Maria Fernanda Ziegler | Agência FAPESP – Um grupo internacional de pesquisadores mapeou mais de 10 mil espécies de répteis terrestres, preenchendo uma lacuna no Atlas da Vida, a primeira síntese global da distribuição de vertebrados terrestres. Como os répteis representam um terço da diversidade de vertebrados terrestres, a confecção do mapa da distribuição de répteis tem impacto importante em iniciativas de conservação.
O mapeamento da distribuição de aves, mamíferos e anfíbios já havia sido concluído em 2008, mas os répteis não foram incluídos porque as prioridades da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), que centralizava esses esforços juntamente com ONGs de conservação, foram dirigidas para outros grupos de organismos.
Desde então, o conhecimento sobre répteis aumentou muito, o que permitiu o mapeamento de 6.110 espécies de lagartos, 3.414 de serpentes e 322 de quelônios. Os dados completam o mapa global das mais de 31 mil espécies dos vertebrados tetrápodes (grupo que exclui os peixes), com cerca de 5 mil mamíferos, 11 mil aves e 6 mil anfíbios.
O mapeamento dos répteis foi descrito em Nature Ecology & Evolution, em um trabalho liderado por pesquisadores das universidades Oxford e de Tel Aviv, que contou com a colaboração de outras 30 instituições de 13 países. Quatro cientistas brasileiros, sendo dois da Universidade de São Paulo, um da Universidade de Brasília e um do Museu Paraense Emílio Goeldi, participaram do estudo e coordenaram parte do mapeamento na América do Sul, junto com pesquisadores do Equador e da Colômbia.
O mapeamento revelou padrões inesperados e regiões de alta biodiversidade em zonas não consideradas prioritárias para conservação. Entre elas estão a Caatinga e o Cerrado brasileiros e a região sul dos Andes no Chile. Outras regiões que mostraram ser pontos de alta biodiversidade são o deserto central da Austrália, o sul da África, as Estepes Euroasiáticas e a Península Arábica.
“Ao inserir répteis no Atlas da Vida – que têm padrões de distribuição diferentes de mamíferos, aves e anfíbios – surgem algumas áreas inesperadas. Isso ocorre porque a fisiologia dos répteis permite que eles se adaptem bem melhor em áreas abertas, não florestais, em geral negligenciadas quanto à diversidade biológica”, disse Cristiano Nogueira, pesquisador do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP) e um dos autores do estudo, à Agência FAPESP.
“No Brasil, sabemos que boa parte dos lagartos tem a distribuição centrada em áreas abertas ou semiáridas, como o Cerrado e a Caatinga, e existem várias espécies endêmicas nessas regiões. Em geral, áreas que concentram muitas espécies endêmicas são insubstituíveis, e sempre surgem como prioridades, ainda mais quando negligenciadas em estratégias anteriores”, disse Nogueira, cujo estudo tem apoio da FAPESP por meio do programa Jovens Pesquisadores em Centros Emergentes.
Importância local
Embora a diversidade de lagartos seja muito maior que a de serpentes, localmente é comum haver maior diversidade dessas últimas. “Podemos encontrar, em áreas extensas, uma mesma espécie de serpente, pois elas em geral apresentam distribuições mais amplas; já as espécies de lagartos variam muito de uma área para outra”, disse Nogueira.
Segundo ele, essa questão ressalta a importância do estudo de répteis, principalmente de lagartos, para a conservação. “Com um mapeamento detalhado, percebemos cada vez mais que uma grande unidade de paisagem, como a Amazônia, não é algo único. O Escudo das Guianas, por exemplo, tem uma diversidade de fauna completamente diferente da encontrada ao sul do rio Amazonas. Por isso, sem conhecer em detalhe a distribuição e diversidade dos organismos, é muito difícil elaborar boas estratégias de conservação”, disse.
