Míriam Leitão
O mundo chega nesta semana a Belém, mas falta um número sobre a mesa. Com os dados atuais, quanto a temperatura da Terra vai aumentar? O relatório síntese da ONU, que deveria trazer esse número, não trouxe. Seu fantasma estará sobre todas as cabeças. Diante da falta de compromisso da maioria dos países, o mundo talvez esteja contratando um aumento de temperatura de 2,3°C, o que levaria a tragédias climáticas. O Pnuma, Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, deve dar esta notícia na terça-feira. Sob esse clima, o mundo vem a Belém, e o Brasil é mais uma vez o palco da escolha mais decisiva da humanidade.
A caminhada começou no Rio há 33 anos. Foi quando o mundo olhou o planeta Terra como deveria olhar. Agora, volta ao Brasil para a Conferência de número 30, em plena hora da verdade. A saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris produziu um vexame para eles mesmos. Só há quatro países fora do acordo: Estados Unidos, Iêmen, Irã e Líbia. A ironia é o governo americano ter escolhido essas companhias, que eles próprios consideram países párias.
A saída dos americanos teve um efeito maior do que é visível. A boa notícia é que ninguém mais saiu do Acordo de Paris. A má notícia é que isso teve um inesperado resultado: emagreceu as vontades. O que houve com a Europa? A Europa sempre foi líder, sempre pressionou os outros países a assumirem compromissos maiores de redução dos gases de efeito estufa. Mas, até agora, é a maior decepção: ela não apresentou a sua NDC.
Essa sigla de três letras é a alma da COP. Significa quanto cada país se compromete voluntariamente para o objetivo global de manter o aumento da temperatura em 1,5 °C. É escolha. Por isso NDC significa “Compromissos Nacionalmente Determinados”. Em bom português, quer dizer o número que cada um coloca na mesa para se chegar à meta global. A Europa ainda não anunciou a sua. França e Alemanha, que mais empurravam o bloco europeu, recuaram por causa dos Estados Unidos.
A COP tem esse nome porque é Conferência das Partes. Partes do quê? Do acordo-quadro da Convenção do Clima da ONU. Aquela convenção nascida na Rio92. São 198 partes, ou seja, países que decidiram caminhar na sensata direção de proteger o planeta. Ocorre que apenas 67 países anunciaram suas NDCs. Para nosso orgulho, o Brasil foi a primeira parte a fazer isso. O Brasil disse que, até 2035, terá uma emissão de 59% a 67% menor do que em 2005.
A ausência de compromissos é a grande dúvida que vai pairar sobre a reunião dos chefes de Estado que começa na quinta-feira, dia 6, em Belém. O desafio gigantesco do Brasil é levar o maior número de partes faltantes a declarar que esforço farão para evitar o risco extremo que está diante de nós.
Os negociadores brasileiros acreditam que a Europa sairá da sua letargia. Para se ter uma ideia, em dezembro, estavam os europeus pressionando o Mercosul a incluir compromissos do Acordo de Paris no Tratado União Europeia-Mercosul. Conseguiu e lá estão os compromissos. Hoje, se estivesse em vigor, o Brasil poderia tirar concessões dos europeus, alegando que está cumprindo o combinado, e eles não. Por isso, a expectativa é de que a Europa volte ao seu normal e anuncie a sua NDC. Outros devem segui-la. É o lógico a fazer.
Quem acompanha essas três décadas de negociações globais sabe que o Brasil durante muitos anos se negava a discutir florestas. Uma visão estreita de nacionalismo levava o país a dizer que a floresta é nossa e que podemos fazer dela o que quisermos. Pois o Brasil saiu dessa posição e hoje lidera este debate. Apresentará aos chefes de Estado um instrumento novo conhecido pela sigla TFFF. Em inglês, Tropical Forest Forever Facility. Na prática, é um fundo para a proteção das florestas tropicais. É misto, também terá capital privado e será gerido pelo Banco Mundial. O Brasil fará oficialmente o lançamento deste fundo na COP. Já avisou que vai depositar US$ 1 bilhão nele, e a Indonésia disse que colocará outro bilhão. Isso estará na mesa dos chefes de Estado. O dinheiro financiará projetos de restauração florestal, reconhecendo os serviços ambientais prestados pela floresta. Parte do dinheiro irá para as comunidades tradicionais e os povos indígenas. O Brasil chegará nessa conversa com uma queda de 50% de desmatamento em três anos.
Será uma reunião emocionante, como são as COPs. Haverá decisões dramáticas a tomar. O mundo estará em Belém olhando olho no olho o seu próprio futuro. Bem-vindo, planeta Terra.
(Com Ana Carolina Diniz)
Fonte: Coluna Miriam Leitão, O Globo

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