| Usinas a carvão em Datong, na China — Foto: Noel Celis / AFP |
A COP30 começará em Belém sob o espectro de uma realidade incontornável: o tempo passa, e as projeções feitas com base nas metas de corte das emissões de gases de efeito estufa se mostram insuficientes para conter o aquecimento global idealmente em 1,5°C, no máximo em 2°C, em relação ao início da Era Industrial, como prevê o Acordo de Paris. O limite é essencial para evitar as variações catastróficas no clima, que já começaram a acontecer. Infelizmente, a meta de 1,5°C já ficou para trás, segundo diagnóstico da própria ONU. Pior: não há sinais convincentes de que a negligência da humanidade com o futuro do planeta mudará no curto prazo. Ainda que a ciência tenha vencido o confronto com o negacionismo no plano das ideias, faltam passos concretos, planos de execução rápida. A união entre diplomacia e política é a única forma de tentar recuperar o tempo perdido até aqui.
Governos se movem sem pressa, apesar das sucessivas tragédias climáticas decorrentes da elevação da temperatura no planeta. A última foi o Furacão Melissa, na região do Caribe, de categoria 5, a mais elevada, com ventos de até 298km/h, turbinado pela anormal temperatura do Atlântico. O poder de destruição dos furacões tem crescido. Chuvas torrenciais multiplicam-se — provocando catástrofes como as enchentes no Rio Grande do Sul — e convivem com secas tórridas. Tudo tem acontecido como era previsto.
A negligência fica patente no atraso na entrega das metas de corte de emissões definidas pelos países, conhecidas como NDCs. Elas são essenciais para projetar a tendência da temperatura média global e definir os cortes necessários nas emissões, objetivo da COP em seu relatório-síntese. No vencimento do prazo, em 10 de fevereiro, apenas 13 dos 197 signatários da Convenção do Clima da ONU (UNFCCC) haviam entregado suas NDCs para o período de 2030 a 2035. Vários se justificaram alegando esperar a COP30 para cumprir o compromisso. Até o momento, o número subiu para 64, e a partir desses compromissos foi elaborado o relatório-síntese que servirá de base para discussões em Belém. A COP30, portanto, começará com um resultado incompleto e insuficiente.
Mesmo a partir de dados limitados, relativos a apenas 30% das emissões globais, os cientistas conseguiram estimar se os cortes previstos são suficientes para limitar o aquecimento às metas traçadas no Acordo de Paris. Pelas informações disponíveis, haveria um corte de 17% nas emissões de 2019, quando eles precisariam ser de 57% para alcançar as metas. A conclusão a ser apresentada em Belém constata como evidente a necessidade de “grande aceleração” nos cortes. As dificuldades para isso serão imensas.
O sistema produtivo que se consolidou a partir da Revolução Industrial é baseado em combustíveis fósseis, e não há alternativa para salvar o planeta a não ser reduzir essa dependência. A expressão “transição energética” precisa deixar de ser um chavão para se tornar realidade concreta. Uma das principais dificuldades está na governança criada pelo Acordo de Paris. Toda negociação depende de consenso unânime dos signatários, e cada país bloqueia o que não é de seu interesse. Daí a dificuldade de tomar medidas que deem maior agilidade ao afastamento dos combustíveis fósseis rumo à geração de energia limpa.
A COP30 tentará superar o impasse com uma inovação: a agenda de ação, uma espécie de conferência paralela com reuniões entre grupos menores de países, empresas e organizações da sociedade civil dedicadas a temas individuais. Serão ao todo 360 eventos oficiais envolvendo mais de 500 iniciativas em áreas como energia nuclear, combustíveis renováveis, produção de alimentos, florestas, agricultura etc. A ideia é que a sessão plenária aprove de modo permanente a estrutura criada para a agenda de ação, de modo a garantir uma governança mais eficaz.
Um dos temas mais espinhosos é o financiamento para os países pobres implementarem suas políticas de corte de emissões. No ano passado, na COP29, em Baku, no Azerbaijão, foi estabelecida uma “nova meta coletiva”: transferir dos países desenvolvidos aos menos desenvolvidos US$ 300 bilhões anuais. Ainda é uma fração da necessidade estimada para a tarefa. O Grupo de Especialistas Independentes de Alto Nível em Financiamento Climático, criado em 2021, projetou que, até 2030, esses países precisarão de US$ 2,7 trilhões por ano e que, para isso, é vital receber ao menos US$ 1,3 trilhão das economias desenvolvidas. Os últimos dados disponíveis, de 2022, mostram que os países ricos desembolsaram apenas US$ 116 bilhões.
Outro tema que certamente despertará interesse é a tentativa de criar um fundo privado para conservar as florestas. O objetivo é implantar, dentro do Banco Mundial, uma dotação com US$ 20 bilhões vindos de governos, mais US$ 100 bilhões de investimentos privados. Esse capital daria origem a uma espécie de banco de investimento florestal e, aplicado no mercado, traria lucros reinvestidos em projetos que remunerem iniciativas de conservação. É uma ideia engenhosa que deveria ser levada adiante.
A crise climática é um problema que só será resolvido com a cooperação de todo o planeta. Eventuais êxitos nas negociações da COP30 poderão transmitir a mensagem de que o multilateralismo ainda tem valor neste momento de reorganização geopolítica do planeta. A instituição da agenda de ação, lançando mão de todos os instrumentos e organizações multilaterais que funcionam, é o caminho mais promissor para transformar a realidade. As conferências do clima servem para encontrar caminhos e desenvolver tecnologias que permitam à humanidade enfrentar as ameaças trazidas pelas mudanças climáticas. Sem elas, não haverá futuro viável para o planeta Terra.
Fonte: O Globo

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