sexta-feira, 22 de dezembro de 2017
RESTAURAÇÃO FLORESTAL: Dados do BIOTA embasam norma para restauração ambiental em São Paulo
Karina Toledo | Agência FAPESP – Com base em dados científicos produzidos no âmbito do Programa BIOTA-FAPESP, a Secretaria de Meio Ambiente (SMA) do Estado de São Paulo publicou, em 18 de janeiro, a Resolução SMA Nº 7. Este é o 17º instrumento legal, entre leis, decretos e resoluções, que cita nominalmente o Programa.
A norma estabelece critérios para a “compensação ambiental de áreas objeto de pedido de autorização para supressão de vegetação nativa, corte de árvores isoladas e para intervenções em Áreas de Preservação Permanente (APPs)” – regulamentando, no Estado de São Paulo, as diretrizes nacionais estabelecidas pela Lei de Proteção da Vegetação Nativa, denominada popularmente de Novo Código Florestal (Lei Nº 12.651, de 2012), e pela Lei da Mata Atlântica (Lei Nº 11.428, de 2006), além de legislações estaduais anteriores.
Os parâmetros da norma foram estabelecidos levando em conta os mapas “Áreas prioritárias para incremento da conectividade” e “Áreas prioritárias para restauração da vegetação nativa”, que fazem parte do livro “Diretrizes para Conservação e Restauração da Biodiversidade no Estado de São Paulo”.
A obra é resultado de um projeto apoiado pela FAPESP iniciado em 1999, que envolveu cerca de 200 pesquisadores de várias disciplinas e resultou num banco de dados com o inventário e a caracterização da biodiversidade do Estado de São Paulo, definindo os mecanismos para a sua conservação e restauração.
De acordo com a SMA, as compensações ambientais regradas pela nova resolução não poderão ser implantadas fora do Estado de São Paulo. “É uma estratégia para direcionar as compensações e restaurações florestais para áreas em que o estado identificou serem mais prioritárias no que diz respeito à segurança hídrica, biodiversidade e conectividade", informou o órgão por meio de sua assessoria de imprensa.
A resolução da SMA vem atender a uma demanda do novo Código Florestal, segundo o qual cada estado deveria implantar seu próprio Programa de Regularização Ambiental (PRA) para APPs, reservas legais (RL) e áreas de uso restrito (UR), definindo regras e procedimentos que os proprietários deverão seguir, por meio de decretos e instruções normativas.
“Quando o novo Código Florestal foi aprovado, alguns procedimentos ficaram para ser regulamentados nos estados. Uma das questões em aberto era referente aos critérios que deveriam ser adotados para a compensação ambiental”, contou Ricardo Ribeiro Rodrigues, professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP) e ex-coordenador do BIOTA.
A lei federal estabeleceu que todo imóvel rural deve manter uma determinada área com cobertura de vegetação nativa, a título de Reserva Legal. O porcentual pode variar de 20% a 80%, dependendo da região do país. A compensação ambiental pode ser necessária, por exemplo, para repor a RL quando ela já foi suprimida no passado ou quando o proprietário solicita aos órgãos ambientais autorização para a supressão de vegetação nativa (isolada ou não) em APP (Resolução SMA 7 de 18/1/2017).
A compensação ambiental também pode ser necessária quando obras de interesse público, como a construção de estradas ou usinas, dependerem de supressão de vegetação nativa ou de qualquer tipo de intervenção em APPs.
“É comum em São Paulo, por exemplo, produtores de cana arrendarem terras antes usadas como pasto na pecuária, mas as árvores isoladas mantidas para sombreamento do gado atrapalham a mecanização da colheita. Nesse caso, eles precisam solicitar aos órgãos ambientais autorização para o corte dessas árvores isoladas, muitas vezes nas APPs, e são obrigados a fazer a compensação ambiental. Mas até agora nem técnicos, nem juízes ou promotores tinham uma regra clara sobre como deveria ser essa compensação. É uma demanda antiga que a resolução vem felizmente atender”, contou Rodrigues.
Regras definidas
O Programa de Regularização Ambiental (PRA) do Estado de São Paulo foi promulgado pelo governador Geraldo Alckmin em janeiro de 2016 e a Resolução SMA Nº 7 estabelece os critérios pelos quais ele deverá funcionar.