O mesmo ocorre com o Cerrado, a Mata Atlântica e outras regiões naturais do continente. No Cerrado, com os dados detalhados pelo mapeamento de répteis, estudos anteriores puderam delimitar, pelo menos, 13 grandes subunidades biogeográficas.
Nogueira explica que a parte Sul do Cerrado– que abrange São Paulo, Minas Gerais e parte do Mato Grosso do Sul – é a mais ameaçada e abriga uma fauna de répteis diferente do Cerrado Central – Brasília, Chapada dos Veadeiros –, que, por sua vez, também difere do Cerrado do Oeste da Bahia.
“Com o mapeamento da distribuição de animais podemos ter uma visão mais detalhada dessas subunidades, pois a conservação em cada uma delas exige estratégias diferentes e localizadas”, disse.
Impacto na Lista Vermelha
Nogueira explica que as listas da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) costumam ser feitas em reuniões de pesquisadores, antes da confecção dos mapas detalhados. “Normalmente, os mapas de distribuição usados em conservação são incompletos, algumas vezes feitos durante as oficinas de avaliação, em reuniões de alguns dias, sem haver um esforço prévio de confecção dos mapas e revisão de registros de ocorrência. Desta vez, foi feito ao contrário: primeiro o mapa dos répteis e depois a lista. Com isso, as reuniões e discussões de ameaça foram muito mais embasadas, pois utilizaram dados com milhares de pontos anteriormente revisados pelos pesquisadores e mapas que vinham sendo aperfeiçoados continuamente há alguns anos”, disse.
Um exemplo dessa melhora foi a redução de espécies na categoria “dados deficientes” das Listas Vermelhas da Fauna Brasileira, que seguiram as diretrizes da IUCN. “Em anfíbios, que teve a lista feita antes do mapeamento mais detalhado, cerca de 20% das espécies estão como dados deficientes. Em serpentes, essa taxa é de 6%. Isso tem relação com a qualidade dos mapas. O nível de segurança na tomada de decisões quando se tem bons mapas aumenta muito”, disse Nogueira.
Para os pesquisadores, além da importância nas listas brasileiras de espécies ameaçadas, o mapeamento dos répteis tem relevância global na conservação das espécies.
“As avaliações de risco de extinção de mamíferos, aves e anfíbios já contavam com mapas gerados durante iniciativas globais. Por esse motivo, praticamente todas as espécies desses grupos já haviam sido avaliadas na lista mundial. Já os répteis vêm recebendo atenção nesse sentido apenas recentemente e somente pouco mais da metade das espécies desse grupo já foi avaliada”, disse à Agência FAPESP Marcio Martins, professor do Instituto de Biociências da USP e também autor do estudo. Martins teve apoio da FAPESP por meio de Projeto Temático já concluído.
O artigo The global distribution of tetrapods reveals a need for targeted reptile conservation (doi: http://dx.doi.org/10.1038/s41559-017-0332-2), de Uri Roll, Anat Feldman, Maria Novosolov, Allen Allison, Aaron M. Bauer, Rodolphe Bernard, Monika Böhm, Fernando Castro-Herrera, Laurent Chirio, Ben Collen, Guarino R. Colli, Lital Dabool, Indraneil Das, Tiffany M. Doan, Lee L. Grismer, Marinus Hoogmoed, Yuval Itescu, Fred Kraus, Matthew LeBreton, Amir Lewin, Marcio Martins, Erez Maza, Danny Meirte, Zoltán T. Nagy, Cristiano de C. Nogueira, Olivier S. G. Pauwels, Daniel Pincheira-Donoso, Gary D. Powney, Roberto Sindaco, Oliver J. S. Tallowin, Omar Torres-Carvajal, Jean-François Trape, Enav Vidan, Peter Uetz, Philipp Wagner, Yuezhao Wang, C. David L. Orme, Richard Grenyer e Shai Meiri, pode ser lido no Nature Ecology & Evolution B em https://www.nature.com/articles/s41559-017-0332-2.
Fonte: Agência FAPESP
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