Estudo inédito revela perfil acústico da baía de Guanabara e conclui que seus índices de poluição sonora subaquática são comparáveis aos piores do mundo, o que pode afetar a saúde e até a sobrevivência de animais marinhos, em especial os mamíferos aquáticos.
Por: Henrique Kugler
O boto-cinza (‘Sotalia guianensis’) é uma das espécies afetadas pelos altos níveis de pressão sonora na baía de Guanabara. (foto: Lis Bittencourt) |
Discutir poluição sonora pode até parecer frescura para alguns. Especialmente no Brasil – onde a lista de dramas sociais e ambientais elenca itens muito mais sérios a serem remediados. Mas se para seres humanos o ruído em excesso pode ser um mero desconforto, para mamíferos aquáticos a poluição sonora é um assunto de vida ou morte.
Afinal, esses mamíferos são totalmente dependentes dos sons para se alimentar e se reproduzir. É o caso dos cetáceos – ordem a que pertencem os golfinhos e as baleias, por exemplo. Mecanismos de ecolocalização são fundamentais à sua sobrevivência. Qualquer interferência antrópica que altere o perfil sonoro do ambiente aquático pode, portanto, ocasionar consequências sérias à preservação desses bichos.
E das águas cariocas vêm dados preocupantes sobre essa questão. Pesquisadores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) publicaram recentemente o primeiro perfil acústico da baía de Guanabara – local de expressão turística, econômica e biológica da maior importância. Segundo os autores do trabalho, é a primeira vez que análises desse tipo são conduzidas no litoral brasileiro.
Baía barulhenta
Na maior parte da baía de Guanabara, a barulheira subaquática preocupa. “Encontramos níveis de poluição sonora similares aos aferidos em áreas altamente impactadas, como a baía de Southould, nos Estados Unidos, e o estuário de St. Lawrence, no Canadá”, diz a oceanógrafa Lis Bittencourt, do Laboratório de Mamíferos Aquáticos e Bioindicadores da Uerj. “Nos locais de maior tráfego de embarcações, os níveis de pressão sonora chegam a 180 decibéis”, afirma a pesquisadora. Esse é o dobro do valor máximo esperado em condições naturais, que é de 90 decibéis.
A boa notícia é que, pelo menos na Área de Proteção Ambiental de Guapimirim, localizada na porção nordeste da baía de Guanabara, os níveis de ruído estão muito próximos dos considerados normais.
As aferições foram feitas com hidrofones – espécies de microfones à prova d'água. O trabalho de campo foi realizado entre 2011 e 2012. Ao todo, foram monitorados 10 pontos ao longo de toda a baía. E, em cada um deles, foram realizadas medições sonoras em duas profundidades diferentes: uma 2 m acima do leito oceânico; outra 2 m abaixo da superfície.
Clique na imagem para acessar o mapa interativo. |
Ao que tudo indica, é a navegação a principal fonte de poluição sonora subaquática. “Tanto o motor quanto a parte elétrica das embarcações geram grandes quantidades de ruídos em baixas frequências”, detalha a oceanógrafa da Uerj. Obras costeiras, como construções de píeres ou manutenção de portos, também produzem impacto sonoro significativo sobre a fauna aquática.
Impactos silenciosos
Na baía de Guanabara, as águas são naturalmente turvas. Por esse motivo, a sobrevivência de muitos animais depende bem mais da audição do que da visão.
“O problema é que a poluição sonora, normalmente, não é causa de morte direta para a maioria dos animais aquáticos; ela provoca efeitos bem mais sutis”, explica Bittencourt. “Ao prejudicar a comunicação, os elevados níveis de pressão sonora provocam reações metabólicas que resultam em estresse crônico, que poderá reduzir a imunidade desses mamíferos e facilitar assim o aparecimento de problemas típicos da poluição química a que está sujeita a baía.”
Pesquisadores captam sinais acústicos na baía de Guanabara, em um ponto onde há intenso fluxo de embarcações. (foto: Divulgação) |
De acordo com estudos diversos, cada espécie tem respondido de maneira distinta à intensificação da poluição sonora. “Baleias em diferentes lugares do mundo estão aumentando a intensidade e alterando a frequência de suas canções para que não sejam mascaradas pelo ruído gerado por navios; algumas espécies de golfinho também já alteraram as características de seus sinais acústicos em resposta ao ruído subaquático; e muitos peixes apresentam problemas de perda de audição e de equilíbrio”, detalha Bittencourt. Segundo ela, o tema ganha cada vez mais relevância na comunidade científica.
Sinfonia da morte
Mas a poluição sonora pode ser a causa de problemas ainda maiores para os animais. É que, na busca por petróleo, é comum que as equipes técnicas de exploração promovam os chamados testes acústicos. São disparos sonoros extremamente intensos que, ao interagir com a geologia local, fornecem pistas sobre prováveis locais para prospecção.
Para alguns pesquisadores, a intensidade desses disparos sonoros pode estar relacionada a encalhes em massa de golfinhos em praias de diferentes locais do planeta. É provavelmente o que aconteceu no Peru no final de 2011. Estima-se que cerca de 3 mil golfinhos tenham morrido em decorrência, direta ou indireta, desses testes acústicos.
Henrique Kugler
Ciência Hoje On-line
Fonte: Ciência Hoje On-Line
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