, a diferença de desempenho entre Niterói e São Gonçalo.
— Normalmente, quando é executado pela iniciativa privada, o serviço tem garantias por força de contrato. Há metas e compromissos a cumprir. Em geral, há uma agência reguladora, que é outra vantagem — observa o químico.
Para o biólogo Mário Moscatelli, os dados do Trata Brasil mostram que o modelo de gestão pública estadual do saneamento não funciona mais.
— A iniciativa privada sofre fiscalização e não tem influência política. Já uma empresa do governo se coloca acima do bem e do mal — diz Moscatelli.
A concessionária Águas de Niterói investiu R$ 560 milhões na cidade, sendo R$ 400 milhões em esgoto. Hoje, 92% dos imóveis dispõem de redes coletoras e de tratamento. A empresa implantou 470 quilômetros de tubulações e 50 bombas elevatórias. Niterói tem sete Estações de Tratamento de Esgoto (ETEs): cinco foram construídas e duas, ampliadas.
Nelson Gomes, diretor da Águas de Niterói, diz que, até 2018, os investimentos chegarão a R$ 650 milhões, e bancarão a construção de outras três ETEs e a reforma de duas. Mais R$ 250 milhões em obras estão previstos até o fim da concessão, em 2029. Ainda segundo ele, a cobrança pela coleta e pelo tratamento do esgoto só é feita após o imóvel do cliente ser conectado à rede.
Vice-prefeito de Niterói, Axel Grael afirma que a meta de ter coleta e tratamento de esgoto em toda a cidade será atingida até 2018.
— Dentro de quatro anos, vamos disputar o primeiro lugar do ranking do Trata Brasil — diz Grael.
NÃO HÁ REDE, MAS A CONTA SEMPRE CHEGA
Em São Gonçalo, não faltam casos de cobrança por serviço de coleta e tratamento de esgoto onde não há rede. Esse foi o motivo que levou a pastora Maria Ivani de Sá, da Igreja Monte Sião, no Rocha, a entrar na Justiça contra a Cedae.
— A igreja paga por um serviço que não recebe. Outros imóveis da mesma rua têm o mesmo problema — conta Maria.
O advogado Paulo Cesar Souza de Andrade representa na Justiça 120 clientes de São Gonçalo e de bairros da Zona Oeste do Rio que também não têm o serviço, mas recebem contas da Cedae.
— Como cobrar se não há rede? O esgoto das casas dos meus clientes é jogado em galerias de águas pluviais, que vão para os rios que desembocam na baía. Há uma decisão do Superior Tribunal de Justiça que permite a cobrança se há coleta. Mas o que a Cedae faz não pode ser considerada uma coleta. Provavelmente, o assunto será levado ao Supremo Tribunal Federal — analisa o advogado.
Há pouco mais de dois anos, a Foz Águas 5 assumiu a coleta e o tratamento do esgoto de 21 bairros da Zona Oeste do Rio de Janeiro. Diferentemente de Niterói, a responsabilidade pelo abastecimento de água na região continuando sendo da Cedae.
Segundo Armando Goes, diretor-presidente da Foz Água 5, a primeira etapa de investimentos de R$ 640 milhões será concluída em 2017. As obras serão feitas nos dez bairros da chamada AP-5 que integram as bacias dos rios Marangá e Sarapuí e têm influência direta na Baía de Guanabara. Até lá, serão implantados 345km de rede coletora de esgoto, 12 estações elevatórias e duas novas ETEs (em Deodoro e Bangu). Este ano, serão entregues 50km de rede. E, em função das Olimpíadas, a área de Deodoro ficará pronta no primeiro semestre de 2016.
Numa segunda fase, a Foz Águas 5 pretende investir R$ 1,2 bilhão até 2022. Na terceira etapa, serão mais R$ 300 milhões, até o fim da concessão.
A Cedae defende a gestão pública do saneamento no estado, informando que, em 2007, fez um planejamento estratégico orientado pela Fundação Getúlio Vargas para corrigir erros do passado. Em relação aos números do Trata Brasil, a empresa garante que, no município do Rio, com exceção da AP-5, a coleta e o tratamento de esgoto chegam a 90% e 60% da cidade, respectivamente.
Fonte: O Globo
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