terça-feira, 4 de novembro de 2025

COP30: países caminham para definir em Belém cem indicadores para monitorar adaptação climática

Pátio de veículos alagado em Porto Alegre: no ano passado, 2 milhões de pessoas foram afetadas pelas inundações no Rio Grande — Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil/26-5-2024

Adaptação às mudanças climáticas deixou de ser escolha para se tornar estratégia inadiável

Por Emilio Sant’Anna*, Do Valor

Mais de 3 bilhões de pessoas em todo o mundo vivem em condições de alta vulnerabilidade aos impactos das mudanças climáticas, de acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC), das Nações Unidas. Esse número tende a crescer à medida que a temperatura global continua subindo, o que traz para o centro do debate a agenda de adaptação. Durante a COP30, em Belém, deve ser concluído o UAE–Belém Work Programme, uma iniciativa para a criação de indicadores globais para medir o progresso dessas ações.

O programa, lançado em 2023, é parte do Global Goal on Adaptation (GGA), previsto no Acordo de Paris, tratado climático assinado por quase 200 países em 2015, que estabeleceu a necessidade de metas mensuráveis e comparáveis entre os países. A expectativa é que, no Brasil, seja aprovada uma lista final de até cem indicadores, abrangendo dimensões nacionais, temáticas e de meios de implementação, como financiamento, capacitação e tecnologia. A consolidação dessa estrutura é vista como um passo necessário para transformar a adaptação em um compromisso rastreável.

Para a professora Suzana Kahn, da Coppe-UFRJ, autora do IPCC e presidente do Comitê Científico do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC), a demora em dar forma concreta ao GGA reflete uma situação histórica.

— No início das negociações, era quase uma confissão de fracasso admitir estratégias de adaptação, pois isso significava desviar recursos e atenção que deveriam ser destinados à mitigação — explica. — Com o aumento constante das emissões, tornou-se inviável manter a temperatura média do planeta. Passou-se então a encarar a adaptação como inevitável e essencial para reduzir os danos já presentes.

A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, participa de plenária no segundo dia da Pré-Cop30 — Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Menos de um mês antes do início da COP30, o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Antonio Guterres, foi taxativo:

— Não conseguiremos conter o aquecimento global abaixo de 1,5 °C nos próximos anos.

Fenômenos extremos

Conter o aumento da temperatura global nesse nível até o final do século estava entre os objetivos mais importantes do Acordo de Paris. Dez anos depois, fenômenos extremos, como ondas de calor e tempestades, se tornaram mais recorrentes e intensos.

Em 2024, mais de 2 milhões de pessoas foram afetadas pelas inundações no Rio Grande do Sul. As chuvas causaram 185 mortes, deixaram estragos em 478 municípios e um prejuízo estimado em R$ 88,9 bilhões, conforme relatório do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), produzido em conjunto com a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) e o Banco Mundial.

Nesse cenário, a adaptação deixou de ser uma escolha para se tornar uma exigência. Medir a capacidade de adaptação, no entanto, não é uma tarefa simples.

— Demorou a ganhar espaço porque é mais difícil de medir e comparar entre países. Enquanto as emissões de CO₂ podem ser quantificadas em toneladas, os avanços em adaptação dependem de contextos locais. Cada cidade, ecossistema ou comunidade enfrenta riscos e vulnerabilidades diferentes. Isso torna a avaliação mais complexa e menos padronizável — diz o especialista em políticas climáticas Daniel Porcel, do Instituto Talanoa.

Suzana Kahn, da Coppe-UFRJ, defede métricas para analisar avanços de medidas de adaptação às mudanças climáticas — Foto: Fabiano Rocha / O Globo

De acordo com Kahn, a criação de métricas universais esbarra na diversidade de contextos:

— As métricas precisam ser segmentadas, pois há diferentes dimensões: ecossistemas naturais, centros urbanos, áreas costeiras, setores produtivos. Cada um tem suas próprias variáveis e indicadores.

A professora da Coppe e autora do IPCC explica que, mais do que índices ambientais, as métricas devem refletir o grau de desenvolvimento das populações.

Um dos pontos críticos do debate sobre a adaptação é o financiamento. Países em desenvolvimento insistem que os recursos destinados à adaptação são insuficientes e desiguais. O risco, afirmam especialistas, é que os indicadores sirvam apenas para medir, sem influenciar o fluxo de investimentos.

A proposta em debate é que as métricas sejam usadas para avaliar e comunicar o progresso, mas sem mecanismos obrigatórios de vinculação a políticas públicas ou transferências financeiras. Na prática, diz Kahn, o alcance será limitado. O desafio será fazer com que esses números saiam do papel.

— Não há garantia alguma. Assim como as metas de mitigação não foram alcançadas, esses indicadores servem apenas como orientação — diz Kahn.

Para Porcel, do Talanoa, se bem formulados, os indicadores podem gerar um efeito transformador. Ao se exigir dados e evidências, governos são impulsionados a coletar informações hoje inexistentes ou dispersas, o que é essencial para desenhar políticas mais eficazes. Com a COP30 se aproximando, cresce a pressão para que a cúpula entregue resultados concretos.

— Os indicadores fortalecem a sociedade civil, que passa a ter ferramentas concretas para cobrar ação. Quando as lacunas aparecem nos números, aumenta o constrangimento político e a pressão por resultados — diz Porcel.

Fonte: O Globo




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