“As regras da resolução são muito bem feitas e levam em consideração o grau de conservação da vegetação nativa que será suprimida e direciona as compensações para as áreas indicadas pelos mapas como de alta prioridade para conservação. Assim sendo, determina se a compensação que deverá ser feita será de 1,2 a 6 vezes maior que a área a ser desmatada. Nunca será inferior”, contou Rodrigues.
A compensação exigida pode chegar a ser 6 vezes maior nos casos que a vegetação suprimida encontra-se em “estágio médio de regeneração” e está classificada na categoria “Muito Alta Prioridade” no mapa “Áreas prioritárias para restauração da vegetação nativa”.
Já o corte de árvores isoladas pode exigir compensações que variam de 10 para 1 a 30 para 1, dependendo da localização e das espécies atingidas no corte. Por último, as compensações exigidas como contrapartida de intervenções em APPs podem variar de 1,2 a 2 vezes a área afetada, dependendo do local e do tipo de vegetação envolvidos.
Como explicou Carlos Alfredo Joly, professor do Instituto de Biologia (IB) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e atual coordenador do BIOTA, a regulamentação é fruto de longas negociações entre membros da coordenação do Programa da FAPESP e representantes da SMA, da Secretaria de Agricultura e Abastecimento, da Secretaria de Saneamento e Recursos Hídricos e da Casa Civil.
A meta da comunidade científica, ainda segundo Joly, era criar condições para que as compensações ambientais pela vegetação suprimida em São Paulo fossem feitas dentro do próprio estado. O Código Florestal determina apenas que a compensação seja feita dentro do mesmo bioma.
“Isso significa que, de acordo com o Código Florestal, um proprietário de terras em área de Mata Atlântica no Estado de São Paulo poderia compensar o corte da vegetação em áreas de Mata Atlântica no Nordeste ou no Mato Grosso, onde a terra é mais barata. Mas para São Paulo isso seria um desastre porque os serviços ambientais que aquela vegetação nativa nos presta – entre eles a proteção dos recursos hídricos, a manutenção da biodiversidade e das populações de polinizadores – seriam perdidos aqui”, comentou Joly.
Segundo Rodrigues, a nova resolução determina exatamente onde deverão ser feitas as compensações ambientais do Estado de São Paulo, dando prioridade para mananciais e áreas de vulnerabilidade de aquíferos. Considera ainda as áreas relevantes para manutenção e recuperação da conectividade entre fragmentos florestais visando à conservação da biodiversidade.
“Não vamos conseguir preservar a água que está faltando em São Paulo restaurando floresta em Pernambuco, por exemplo. Essa resolução vai contribuir com um planejamento ambiental e agrícola do estado. Possibilita uma compensação inteligente e que realmente gere um efeito positivo, uma melhoria das paisagens, interligando os fragmentos existentes e ainda protegendo os recursos hídricos, o que está diretamente ligado com o provimento de serviços ambientais pela vegetação nativa, como polinização de culturas agrícolas, proteção de solo e água”, disse Rodrigues.
Políticas Públicas
O conhecimento científico sobre a biodiversidade do Estado de São Paulo gerado no âmbito do Programa BIOTA-FAPESP já ajudou a embasar, ao todo, seis decretos estaduais e 11 resoluções de órgãos vinculados ao governo estadual (confira a lista completa em http://www.biota.org.br/resultados/).
Entre eles há medidas voltadas a reduzir os impactos ambientais causados pelo setor de mineração, auxiliar o zoneamento agroambiental para o setor sucroalcooleiro e subsidiar ações de planejamento, fiscalização e recuperação da biodiversidade pela SMA.
“Esta nova resolução recentemente publicada é mais um fruto do esforço que o BIOTA vem fazendo já há alguns anos no sentido de usar o conhecimento científico para sustentar políticas públicas. O BIOTA teve um investimento grande de recursos da FAPESP para caracterização da biodiversidade em todos os seus níveis e tentamos justificar o uso do dinheiro público gerando conhecimentos que beneficiem a toda a sociedade”, disse o professor da Esalq-USP.
Na avaliação do presidente da FAPESP, José Goldemberg, tal situação demonstra “maturidade do poder público no Estado de São Paulo”. “Os formuladores de políticas públicas estão cientes de que a ciência não é algo que os cientistas fazem apenas para sua própria diversão e sim tem consequências práticas muito importantes. Vale a pena prestar atenção no que os cientistas dizem”, afirmou.
Fonte: Agência FAPESP
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