Meta brasileira prevê restaurar 12 milhões de hectares de florestas. Adriano Vizoni/Folhapress |
ANA CAROLINA AMARAL
Quem acompanha a implementação dos compromissos que o Brasil impôs a si mesmo no âmbito do Acordo de Paris não tem dúvida: o país caminha na contramão de suas próprias políticas climáticas.
Para além das crescentes emissões de carbono no país –que subiram 8,9% em 2016, tornando mais distante a meta de redução de 37% até 2025–, o que mais preocupa as organizações ligadas ao clima são a falta de coordenação entre os atores estatais e a descontinuidade na implementação da agenda ambiental.
A medida provisória 795, que concede incentivos fiscais ao setor de óleo e gás (principal emissor de carbono no mundo), é citada como o exemplo mais recente da falta de diálogo dentro do governo. Aprovada na quarta (29) na Câmara dos Deputados, a iniciativa segue para o Senado sem ter passado por consulta no Ministério do Meio Ambiente.
O presidente da Comissão Mista de Mudanças Climáticas, senador Jorge Viana (PT-AC), disse contar "com o juízo do Senado" para barrar a medida. Entidades calculam que os benefícios cedidos ao setor podem chegar a R$ 1 trilhão até 2040.
A proposta, contudo, não constitui um ponto fora da curva. Para Viviane Romeiro, uma das autoras da mais recente análise do WRI (World Resources Institute) sobre as políticas climáticas brasileiras, o Plano Decenal de Energia (PDE) mostra o descolamento entre as agendas de clima e de desenvolvimento no governo brasileiro.
Embora a Política Nacional de Mudança do Clima tenha em 2009 estipulado o PDE como um instrumento para reduzir as emissões de carbono no setor energético, "a previsão para os próximos dez anos é que 74% dos investimentos sejam em fontes de energia fósseis", aponta Romeiro.
Segundo ela, para conseguir cumprir o que prometeu no Acordo de Paris, o Brasil deveria estar cumprindo promessas anteriores, previstas na Política Nacional de Mudança do Clima.
Além do planejamento energético, o documento propõe a criação do Mercado Brasileiro de Redução de Emissões, em que setores poluidores poderiam comprar créditos de carbono daqueles que contribuem para reduzir as emissões na atmosfera.
Para que o mercado funcione com credibilidade, é preciso ainda o cumprimento de outra medida que também não saiu do papel: o sistema de monitoramento e avaliação de resultados, que contém métodos para garantir a transparência e a legitimidade das ações climáticas.
Entre as medidas que saíram do papel, foram criados dois instrumentos financeiros para incentivar a economia de baixo carbono: o Fundo Clima e o Programa de Crédito para Agricultura de Baixo Carbono. No entanto, os incentivos não seriam suficientes, porque "o montante de recursos é ainda marginal, especialmente se comparado ao que é alocado para alavancar atividades não orientadas para a descarbonização da economia", diz o estudo do WRI.
SEM CONVERSA
Em 2007 foi criado um comitê interministerial com 16 pastas do governo para orientar a elaboração conjunta das políticas climáticas. O grupo, no entanto, não se reúne desde 2013. A Casa Civil está atualmente revendo o decreto que deu origem ao comitê e pode instituir uma nova governança climática.
A iniciativa preocupa organizações por não prever a participação da sociedade civil. "Se a sociedade não tiver licença para opinar, as chances de se implementar uma forma mais republicana e efetiva de governar a política de mudança do clima vão se esvair", critica Natalie Unterstell, secretária executiva adjunta do Fórum Brasileiro de Mudança do Clima.
O órgão, com representantes do governo e da sociedade civil, foi criado justamente para ampliar a participação social na implementação das políticas do clima.
Para Unterstell, a participação social deveria ser encarada como método de governança. O Fórum responde diretamente ao presidente da República e também não se reunia desde 2013.
Reativado neste ano, ele está entregando ao governo um conjunto de recomendações para a implementação das metas climáticas no país –com propostas que vão da iluminação pública ao tratamento de resíduos sólidos.
A integração entre ministérios e a sociedade civil poderia diminuir o custo do cumprimento do Acordo de Paris, segundo Marcelo Furtado, coordenador da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura. "O custo de transação seria mais rápido e mais barato com ações transversais", ele defende.
"Hoje corremos o risco de ter mais de um órgão cuidando do mesmo assunto, ou com políticas setoriais opostas, que não nos direcionam para o mesmo rumo", diz.
Apesar das dificuldades, o ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, vê com otimismo os avanços obtidos até agora, aproveitando a COP do Clima, que terminou no último dia 17 na Alemanha, para desencalhar a tramitação de políticas ambientais. Depois de meses em repouso na Casa Civil, o Planaveg, que prevê restaurar 12 milhões de hectares de florestas, foi aprovado no mesmo dia em que o ministro discursou na COP.
Segundo o Ministério do Meio Ambiente, a pasta conta com a COP para "aumentar a visibilidade e o engajamento dos diferentes setores do governo" e aposta que a participação de outros atores do governo nas COPs "amplia a priorização da respectiva pauta política no Brasil".
Durante a conferência, uma reunião entre deputados e senadores que compõem as comissões de meio ambiente e de mudanças climáticas refletiu sobre a atuação da bancada ambientalista no Congresso e teve até bronca do embaixador Antônio Marcondes, chefe da delegação brasileira na COP.
"Precisamos parar de tratar o clima como 'nós x eles', 'ambientalistas x ruralistas'; porque clima não é só sobre meio ambiente, é sobre desenvolvimento", disse Marcondes. Parlamentares deixaram a reunião pedindo mais diálogo em Brasília. "Seria bom que a gente não precisasse vir até a COP para conseguir conversar", afirmou o deputado Nilto Tatto (PT-SP).
* META BRASILEIRA
Como o país pretende cumprir Acordo de Paris
EMISSÕES
As emissões de carbono devem ser 37% menores até 2025 e 43% menores até 2030
BIOMASSA
Aumentar a participação de biomassa na matriz energética brasileira para aproximadamente 18% até 2030
CÓDIGO FLORESTAL
Fortalecer o cumprimento do Código Florestal, em âmbito federal, estadual e municipal
DESMATAMENTO
Alcançar o desmatamento ilegal zero até 2030
ENERGIA RENOVÁVEL
Expandir o uso de fontes renováveis solar e eólica na matriz total de energia para uma participação de 28% a 33% até 2030
MAIS ENERGIA COM MENOS
Alcançar 10% de ganhos de eficiência no setor elétrico até 2030.
SETOR AGRÍCOLA
Restauração adicional de 15 milhões de hectares de pastagens degradadas até 2030
Fonte: Folha de SP
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